Ubiquidade animal

20-04-2011
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Eles estão por todo o lado. Desde a edição de "Feels", em 2005, os Animal Collective foram povoando cada vez mais a música alheia. Para o mundo dito indie, não os citar hoje como influência é uma grosseira falha no currículo. Avey Tare, Mark Richardson ?(Pitchfork) e os BRAIDS ajudam-nos a perceber o que se passa. Gonçalo Frota

Deve ser chato. Não há músico que não deseje, de alguma forma, mudar o mundo e ficar para a História, mas isso não quer dizer que esteja preparado para o momento em que o mundo faz a trouxa, pendura às costas uns mantimentos básicos e resolve segui-lo como se fosse um profeta. Quando cada nova música parece vir empoleirada numa carga messiânica é fácil achar que já se foi longe de mais. Mas negar que os Animal Collective são hoje o padrão para muita da nova música - e da mais interessante - que se vai fazendo planeta fora é tão inglório e inútil quanto tentar esconder um elefante atrás de um poste de electricidade. Austin, baterista dos BRAIDS - banda a que a revista "Les Inrockuptibles" chama "os dignos herdeiros dos Animal Collective" - acha, exageradamente ou não, que ser hoje influenciado pela banda de Avey Tare e Panda Bear é tão normal quanto, há uns anos, criar com o alto patrocínio dos Beatles.

Avey Tare e Panda Bear tentam disfarçar o peso que a sua banda tem na música actual, mas a verdade é que já não há como escapar-lhe. Até porque está fora das suas mãos. Na semana passada, Diplo, colaborador habitual de M.I.A., veio a público revelar que o novo disco da cingalesa é um cruzamento entre Gucci Mane e os Animal Collective. Mas, aparentemente - e segundo nos diz Avey Tare -, ainda nenhuma estrela pop pegou no telefone para os convencer a compor para terceiros. Se bem que a notícia surgida há dias de que Panda Bear deverá participar no novo dos Daft Punk convide à reflexão. Ainda assim, e apesar de o último álbum, "Merriweather Post Pavillion" ter alcançado o 13.º lugar do top norte-americano, Tare garante que nunca se sentiram engolidos pelo "mainstream". O sucesso, acrescenta, mede-se de outra forma: "Quando nos sentimos excitados e continuamos intrigados com a música que fizemos e que estamos a fazer. Acho que se mantiver esse espanto e esse interesse posso sentir que, de alguma forma, estarei a progredir ao mesmo tempo".

"Do-it-yourself"

Para alguns, a influência dos Animal Collective sente-se mais no seu espírito experimentalista em relação à canção pop do que em termos estritamente musicais. É essa a opinião de Mark Richardson, editor do site Pitchfork e seguidor atento do grupo de Baltimore desde o lançamento de "Here Comes the Indian", em 2003. Nessa altura, ao tomar contacto com o grupo, Richardson pasmou com "uma mistura de elementos que não pareciam fazer sentido juntos mas que acabavam por resultar bastante bem - havia passagens no disco que eram muito duras e assustadoras, outras que eram etéreas e belas, partes que eram inocentes e infantis e outras que soavam ameaçadoras e algo violentas". Essa relação de forças e de contrários, continua a reconhecê-la em tudo quanto fizeram até hoje, com a diferença de se terem progressivamente aproximado mais da estrutura de canção pop.

Surpreendido pela forma como esta sonoridade contaminou de forma tão abrangente e consistente a produção actual, Richardson acredita que em 2004 ou 2005 teria sido quase impossível prever tal fenómeno, dado tratar-se de uma sonoridade "tão distinta e singular". "Penso que se tornaram influentes em parte por funcionarem num espírito punk, "do-it-yourself", que desafia as pessoas a criarem a sua própria versão. Se tiveres um computador e curiosidade pelo som, podes experimentar e criar uma sonoridade na mesma linha dos Animal Collective". Mas essa sonoridade parece ter uma fórmula reconhecível: arpejos de teclados imitadores de sons subaquáticos, baterias tribais tocadas no fundo de um poço, melodias pop perdidas no tempo e a pairar por cima de uma música que, apesar de perfeitamente discernível, tende a reclamar sempre uma dose cavalar de abstracção.

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Da emulação à exploração

No caso dos BRAIDS, por exemplo, tudo começou com a descoberta de "Feels" ainda em tempo de liceu. "Foi uma revolução. É um disco tão denso que à centésima audição ainda descobrimos uma nova guitarra e ficamos novamente excitados - é um disco muito vivo", diz-nos a vocalista Raphaelle Standell-Preston. "Feels" serviu de modelo a "Native Speaker", a notável estreia do grupo canadiano. Raphaelle gosta dos paralelos entre os dois grupos e tem um prazer adolescente em rever-se na amizade e na formação em tempo pré-universitário comuns aos dois grupos. Mas, para Raphaelle, a marca dos Animal Collective está muito para lá da sua quintinha, e vê o grupo como "inspirador de um movimento dos micro-samples, sobretudo no mundo indie rock, uma vez que são pioneiros deste som pop-electrónica-indie". O que contraria a tese de Panda Bear de que são os jornalistas e não os músicos a alimentar uma ideia de influência que, acredita, 98 por cento das bandas recusaria.

Mark Richardson vê em gente como Blind Man"s Colour ou Our Brother the Native uma descendência evidente, mas revela que, por trás de muita gente que não admite essa referência primordial, "existe toda uma abordagem ao som no indie rock actual cujo rasto nos leva até aos Animal Collective". Avey Tare não ouviu ainda vezes suficientes o nome da banda na boca dos outros para perder a calma. Prefere afirmar-se "feliz com a ideia de motivar alguém a ser criativo".

"Por vezes ouvi coisas que me soaram aos Animal Collective", reconhece o músico. "Mas não parto do princípio de que uma banda ouviu a nossa música. Penso que encontrámos uma forma pessoal de abordar a escrita de canções". E nesta declaração de Tare encontra-se, muito possivelmente, a grande armadilha que representa plasmar este modelo. "Espero que essa influência evolua para se tornar mais vísível ao nível do espírito exploratório do que da emulação de uma sonoridade específica", diz-nos Richardson. "Eles criaram um impacto tão grande exactamente por fazerem algo de diferente e não por soarem como outros grupos, por isso as bandas que quiserem soar como eles estarão a falhar tudo aquilo que é mais essencial aos Animal Collective".

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Eles estão por todo o lado. Desde a edição de "Feels", em 2005, os Animal Collective foram povoando cada vez mais a música alheia. Para o mundo dito indie, não os citar hoje como influência é uma grosseira falha no currículo. Avey Tare, Mark Richardson ?(Pitchfork) e os BRAIDS ajudam-nos a perceber o que se passa. Gonçalo Frota

Deve ser chato. Não há músico que não deseje, de alguma forma, mudar o mundo e ficar para a História, mas isso não quer dizer que esteja preparado para o momento em que o mundo faz a trouxa, pendura às costas uns mantimentos básicos e resolve segui-lo como se fosse um profeta. Quando cada nova música parece vir empoleirada numa carga messiânica é fácil achar que já se foi longe de mais. Mas negar que os Animal Collective são hoje o padrão para muita da nova música - e da mais interessante - que se vai fazendo planeta fora é tão inglório e inútil quanto tentar esconder um elefante atrás de um poste de electricidade. Austin, baterista dos BRAIDS - banda a que a revista "Les Inrockuptibles" chama "os dignos herdeiros dos Animal Collective" - acha, exageradamente ou não, que ser hoje influenciado pela banda de Avey Tare e Panda Bear é tão normal quanto, há uns anos, criar com o alto patrocínio dos Beatles.

Avey Tare e Panda Bear tentam disfarçar o peso que a sua banda tem na música actual, mas a verdade é que já não há como escapar-lhe. Até porque está fora das suas mãos. Na semana passada, Diplo, colaborador habitual de M.I.A., veio a público revelar que o novo disco da cingalesa é um cruzamento entre Gucci Mane e os Animal Collective. Mas, aparentemente - e segundo nos diz Avey Tare -, ainda nenhuma estrela pop pegou no telefone para os convencer a compor para terceiros. Se bem que a notícia surgida há dias de que Panda Bear deverá participar no novo dos Daft Punk convide à reflexão. Ainda assim, e apesar de o último álbum, "Merriweather Post Pavillion" ter alcançado o 13.º lugar do top norte-americano, Tare garante que nunca se sentiram engolidos pelo "mainstream". O sucesso, acrescenta, mede-se de outra forma: "Quando nos sentimos excitados e continuamos intrigados com a música que fizemos e que estamos a fazer. Acho que se mantiver esse espanto e esse interesse posso sentir que, de alguma forma, estarei a progredir ao mesmo tempo".

"Do-it-yourself"

Para alguns, a influência dos Animal Collective sente-se mais no seu espírito experimentalista em relação à canção pop do que em termos estritamente musicais. É essa a opinião de Mark Richardson, editor do site Pitchfork e seguidor atento do grupo de Baltimore desde o lançamento de "Here Comes the Indian", em 2003. Nessa altura, ao tomar contacto com o grupo, Richardson pasmou com "uma mistura de elementos que não pareciam fazer sentido juntos mas que acabavam por resultar bastante bem - havia passagens no disco que eram muito duras e assustadoras, outras que eram etéreas e belas, partes que eram inocentes e infantis e outras que soavam ameaçadoras e algo violentas". Essa relação de forças e de contrários, continua a reconhecê-la em tudo quanto fizeram até hoje, com a diferença de se terem progressivamente aproximado mais da estrutura de canção pop.

Surpreendido pela forma como esta sonoridade contaminou de forma tão abrangente e consistente a produção actual, Richardson acredita que em 2004 ou 2005 teria sido quase impossível prever tal fenómeno, dado tratar-se de uma sonoridade "tão distinta e singular". "Penso que se tornaram influentes em parte por funcionarem num espírito punk, "do-it-yourself", que desafia as pessoas a criarem a sua própria versão. Se tiveres um computador e curiosidade pelo som, podes experimentar e criar uma sonoridade na mesma linha dos Animal Collective". Mas essa sonoridade parece ter uma fórmula reconhecível: arpejos de teclados imitadores de sons subaquáticos, baterias tribais tocadas no fundo de um poço, melodias pop perdidas no tempo e a pairar por cima de uma música que, apesar de perfeitamente discernível, tende a reclamar sempre uma dose cavalar de abstracção.

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Da emulação à exploração

No caso dos BRAIDS, por exemplo, tudo começou com a descoberta de "Feels" ainda em tempo de liceu. "Foi uma revolução. É um disco tão denso que à centésima audição ainda descobrimos uma nova guitarra e ficamos novamente excitados - é um disco muito vivo", diz-nos a vocalista Raphaelle Standell-Preston. "Feels" serviu de modelo a "Native Speaker", a notável estreia do grupo canadiano. Raphaelle gosta dos paralelos entre os dois grupos e tem um prazer adolescente em rever-se na amizade e na formação em tempo pré-universitário comuns aos dois grupos. Mas, para Raphaelle, a marca dos Animal Collective está muito para lá da sua quintinha, e vê o grupo como "inspirador de um movimento dos micro-samples, sobretudo no mundo indie rock, uma vez que são pioneiros deste som pop-electrónica-indie". O que contraria a tese de Panda Bear de que são os jornalistas e não os músicos a alimentar uma ideia de influência que, acredita, 98 por cento das bandas recusaria.

Mark Richardson vê em gente como Blind Man"s Colour ou Our Brother the Native uma descendência evidente, mas revela que, por trás de muita gente que não admite essa referência primordial, "existe toda uma abordagem ao som no indie rock actual cujo rasto nos leva até aos Animal Collective". Avey Tare não ouviu ainda vezes suficientes o nome da banda na boca dos outros para perder a calma. Prefere afirmar-se "feliz com a ideia de motivar alguém a ser criativo".

"Por vezes ouvi coisas que me soaram aos Animal Collective", reconhece o músico. "Mas não parto do princípio de que uma banda ouviu a nossa música. Penso que encontrámos uma forma pessoal de abordar a escrita de canções". E nesta declaração de Tare encontra-se, muito possivelmente, a grande armadilha que representa plasmar este modelo. "Espero que essa influência evolua para se tornar mais vísível ao nível do espírito exploratório do que da emulação de uma sonoridade específica", diz-nos Richardson. "Eles criaram um impacto tão grande exactamente por fazerem algo de diferente e não por soarem como outros grupos, por isso as bandas que quiserem soar como eles estarão a falhar tudo aquilo que é mais essencial aos Animal Collective".

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