Sexta-feira, 5 de Outubro. Na falta de peixe grelhado, almoçava eu, no centro de Angra, um muito continental bacalhau à Zé do Pipo, deixando-me embalar distraidamente pelo som nervoso do telejornal, quando percebi que a notícia tinha a ver connosco, moradores ou visitantes da ilha. Tempestade ameaça os Açores: ondas alterosas, ventos desatados e chuva torrencial atingem o grupo central do arquipélago. Você nem imagina o perigo que corre. Fique aí assustado, que nós voltamos logo após a publicidade. Concedo que os termos exactos não foram esses, mas a ideia foi. O mínimo que se esperaria ver depois do intervalo era um directo com um intrépido repórter sacudido pelo vento e fustigado pela chuva, rodeado por bravos mirones acenando para a câmara. Nada disso veio: enquanto permaneci no restaurante, o assunto tempestade nos Açores não regressou ao telejornal.Tinha reservado a tarde para uma excursão ao interior da ilha. Deveria desistir dela? O dia não parecia feio, mas sabe-se como o tempo nas ilhas é instável. Por outro lado, das três ameaças que a Natureza nos reservava, eu estaria, no interior, mais a salvo de pelo menos uma delas: a das ondas alterosas. Que viessem pois a chuva e o vento, e eis-me de abalada para a Lagoa das Patas, que fica a uma altitude de 600 metros na metade ocidental da ilha, a cerca de 15 quilómetros de Angra. Como não queria caminhar duas vezes essa distância, tomei um táxi até lá. O regresso, quase sempre a descer, foi feito a pé. E muito agradável teria sido ele, não fosse a chuva: uma chuva intermitente, a mesma de todos os dias na parte alta da ilha, e não a chuva da tempestade que afinal não chegou.A Lagoa das Patas, com o seu manto de nenúfares, compõe um cenário de sossego idílico, a que não faltam os bancos a convidar ao repouso; o verde-escuro da cortina cerrada de criptomérias (Cryptomeria japonica) é quebrado por algumas árvores ornamentais: plátanos, salgueiros, choupos brancos. Há ainda um recinto infantil e um parque de merendas onde sobressai uma curiosa construção em forma octogonal, só colunas e telhado. O leito de uma ribeira inexplicavelmente seca serpenteia pelo parque antes de atravessar a estrada por onde vim e por onde hei-de regressar. São ainda as criptomérias que se erguem como um muro verde de cada lado da estrada.Por muitos benefícios que a plantação intensiva desta conífera asiática tenha trazido à economia e à paisagem açorianas, é óbvio que algo está errado com o Parque Florestal da Lagoa das Patas. Tirando as árvores em redor do lago e alguns poucos amieiros ao longo da ribeira, a diversidade é nula: só há criptomérias. O substracto arbustivo é inexistente; a vegetação rasteira está reduzida a musgos e fetos; não há qualquer vestígio da flora autóctone.Como explica o livro Açores e Madeira - a floresta das ilhas (vol. 6 da colecção Árvores e Florestas de Portugal, do Público / LPN), ainda sobrevivem na ilha Terceira algumas manchas de floresta autóctone. Não me queixo de serem quase inacessíveis, pois terá sido graças a isso que foram poupadas. Mas era bom que em lugares como a Lagoa das Patas, que já não são de produção florestal, se reintroduzisse gradualmente a floresta própria das ilhas.Cryptomeria japonica
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Sexta-feira, 5 de Outubro. Na falta de peixe grelhado, almoçava eu, no centro de Angra, um muito continental bacalhau à Zé do Pipo, deixando-me embalar distraidamente pelo som nervoso do telejornal, quando percebi que a notícia tinha a ver connosco, moradores ou visitantes da ilha. Tempestade ameaça os Açores: ondas alterosas, ventos desatados e chuva torrencial atingem o grupo central do arquipélago. Você nem imagina o perigo que corre. Fique aí assustado, que nós voltamos logo após a publicidade. Concedo que os termos exactos não foram esses, mas a ideia foi. O mínimo que se esperaria ver depois do intervalo era um directo com um intrépido repórter sacudido pelo vento e fustigado pela chuva, rodeado por bravos mirones acenando para a câmara. Nada disso veio: enquanto permaneci no restaurante, o assunto tempestade nos Açores não regressou ao telejornal.Tinha reservado a tarde para uma excursão ao interior da ilha. Deveria desistir dela? O dia não parecia feio, mas sabe-se como o tempo nas ilhas é instável. Por outro lado, das três ameaças que a Natureza nos reservava, eu estaria, no interior, mais a salvo de pelo menos uma delas: a das ondas alterosas. Que viessem pois a chuva e o vento, e eis-me de abalada para a Lagoa das Patas, que fica a uma altitude de 600 metros na metade ocidental da ilha, a cerca de 15 quilómetros de Angra. Como não queria caminhar duas vezes essa distância, tomei um táxi até lá. O regresso, quase sempre a descer, foi feito a pé. E muito agradável teria sido ele, não fosse a chuva: uma chuva intermitente, a mesma de todos os dias na parte alta da ilha, e não a chuva da tempestade que afinal não chegou.A Lagoa das Patas, com o seu manto de nenúfares, compõe um cenário de sossego idílico, a que não faltam os bancos a convidar ao repouso; o verde-escuro da cortina cerrada de criptomérias (Cryptomeria japonica) é quebrado por algumas árvores ornamentais: plátanos, salgueiros, choupos brancos. Há ainda um recinto infantil e um parque de merendas onde sobressai uma curiosa construção em forma octogonal, só colunas e telhado. O leito de uma ribeira inexplicavelmente seca serpenteia pelo parque antes de atravessar a estrada por onde vim e por onde hei-de regressar. São ainda as criptomérias que se erguem como um muro verde de cada lado da estrada.Por muitos benefícios que a plantação intensiva desta conífera asiática tenha trazido à economia e à paisagem açorianas, é óbvio que algo está errado com o Parque Florestal da Lagoa das Patas. Tirando as árvores em redor do lago e alguns poucos amieiros ao longo da ribeira, a diversidade é nula: só há criptomérias. O substracto arbustivo é inexistente; a vegetação rasteira está reduzida a musgos e fetos; não há qualquer vestígio da flora autóctone.Como explica o livro Açores e Madeira - a floresta das ilhas (vol. 6 da colecção Árvores e Florestas de Portugal, do Público / LPN), ainda sobrevivem na ilha Terceira algumas manchas de floresta autóctone. Não me queixo de serem quase inacessíveis, pois terá sido graças a isso que foram poupadas. Mas era bom que em lugares como a Lagoa das Patas, que já não são de produção florestal, se reintroduzisse gradualmente a floresta própria das ilhas.Cryptomeria japonica