Dias com árvores: Cilada taxonómica

20-05-2011
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Scilla ramburei Boiss.

O erro de um especialista pode levar ao registo de uma nova espécie que é de facto indistinguível de outra já anteriormente baptizada. O erro de um amador, por contraste, só confirma a inépcia do sapateiro que quer subir acima da chinela. Amador e especialista têm portanto que adoptar comportamentos distintos: o primeiro só arrisca uma opinião depois de muito ponderar; o segundo esbanja opiniões e faz currículo com elas.

É por causa desta profusão de opiniões desencontradas que alguns géneros botânicos se transformam num campo minado para quem gosta de certezas. Que as cilas (género Scilla) são uma verdadeira cilada para o naturalista amador sabíamos nós há muito tempo. Até hoje conseguimos evitá-la, mas estas fotos esperaram já um ano para sair do baú. Ou erramos, ou não falamos mais de cilas. Erremos, pois.

A cila-de-uma-folha é de tal modo comum em bosques e matagais no início da Primavera que por vezes nem lhe prestamos atenção. Com esse alheamento perdemos a oportunidade de detectar variações interessantes. Algumas cilas também primaveris mas com o escapo floral mais espigado têm não uma, mas cinco ou seis folhas. São sem dúvida de uma espécie diferente, mas que espécie será essa? Talvez Scilla ramburei - pelo menos assim julgamos das plantas aí em cima, fotografadas nas margens do rio Ferreira, em Valongo.

Acontece que, no norte de Portugal e na Galiza, foram registadas pelo menos seis espécies de Scilla com caracteres morfológicos semelhantes: S. ramburei, S. verna, S. beirana, S. odorata, S. merinoi e S. paui. A delimitação entre as diversas espécies é controversa, e já houve quem apontasse que alguns destes nomes são na verdade sinónimos. Tanto quanto pudemos entender, S. beirana e S. ramburei designam a mesma espécie, que inclui plantas geralmente mais encorpadas do que a S. verna e a S. odorata. Mas mesmo esse traço distintivo não é seguro, pois uma mesma planta crescendo em solos ricos e húmidos desenvolve-se melhor do que em lugares áridos.

A Scilla é pois um género a carecer de urgente clarificação, tarefa que talvez a Flora Ibérica venha a cumprir. Mas as incertezas taxonómicas não nos devem impedir de admirar tais plantas.

Adenda. Sobre a taxonomia e morfologia do género Scilla e de outros géneros aparentados (Hyacinthoides e Ornithogalum), leia-se o extenso e educativo comentário que o Prof. Rubim Almeida, da Faculdade de Ciências do Porto, teve a amabilidade de deixar neste outro post.

Scilla ramburei Boiss.

O erro de um especialista pode levar ao registo de uma nova espécie que é de facto indistinguível de outra já anteriormente baptizada. O erro de um amador, por contraste, só confirma a inépcia do sapateiro que quer subir acima da chinela. Amador e especialista têm portanto que adoptar comportamentos distintos: o primeiro só arrisca uma opinião depois de muito ponderar; o segundo esbanja opiniões e faz currículo com elas.

É por causa desta profusão de opiniões desencontradas que alguns géneros botânicos se transformam num campo minado para quem gosta de certezas. Que as cilas (género Scilla) são uma verdadeira cilada para o naturalista amador sabíamos nós há muito tempo. Até hoje conseguimos evitá-la, mas estas fotos esperaram já um ano para sair do baú. Ou erramos, ou não falamos mais de cilas. Erremos, pois.

A cila-de-uma-folha é de tal modo comum em bosques e matagais no início da Primavera que por vezes nem lhe prestamos atenção. Com esse alheamento perdemos a oportunidade de detectar variações interessantes. Algumas cilas também primaveris mas com o escapo floral mais espigado têm não uma, mas cinco ou seis folhas. São sem dúvida de uma espécie diferente, mas que espécie será essa? Talvez Scilla ramburei - pelo menos assim julgamos das plantas aí em cima, fotografadas nas margens do rio Ferreira, em Valongo.

Acontece que, no norte de Portugal e na Galiza, foram registadas pelo menos seis espécies de Scilla com caracteres morfológicos semelhantes: S. ramburei, S. verna, S. beirana, S. odorata, S. merinoi e S. paui. A delimitação entre as diversas espécies é controversa, e já houve quem apontasse que alguns destes nomes são na verdade sinónimos. Tanto quanto pudemos entender, S. beirana e S. ramburei designam a mesma espécie, que inclui plantas geralmente mais encorpadas do que a S. verna e a S. odorata. Mas mesmo esse traço distintivo não é seguro, pois uma mesma planta crescendo em solos ricos e húmidos desenvolve-se melhor do que em lugares áridos.

A Scilla é pois um género a carecer de urgente clarificação, tarefa que talvez a Flora Ibérica venha a cumprir. Mas as incertezas taxonómicas não nos devem impedir de admirar tais plantas.

Adenda. Sobre a taxonomia e morfologia do género Scilla e de outros géneros aparentados (Hyacinthoides e Ornithogalum), leia-se o extenso e educativo comentário que o Prof. Rubim Almeida, da Faculdade de Ciências do Porto, teve a amabilidade de deixar neste outro post.

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