"Boas empresas e bons projectos não deixarão de ser apoiados"

20-04-2011
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O presidente da Caixa Geral Depósitos afirma que a intervenção externa irá facilitar o regresso, "progressivo", dos bancos à normalidade

Acredita que o pedido de ajuda internacional realizado por Portugal vai permitir aos bancos nacionais regressarem aos mercados para obter liquidez?

A experiência recente com a Grécia e a Irlanda diz-nos que nas negociações com o FMI é usual serem contemplados três capítulos nos programas de ajustamento económico e financeiro: o da consolidação orçamental (reequilíbrio das finanças públicas), o das reformas estruturais e o do reforço do sistema financeiro. Este último compreende, em geral, a criação de um fundo de estabilidade financeira, com o objectivo de apoiar uma eventual necessidade de reforço de capital dos bancos, e mecanismos de suporte à liquidez das instituições bancárias, em geral complementados com medidas de suporte adicional do Banco Central Europeu (BCE). Aliás, a coordenação entre o FMI, a Comissão Europeia e o BCE na implementação e no financiamento do programa é crucial para o seu sucesso. Estando a liquidez dos bancos a ser fortemente afectada basicamente pelos efeitos da crise da dívida soberana, a intervenção externa irá facilitar o regresso, progressivo, à normalidade, contribuindo para readquirir a confiança dos mercados.

Está confiante que o programa de ajustamento macroeconómico que está a ser negociado vai criar as condições para Portugal poder realizar, finalmente, as grandes reformas estruturais?

Não podendo evitar o pedido de ajuda do FEEF, temos de transformar o programa de ajustamento numa oportunidade para corrigir a trajectória que vimos seguindo desde finais dos anos 90. Temos de nos focar num modelo de crescimento económico centrado na procura externa e nos bens transaccionáveis, numa agenda de competitividade coerente e eficaz, que nos devolva a competitividade no contexto do euro, isto é, com efeitos equivalentes a uma desvalorização da moeda, como se fez no passado, mas actuando agora com intensidade noutros factores, e na realização de reformas estruturais indispensáveis.

É expectável que, dada a conjuntura, os bancos mantenham os empréstimos às empresas?

A concessão do crédito está na ordem do dia: as dificuldades de financiamento levam os bancos a ser selectivos e rigorosos na avaliação do risco. Mas a actividade exportadora, as boas empresas, os bons projectos não deixarão de ser apoiados. O ritmo de crescimento do crédito tem vindo, naturalmente, a abrandar e, para 2011, é de prever que em relação a 2010 não haja crescimento do crédito - o que aconteceu nos últimos anos.

Portugal tem condições para pagar a dívida no contexto de uma recessão profunda como aquela que se prevê?

A concretização da negociação com o FEEF permite, e visa, fazê-lo.

Foram os bancos que pressionaram o Governo para pedir a ajuda externa?

Repito o que sempre dissemos sobre este assunto: o corte do rating da República, com efeitos imediatos no dos bancos, as crescentes dificuldades de financiamento e a penalização dos colaterais, os limites técnicos impostos à exposição da dívida pública, levaram os bancos a informar o senhor ministro das Finanças que lhes seria muito difícil, ou impossível, continuar o esforço de aquisição da dívida pública para financiar o Estado, como vinham fazendo.

Diz-se que a banca portuguesa vai necessitar de 16 mil milhões de euros para se recapitalizar. Concorda?

Nunca retive esse número. Neste momento, os cinco maiores bancos portugueses apresentam rácios de capital que respeitam integralmente os requisitos do Banco de Portugal, estando o capital dos bancos ajustado ao risco de balanço. Recentemente, o Banco de Portugal elevou para oito por cento o valor mínimo do Core Tier 1, a atingir no fim do corrente ano, tendo em conta a evolução do mercado financeiro. Gostava de salientar o notável trabalho que tem sido desenvolvido pelo governador do Banco de Portugal, dr. Carlos Costa, neste período tão exigente como o que vamos passando. A implementação de Basileia III pode, a prazo, levar à necessidade de alguns bancos reforçarem o seu capital. O FMI tem também imposto, no pacote de reforço do sistema financeiro, um limiar mínimo do Core Tier 1, que foi diferente na Grécia e na Irlanda, dada a situação bem distinta dos respectivos sistemas bancários.

Receia que a troika exija aos bancos nacionais rácios de solvabilidade de 10 por cento?

Não, embora pense que, no caso português, talvez não seja necessário atingir esse patamar.

Daqui a uns anos, quando se fizerem as contas à crise nacional, ainda falaremos num sistema financeiro português? Ou acha que este acabará absorvido por grupos estrangeiros mais capitalizados?

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Não há razão nenhuma para pensar que a banca nacional não ultrapassa as actuais dificuldades, que se concentram no acesso ao financiamento (com consequente perda de alguma rentabilidade): não tem problemas de solidez, é moderna, a taxa de incumprimentos, embora em crescimento, é perfeitamente razoável, o downgrade imposto pelas agências de rating aos bancos deriva essencialmente do efeito do downgrade da República. Assim, encontradas saídas para a questão da liquidez, a banca voltará ao seu crescimento normal. Os bancos privados continuarão a ter accionistas nacionais e estrangeiros, pois o sector bancário é atractivo.

É um destacado membro do PSD e ex-governante. Concorda com a proposta de Passos Coelho de privatizar, ainda que parcialmente, a CGD? Em Portugal há poupança interna disponível para adquirir as acções?

Continuo a defender que a CGD não deve ser privatizada. Veja-se a função fundamental que desempenhou nos últimos anos, no apoio à economia, na estabilidade do sistema financeiro, no financiamento da República. Veja-se o peso dos bancos públicos em economias como a da Alemanha. Só numa situação muito excepcional, ou particularmente oportuna, se deverá equacionar a possibilidade de abertura minoritária de capital.

O presidente da Caixa Geral Depósitos afirma que a intervenção externa irá facilitar o regresso, "progressivo", dos bancos à normalidade

Acredita que o pedido de ajuda internacional realizado por Portugal vai permitir aos bancos nacionais regressarem aos mercados para obter liquidez?

A experiência recente com a Grécia e a Irlanda diz-nos que nas negociações com o FMI é usual serem contemplados três capítulos nos programas de ajustamento económico e financeiro: o da consolidação orçamental (reequilíbrio das finanças públicas), o das reformas estruturais e o do reforço do sistema financeiro. Este último compreende, em geral, a criação de um fundo de estabilidade financeira, com o objectivo de apoiar uma eventual necessidade de reforço de capital dos bancos, e mecanismos de suporte à liquidez das instituições bancárias, em geral complementados com medidas de suporte adicional do Banco Central Europeu (BCE). Aliás, a coordenação entre o FMI, a Comissão Europeia e o BCE na implementação e no financiamento do programa é crucial para o seu sucesso. Estando a liquidez dos bancos a ser fortemente afectada basicamente pelos efeitos da crise da dívida soberana, a intervenção externa irá facilitar o regresso, progressivo, à normalidade, contribuindo para readquirir a confiança dos mercados.

Está confiante que o programa de ajustamento macroeconómico que está a ser negociado vai criar as condições para Portugal poder realizar, finalmente, as grandes reformas estruturais?

Não podendo evitar o pedido de ajuda do FEEF, temos de transformar o programa de ajustamento numa oportunidade para corrigir a trajectória que vimos seguindo desde finais dos anos 90. Temos de nos focar num modelo de crescimento económico centrado na procura externa e nos bens transaccionáveis, numa agenda de competitividade coerente e eficaz, que nos devolva a competitividade no contexto do euro, isto é, com efeitos equivalentes a uma desvalorização da moeda, como se fez no passado, mas actuando agora com intensidade noutros factores, e na realização de reformas estruturais indispensáveis.

É expectável que, dada a conjuntura, os bancos mantenham os empréstimos às empresas?

A concessão do crédito está na ordem do dia: as dificuldades de financiamento levam os bancos a ser selectivos e rigorosos na avaliação do risco. Mas a actividade exportadora, as boas empresas, os bons projectos não deixarão de ser apoiados. O ritmo de crescimento do crédito tem vindo, naturalmente, a abrandar e, para 2011, é de prever que em relação a 2010 não haja crescimento do crédito - o que aconteceu nos últimos anos.

Portugal tem condições para pagar a dívida no contexto de uma recessão profunda como aquela que se prevê?

A concretização da negociação com o FEEF permite, e visa, fazê-lo.

Foram os bancos que pressionaram o Governo para pedir a ajuda externa?

Repito o que sempre dissemos sobre este assunto: o corte do rating da República, com efeitos imediatos no dos bancos, as crescentes dificuldades de financiamento e a penalização dos colaterais, os limites técnicos impostos à exposição da dívida pública, levaram os bancos a informar o senhor ministro das Finanças que lhes seria muito difícil, ou impossível, continuar o esforço de aquisição da dívida pública para financiar o Estado, como vinham fazendo.

Diz-se que a banca portuguesa vai necessitar de 16 mil milhões de euros para se recapitalizar. Concorda?

Nunca retive esse número. Neste momento, os cinco maiores bancos portugueses apresentam rácios de capital que respeitam integralmente os requisitos do Banco de Portugal, estando o capital dos bancos ajustado ao risco de balanço. Recentemente, o Banco de Portugal elevou para oito por cento o valor mínimo do Core Tier 1, a atingir no fim do corrente ano, tendo em conta a evolução do mercado financeiro. Gostava de salientar o notável trabalho que tem sido desenvolvido pelo governador do Banco de Portugal, dr. Carlos Costa, neste período tão exigente como o que vamos passando. A implementação de Basileia III pode, a prazo, levar à necessidade de alguns bancos reforçarem o seu capital. O FMI tem também imposto, no pacote de reforço do sistema financeiro, um limiar mínimo do Core Tier 1, que foi diferente na Grécia e na Irlanda, dada a situação bem distinta dos respectivos sistemas bancários.

Receia que a troika exija aos bancos nacionais rácios de solvabilidade de 10 por cento?

Não, embora pense que, no caso português, talvez não seja necessário atingir esse patamar.

Daqui a uns anos, quando se fizerem as contas à crise nacional, ainda falaremos num sistema financeiro português? Ou acha que este acabará absorvido por grupos estrangeiros mais capitalizados?

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Não há razão nenhuma para pensar que a banca nacional não ultrapassa as actuais dificuldades, que se concentram no acesso ao financiamento (com consequente perda de alguma rentabilidade): não tem problemas de solidez, é moderna, a taxa de incumprimentos, embora em crescimento, é perfeitamente razoável, o downgrade imposto pelas agências de rating aos bancos deriva essencialmente do efeito do downgrade da República. Assim, encontradas saídas para a questão da liquidez, a banca voltará ao seu crescimento normal. Os bancos privados continuarão a ter accionistas nacionais e estrangeiros, pois o sector bancário é atractivo.

É um destacado membro do PSD e ex-governante. Concorda com a proposta de Passos Coelho de privatizar, ainda que parcialmente, a CGD? Em Portugal há poupança interna disponível para adquirir as acções?

Continuo a defender que a CGD não deve ser privatizada. Veja-se a função fundamental que desempenhou nos últimos anos, no apoio à economia, na estabilidade do sistema financeiro, no financiamento da República. Veja-se o peso dos bancos públicos em economias como a da Alemanha. Só numa situação muito excepcional, ou particularmente oportuna, se deverá equacionar a possibilidade de abertura minoritária de capital.

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