A Cinco Tons: A virgindade do olhar

27-01-2011
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"Finalmente hoje é lançada uma grande obra de um grande escritor, coisa que há muito não acontecia em Portugal!".Quando esta manhã entrei na redacção e larguei esta bojarda, foi como se tivesse atirado à fogueira um caixote cheio de cocktails molotov.A RTP N mostrava uma resenha da entrevista de Saramago, na noite anterior, e houve logo gente a torcer-se na cadeira com a minha afirmação. "O que queres dizer com isso?", atirou o mais afoito, com um olhar desconfiado. Pronto para a luta justifiquei que o dia era de lançamento do novo livro de Lobo Antunes, em suma, "uma grande obra de um grande escritor"."Mas ontem Saramago...", ia começar a atirar a colega da sala oval, quando a interrompi bruscamente: "É precisamente isso que estou a dizer. Muitas açordas terá Saramago de enfiar pela goela para escrever um romance à dimensão de Lobo Antunes".O incêndio foi grande e eu pirei-me a tempo de não sair chamuscado.Não tenho conhecimentos de literatura que me permitam fazer apreciações técnicas, recensões ou críticas sobre este ou aquele livro, este ou aquele escritor. Deixo isso para o Luis Serra, mestre nesse ofício.Os livros são parte fundamental da minha vida. Há os que gosto. Os que não gosto. Os que por mais qualidade, prémios e loas a quem os escreveu eu abomino. Há também aqueles de escritores que, embora conceituados, pelo simples facto de os conhecer ou ter conhecido, jamais (palavra perigosa, esta) lerei uma letra que tenham impresso numa página branca.Para mim, como acho para o comum cidadão que gosta de ler e mais conhecimentos não tem, os livros são arte pura e há-os de dois tipos: os bons - os que gosto - e os maus - os que não gosto.Parafraseando um velho amigo, "Resumindo e baralhando" atiro: Saramago nunca me seduziu, apesar das grandes ideias que tem. Ver a Península como uma grande jangada Atlântico fora. Pensar no decreto inibidor da morte. Imaginar a sociedade cega - como está -, são fabulosas ideias para desenvolcer romances. E embora tenha gostado bastante do Ensaio sobre a Cegueira - tenho curiosidade em ver o filme -, a verdade é que Saramago não está entre os meus favoritos.Lobo Antunes é maior! No romance. Na densidade da escrita. Na profusão das ideias. No contágio das palavras. Na ternura. Na amargura. Na rispidez.Com isto, longe de mim, vir para aqui cheio de considerações técnicas sobre isto ou aquilo que distingue a escrita de Saramago e de Lobo Antunes. "Deus me livre", digo eu, profundo ateu.Mas há uma coisa onde sinto a diferença entre um e outro.No estilo belicoso e irritante de Saramago e na "virgindade do olhar" de Lobo Antunes.E digo com conhecimento de causa que é muito mais difícil entrevistar Antunes que Saramago, embora nas entrevistas a Judite de Sousa possa não passar essa ideia.Esta prosa toda para dizer que embora pela minha condição acima fixada alinhe facilmente no discurso de Saramago sobre a Bíblia e mande às urtigas sem nenhum pejo o senhor Mário - aquele do Parlamento da Europa que se envergonha de ser compatriota do escritor -, me irrita cada vez mais o tom e a forma como Saramago põe as coisas, o tom em que as diz, a sobranceria assinada a cada afirmação, a arrogância com que afronta quem o confronta nem que seja com uma simples pergunta, como foi o caso.Um amigo ligou para me dizer no final da entrevista "o Saramago dizimou a Judite" - "bardamerda", respondi-lhe, "parecia o Sócrates, mas esse andava à cata de votos!".Prefiro a doçura das palavras de Lobo Antunes e aquela "virgindade no olhar" de que falou no final da entrevista de hoje.


"Finalmente hoje é lançada uma grande obra de um grande escritor, coisa que há muito não acontecia em Portugal!".Quando esta manhã entrei na redacção e larguei esta bojarda, foi como se tivesse atirado à fogueira um caixote cheio de cocktails molotov.A RTP N mostrava uma resenha da entrevista de Saramago, na noite anterior, e houve logo gente a torcer-se na cadeira com a minha afirmação. "O que queres dizer com isso?", atirou o mais afoito, com um olhar desconfiado. Pronto para a luta justifiquei que o dia era de lançamento do novo livro de Lobo Antunes, em suma, "uma grande obra de um grande escritor"."Mas ontem Saramago...", ia começar a atirar a colega da sala oval, quando a interrompi bruscamente: "É precisamente isso que estou a dizer. Muitas açordas terá Saramago de enfiar pela goela para escrever um romance à dimensão de Lobo Antunes".O incêndio foi grande e eu pirei-me a tempo de não sair chamuscado.Não tenho conhecimentos de literatura que me permitam fazer apreciações técnicas, recensões ou críticas sobre este ou aquele livro, este ou aquele escritor. Deixo isso para o Luis Serra, mestre nesse ofício.Os livros são parte fundamental da minha vida. Há os que gosto. Os que não gosto. Os que por mais qualidade, prémios e loas a quem os escreveu eu abomino. Há também aqueles de escritores que, embora conceituados, pelo simples facto de os conhecer ou ter conhecido, jamais (palavra perigosa, esta) lerei uma letra que tenham impresso numa página branca.Para mim, como acho para o comum cidadão que gosta de ler e mais conhecimentos não tem, os livros são arte pura e há-os de dois tipos: os bons - os que gosto - e os maus - os que não gosto.Parafraseando um velho amigo, "Resumindo e baralhando" atiro: Saramago nunca me seduziu, apesar das grandes ideias que tem. Ver a Península como uma grande jangada Atlântico fora. Pensar no decreto inibidor da morte. Imaginar a sociedade cega - como está -, são fabulosas ideias para desenvolcer romances. E embora tenha gostado bastante do Ensaio sobre a Cegueira - tenho curiosidade em ver o filme -, a verdade é que Saramago não está entre os meus favoritos.Lobo Antunes é maior! No romance. Na densidade da escrita. Na profusão das ideias. No contágio das palavras. Na ternura. Na amargura. Na rispidez.Com isto, longe de mim, vir para aqui cheio de considerações técnicas sobre isto ou aquilo que distingue a escrita de Saramago e de Lobo Antunes. "Deus me livre", digo eu, profundo ateu.Mas há uma coisa onde sinto a diferença entre um e outro.No estilo belicoso e irritante de Saramago e na "virgindade do olhar" de Lobo Antunes.E digo com conhecimento de causa que é muito mais difícil entrevistar Antunes que Saramago, embora nas entrevistas a Judite de Sousa possa não passar essa ideia.Esta prosa toda para dizer que embora pela minha condição acima fixada alinhe facilmente no discurso de Saramago sobre a Bíblia e mande às urtigas sem nenhum pejo o senhor Mário - aquele do Parlamento da Europa que se envergonha de ser compatriota do escritor -, me irrita cada vez mais o tom e a forma como Saramago põe as coisas, o tom em que as diz, a sobranceria assinada a cada afirmação, a arrogância com que afronta quem o confronta nem que seja com uma simples pergunta, como foi o caso.Um amigo ligou para me dizer no final da entrevista "o Saramago dizimou a Judite" - "bardamerda", respondi-lhe, "parecia o Sócrates, mas esse andava à cata de votos!".Prefiro a doçura das palavras de Lobo Antunes e aquela "virgindade no olhar" de que falou no final da entrevista de hoje.

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