O valor das ideias: Resposta à defesa de Francisco Louçã do programa fiscal do BE

19-12-2009
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O debate televisivo entre Francisco Louçã e José Sócrates levou o líder do BE a ter necessidade de tentar clarificar a sua posição sobre a sua proposta de eliminação de deduções fiscais de despesas de saúde e educação, em sede de IRS. Desconheço quantos descontentes ou votantes de protesto no BE sabiam destas ideias. Contudo, desmascarado por Sócrates, Louçã teve necessidade de vir a terreno responder pelo que se soube que afinal quer. E as respostas, disponíveis aqui, estão longe de ser convincentes, como se demonstra nos pontos abaixo.1. Comecemos pelas despesas em saúde. Já explicamos aqui que o que Louçã está a sugerir é, na prática, um ataque à possibilidade de as classes de rendimentos médios e baixos recorrerem, em caso de necessidade, a uma consulta privada. Diz-nos Louçã que as deduções continuariam a existir apenas nos casos em que não existisse oferta pública, e em que essas consultas fossem indispensáveis.A eloquência fala por si. Quando alguém com rendimentos médios e baixos se lembrasse da possibilidade de recorrer a uma consulta privada, precisaria para poder contar com a dedução em IRS, de fazer prova da impossibilidade de se valer do SNS, e de fazer prova da indispensabilidade da consulta. O que significa:a) no primeiro requisito, que os utentes de menores rendimentos teriam um problema acrescido face à classes altas. Perante os mesmos sintomas, teriam que ir verificar a disponibilidade de soluções do sistema público, para depois marcarem a consulta privada. E obter documento que mostrasse não existirem essas soluções. Ou seja, enquanto alguém cujos rendimentos lhe permitam estar a milhas da necessidade de deduzir consultas privadas, pode ir logo procurar um médico, as pessoas de classe média e baixa, que precisariam da certeza das deduções para irem a um médico privado, terão que, primeiramente, antes de cuidar da sua saúde, ir aferir as disponibilidades do sistema público, e enlear-se numa teia burocrática kafkiana, para obter prova de que o SNS não teria capacidade de resposta;b) no segundo requisito, seria aparentemente necessário uma junta médica prévia para aferir da "indispensabilidade" da consulta. O BE precisaria de ter juntas (tirando médicos ao atendimento real) de verificar se os mais pobres, que recorreram a uma consulta privada, o fizeram por necessidade ou por brincadeira.Custa-me a perceber se Louçã fala a sério. Vamos desviar médicos do atendimento a utentes para verificar as necessidades de consulta do sistema privado? Vamos atrasar o atendimento às pessoas para que tenham um documento que ateste inexistência de oferta pública? E inexistência em que termos: no imediato? obrigando a horas de espera? obrigando a semanas de espera? E sujeitamos a isto tudo quem precisa de facto das deduções?O que faz ao BE às pessoas que compraram seguros de saúde? E às que descontam do seu vencimento para coisas como a ADSE? Os tais professores! Vai o BE prejudicá-los? E quanto a trabalhadores que têm a possibilidade de ir a certos médicos privados que têm protocolos com empresas como a PT? São proíbidas essas realidades?O problema, Francisco Louçã, é que a cor da verdade é o cinzento. Não há só muito ricos e muito pobres. Há mil variedades e as respostas absolutas tendem a prejudicar muita gente que não merecia. TRabalhadores dependentes e com salários reduzidos.2. No que se refere à educação, Louçã refere-se à gratuitidade dos manuais escolares e ao fim das propinas no sistema universitário público. Só que a gratuitidade dos manuais escolares é, no seu texto, fruto de um sistema de empréstimos entre alunos, sem laços sanguíneos. O ridículo da coisa mata! Se um aluno de determinada ano precisar de rever algo em manual de ano anterior, o fim da propriedade privada dos manuais escolares, impede-o de o fazer. O BE não defende estabilidade dos manuais para permitir empréstimos inter-familiares. Não, defendo empréstimos a todos os alunos, o que significará que um filho único não tem hipóteses de revisão.Caricatural? Sem dúvida. Mas é o que BE propõe.Não passa pela cabeça da esquerda radical uma simples regulação de preços? Eficaz, mas simples?O fim dos propinas no sistema universitário público cai naquelas utopias em que o tempo histórico não conta. Seria viável o sistema ser gratuito se as propinas nunca tivessem sido introduzidas. E já agora, foram-no pelo PSD e por Couto dos Santos, cabeça de lista do PSD por Aveiro, e pela ex-Ministra da Educação Manuela Ferreira Leite.Mas o tempo passou. E as universidades foram progressivamente dependendo do dinheiro das propinas para sobreviver. Em lugar de assegurar a melhoria da qualidade pública do ensino, as propinas, já há 10 anos, eram usadas em muitas universidades para garantir o pagamento dos salários dos docentes.Suprimir as propinas, hoje, significaria, no ensino superior público, pôr ainda mais em causa, os salários dos docentes e a renovação do corpo docente. Louçã não oferece nenhuma fonte de financiamento que garanta suprir isto. O off-shore da Madeira que agita como pagando isto tudo, só vale o que vale enquanto existir. Se eliminado, como sugere o BE, vale zero. Aquelas verbas, em lugar de passarem a ser taxadas, fugiriam para outros off-shores.É no combate a essa fuga que se deve centrar o esforço da máquina fiscal, conforme conclusões do G20, e conforme o programa do PS. Mas sejamos claros, caro Francisco Louçã, sem a tal regulação internacional dos movimentos de capitais, nem o BE nem nenhum partido em Portugal pode evitar as fugas ao sistema. E neste momento, o BE não dispõe disso.Eliminar o off-shore da Madeira não soa mal, e eu subscreveria. Mas com a noção de que esse dinheiro, na sua maior parte, continuaria a escapar ao controlo fiscal. E por isso misturá-lo com o financiamento da saúde e da educação é um tiro no escuro.Existem receitas reais que o BE possa assegurar afectar a esses fins? Na prática, Louçã não responde!3. Eu defendo, tal como defende o programa do PS, uma segurança social pública. Francisco Louçã acha que isso é posto em causa pelos PPR. E prefere os certificados de aforro. É evidente porquê, numa curiosa afinidade com o programa do PSD que também defende os certificados de aforro. O que nenhum dos dois admite é que os certificados dão jeito porque canalizam verbas para o Estado. No caso do PSD, o que está em causa é retirar recursos à economia, destruindo o consumo, e por isso, o emprego, por causa da obsessão do défice. No caso do BE, é a assumpção de que não conseguem recursos para tudo o que dizem que é gratuito.Está contudo Francisco Louçã errado sobre a não rentabilida dos PPR. Como estará qualquer pessoa que garanta a sua rentabilidade. Porque essa garantia teria de ser dada tendo em conta o ciclo de vida médio do PPR. Digamos 15/20 anos. E não há dados para o efeito. Louçã teria que estar a prever econometricamente os retornos dos PPR daqui a uma década, para poder afirmar que em média eram mais baixos que os dos depósitos. O que implicava que fosse também capaz de prever a evolução da taxa de juro daqui a dez anos.O exercício sério para avaliar os PPR exigia esta previsão estatística. Louçã não a faz. E a razão óbvia passa por ser impossível prever com seriedade, em horizontes médios e longos, a evolução de variáveis financeiras.Quando ele diz:"Convido quem tenha dúvidas a reler o balanço anual do seu PPR e a verificar a rentabilidade. Qualquer depósito a prazo teria melhor resultado."Está a falar de um período histórico. O Jornal de Negócios faz hoje o exercício para os últimos 6 anos. Não prevê 15. Para afirmar o que afirma, Louçã, precisaria de um modelo de previsão a 15 anos, pelo menos.Em Finanças, seria o equivalente a um modelo de previsão do Euro Milhões.Duas notas finais. Pode bem o BE esgrimir com argumentos passados de Vital Moreira. Não me consta que o que ele disse vincule o PS, ou tão pouco que seja autoridade económica na matéria. Por outro lado, o BE sabe bem quem permitiu aprovar o levantamento do sigílio bancário. E as posições retrógradas, mesmo face ao apoio do PR a essa inciativa, do PSD. Fica mal a Louçã, é mentiroso e é demagógico, pretender que o PS se colocou de fora desse combate.


O debate televisivo entre Francisco Louçã e José Sócrates levou o líder do BE a ter necessidade de tentar clarificar a sua posição sobre a sua proposta de eliminação de deduções fiscais de despesas de saúde e educação, em sede de IRS. Desconheço quantos descontentes ou votantes de protesto no BE sabiam destas ideias. Contudo, desmascarado por Sócrates, Louçã teve necessidade de vir a terreno responder pelo que se soube que afinal quer. E as respostas, disponíveis aqui, estão longe de ser convincentes, como se demonstra nos pontos abaixo.1. Comecemos pelas despesas em saúde. Já explicamos aqui que o que Louçã está a sugerir é, na prática, um ataque à possibilidade de as classes de rendimentos médios e baixos recorrerem, em caso de necessidade, a uma consulta privada. Diz-nos Louçã que as deduções continuariam a existir apenas nos casos em que não existisse oferta pública, e em que essas consultas fossem indispensáveis.A eloquência fala por si. Quando alguém com rendimentos médios e baixos se lembrasse da possibilidade de recorrer a uma consulta privada, precisaria para poder contar com a dedução em IRS, de fazer prova da impossibilidade de se valer do SNS, e de fazer prova da indispensabilidade da consulta. O que significa:a) no primeiro requisito, que os utentes de menores rendimentos teriam um problema acrescido face à classes altas. Perante os mesmos sintomas, teriam que ir verificar a disponibilidade de soluções do sistema público, para depois marcarem a consulta privada. E obter documento que mostrasse não existirem essas soluções. Ou seja, enquanto alguém cujos rendimentos lhe permitam estar a milhas da necessidade de deduzir consultas privadas, pode ir logo procurar um médico, as pessoas de classe média e baixa, que precisariam da certeza das deduções para irem a um médico privado, terão que, primeiramente, antes de cuidar da sua saúde, ir aferir as disponibilidades do sistema público, e enlear-se numa teia burocrática kafkiana, para obter prova de que o SNS não teria capacidade de resposta;b) no segundo requisito, seria aparentemente necessário uma junta médica prévia para aferir da "indispensabilidade" da consulta. O BE precisaria de ter juntas (tirando médicos ao atendimento real) de verificar se os mais pobres, que recorreram a uma consulta privada, o fizeram por necessidade ou por brincadeira.Custa-me a perceber se Louçã fala a sério. Vamos desviar médicos do atendimento a utentes para verificar as necessidades de consulta do sistema privado? Vamos atrasar o atendimento às pessoas para que tenham um documento que ateste inexistência de oferta pública? E inexistência em que termos: no imediato? obrigando a horas de espera? obrigando a semanas de espera? E sujeitamos a isto tudo quem precisa de facto das deduções?O que faz ao BE às pessoas que compraram seguros de saúde? E às que descontam do seu vencimento para coisas como a ADSE? Os tais professores! Vai o BE prejudicá-los? E quanto a trabalhadores que têm a possibilidade de ir a certos médicos privados que têm protocolos com empresas como a PT? São proíbidas essas realidades?O problema, Francisco Louçã, é que a cor da verdade é o cinzento. Não há só muito ricos e muito pobres. Há mil variedades e as respostas absolutas tendem a prejudicar muita gente que não merecia. TRabalhadores dependentes e com salários reduzidos.2. No que se refere à educação, Louçã refere-se à gratuitidade dos manuais escolares e ao fim das propinas no sistema universitário público. Só que a gratuitidade dos manuais escolares é, no seu texto, fruto de um sistema de empréstimos entre alunos, sem laços sanguíneos. O ridículo da coisa mata! Se um aluno de determinada ano precisar de rever algo em manual de ano anterior, o fim da propriedade privada dos manuais escolares, impede-o de o fazer. O BE não defende estabilidade dos manuais para permitir empréstimos inter-familiares. Não, defendo empréstimos a todos os alunos, o que significará que um filho único não tem hipóteses de revisão.Caricatural? Sem dúvida. Mas é o que BE propõe.Não passa pela cabeça da esquerda radical uma simples regulação de preços? Eficaz, mas simples?O fim dos propinas no sistema universitário público cai naquelas utopias em que o tempo histórico não conta. Seria viável o sistema ser gratuito se as propinas nunca tivessem sido introduzidas. E já agora, foram-no pelo PSD e por Couto dos Santos, cabeça de lista do PSD por Aveiro, e pela ex-Ministra da Educação Manuela Ferreira Leite.Mas o tempo passou. E as universidades foram progressivamente dependendo do dinheiro das propinas para sobreviver. Em lugar de assegurar a melhoria da qualidade pública do ensino, as propinas, já há 10 anos, eram usadas em muitas universidades para garantir o pagamento dos salários dos docentes.Suprimir as propinas, hoje, significaria, no ensino superior público, pôr ainda mais em causa, os salários dos docentes e a renovação do corpo docente. Louçã não oferece nenhuma fonte de financiamento que garanta suprir isto. O off-shore da Madeira que agita como pagando isto tudo, só vale o que vale enquanto existir. Se eliminado, como sugere o BE, vale zero. Aquelas verbas, em lugar de passarem a ser taxadas, fugiriam para outros off-shores.É no combate a essa fuga que se deve centrar o esforço da máquina fiscal, conforme conclusões do G20, e conforme o programa do PS. Mas sejamos claros, caro Francisco Louçã, sem a tal regulação internacional dos movimentos de capitais, nem o BE nem nenhum partido em Portugal pode evitar as fugas ao sistema. E neste momento, o BE não dispõe disso.Eliminar o off-shore da Madeira não soa mal, e eu subscreveria. Mas com a noção de que esse dinheiro, na sua maior parte, continuaria a escapar ao controlo fiscal. E por isso misturá-lo com o financiamento da saúde e da educação é um tiro no escuro.Existem receitas reais que o BE possa assegurar afectar a esses fins? Na prática, Louçã não responde!3. Eu defendo, tal como defende o programa do PS, uma segurança social pública. Francisco Louçã acha que isso é posto em causa pelos PPR. E prefere os certificados de aforro. É evidente porquê, numa curiosa afinidade com o programa do PSD que também defende os certificados de aforro. O que nenhum dos dois admite é que os certificados dão jeito porque canalizam verbas para o Estado. No caso do PSD, o que está em causa é retirar recursos à economia, destruindo o consumo, e por isso, o emprego, por causa da obsessão do défice. No caso do BE, é a assumpção de que não conseguem recursos para tudo o que dizem que é gratuito.Está contudo Francisco Louçã errado sobre a não rentabilida dos PPR. Como estará qualquer pessoa que garanta a sua rentabilidade. Porque essa garantia teria de ser dada tendo em conta o ciclo de vida médio do PPR. Digamos 15/20 anos. E não há dados para o efeito. Louçã teria que estar a prever econometricamente os retornos dos PPR daqui a uma década, para poder afirmar que em média eram mais baixos que os dos depósitos. O que implicava que fosse também capaz de prever a evolução da taxa de juro daqui a dez anos.O exercício sério para avaliar os PPR exigia esta previsão estatística. Louçã não a faz. E a razão óbvia passa por ser impossível prever com seriedade, em horizontes médios e longos, a evolução de variáveis financeiras.Quando ele diz:"Convido quem tenha dúvidas a reler o balanço anual do seu PPR e a verificar a rentabilidade. Qualquer depósito a prazo teria melhor resultado."Está a falar de um período histórico. O Jornal de Negócios faz hoje o exercício para os últimos 6 anos. Não prevê 15. Para afirmar o que afirma, Louçã, precisaria de um modelo de previsão a 15 anos, pelo menos.Em Finanças, seria o equivalente a um modelo de previsão do Euro Milhões.Duas notas finais. Pode bem o BE esgrimir com argumentos passados de Vital Moreira. Não me consta que o que ele disse vincule o PS, ou tão pouco que seja autoridade económica na matéria. Por outro lado, o BE sabe bem quem permitiu aprovar o levantamento do sigílio bancário. E as posições retrógradas, mesmo face ao apoio do PR a essa inciativa, do PSD. Fica mal a Louçã, é mentiroso e é demagógico, pretender que o PS se colocou de fora desse combate.

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