Mais Évora: A fuga das multinacionais...

23-12-2009
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A revista DIA D, do PÚBLICO, apresenta hoje como tema principal, uma detalhada análise sobre as razões da fuga das multinacionais de Portugal, salientando que, nos últimos 25 anos, mais de 25 multinacionais fecharam ou anunciaram o fecho de unidades. Sem dúvida um tema actual e inquietante. E, se o assunto, em geral, já é deveras preocupante, ainda mais se torna quando se destaca a TYCO ELECTRONICS, como uma das multinacionais que apresenta sintomas dúbios quanto à sua continuidade.É certo que noutras ocasiões também já se alvitrou a hipótese de encerramento, tendo sido encontrada sempre uma solução satisfatória para as partes envolvidas. Façamos votos para que, também agora, não passem de meros rumores ou hipóteses académicas e que a fábrica se mantenha a laborar. Em primeiro lugar pelo futuro daqueles que seriam mais duramente atingidos: os trabalhadores; em segundo pelo futuro da Cidade, visto que um golpe de tal envergadura provocaria um sério enfraquecimento na vitalidade económica da cidade e da região, de muito difícil recuperação.Mas vejamos o que se diz na revista.TYCO ELECTRONICS ÉVORASintomas à vistaPor todo o país, há multinacionais que com sérias dúvidas em relação à sua continuidade em solo nacional. Instalada desde 1969 no parque industrial de Évora, a TYCO ELECTRONICS é um dos exemplos. A fraca aposta nos recursos humanos, a precariedade do trabalho, a frágil relação com os sindicatos da região e a falta de acompanhamento do Governo, são sinais claros de mais um final infeliz para o investimento estrangeiro em Portugal.O grupo norte-americano adquiriu a divisão de componentes electromecânicos da SIEMENS em 1999, e, actualmente, emprega cerca de 1400 pessoas. Dedica-se maioritariamente ao fabrico de relés para a indústria automóvel, uma das áreas que mais baixas tem sofrido com a vaga de deslocalizações dos últimos tempos. Mas João Piteira, director financeiro da empresa, afasta qualquer hipótese de encerramento. “Desde 2006 que assistimos à reposição dos níveis de procura e de investimento do grupo”, afirma. A ameaça da China, país onde a TYCO ELECTRONICS detém outra fábrica de produção de relés, é uma realidade diária. Em 2004, a unidade portuguesa perdeu algumas linhas de produção para esse destino, mas João Piteira tem tentado combater esta “tendência inevitável” com a especialização e autonomia das instalações de Évora face ao grupo. “Somos a única fábrica que produz este tipo de componentes para a Europa, temos know-how e compramos e tratamos a matéria-prima cá dentro”, sublinha. Entre 2006 e 2007, foram investidos 20 milhões de euros no aparelho produtivo da fábrica e João Piteira espera que a aposta do grupo “se mantenha a este ritmo”, embora “não haja garantias”.Maria Manuel Serrano, professora da Universidade de Évora, já estuda a TYCO desde 2004, no âmbito de uma tese de doutoramento sobre políticas de recursos humanos. Para a docente, “há um certo medo no ar e a deslocalização para a China é percepcionada como real”. A mensagem de reforço da produtividade é passada aos trabalhadores “com uma certa pressão” e "há um desinvestimento nas pessoas”, refere. Apesar de a empresa se apresentar como uma escola de formação, Maria Manuel Serrano concluiu, a partir de conversas com os trabalhadores e com a União dos Sindicatos de Évora, que, “além de recrutarem pessoas com baixas qualificações, têm um processo de integração pouco satisfatório e não cumprem as 35 horas de formação anuais impostas por lei”, a não ser para níveis hierárquicos superiores.No caso de encerramento e deslocalização desta multinacional, o prejuízo não vai ficar pelo despedimento dos trabalhadores. Em redor da fábrica, foi surgindo um conjunto de empresas de capital nacional cuja sobrevivência depende da actividade da TYCO, “São perto de 500 pessoas que trabalham, algumas em regime de exclusividade, para a satisfazer os pedidos desta multinacional e que vão ter de fechar portas se esta ameaça se concretizar”, acrescenta Maria Manuel Serrano. Até agora a docente não viu qualquer preocupação por parte do governo. “muitas vezes só quando o anúncio de encerramento chega é que actuam e, como ainda é só um cenário provável, ninguém faz nada para inverter o problema”, alerta.Rogério Silva, da União dos Sindicatos de Évora, tem tentado estabelecer uma ponte com a empresa. Não acredita que a ameaça de deslocalização seja real a médio prazo, mas avança que na TYCO existe “um clima de repressão dos trabalhadores inaceitável” e uma postura de gestão face ao operariado própria do século XIX. A instabilidade gerada dentro da empresa e a ênfase nos custos, em detrimento da aposta na qualificação e no conhecimento, fragilizam a sustentabilidade da presença desta multinacional norte-americana em Portugal.Relação frágilJoão Salgueiro (nome fictício) entrou na TYCO há quatro anos e meio e é um dos operadores de máquinas das linhas de montagem de relés. Nos corredores da empresa, “não se fala do encerramento da fábrica”, mas “há cada vez mais medo da produtividade da China”, conta. No primeiro ano de trabalho, assistiu, em conjunto com os restantes funcionários, a um vídeo de sensibilização encomendado pelo grupo norte-americano. “Era um alerta para nós. Dizia que se não trabalhássemos mais, a fábrica fecharia em 2010, mas até têm anunciado grandes investimentos e vão construir um novo pavilhão de produção este ano”, afirma.O discurso das chefias é “produzir, trabalhar, fazer mais esforço” e “há muito mais pressão do que antes”, diz. Mas as contrapartidas escasseiam. “Há muito menos prémios de produção porque os objectivos subiram e estou com problemas com o meu contrato, porque sigo por uma convenção colectiva de trabalho que eles não aceitam”, explica. Ganha 470 euros por mês e, desde que chegou à empresa, alega que não teve direito a uma única hora de formação. “Os meus conhecimentos não vão além do que aprendo especificamente para executar esta função e mesmo essa aprendizagem foi-me passada por um colega e não por um formador especializado. Somos tratados como analfabetos e estamos aqui só para carregar num botão”, lamenta. Na eventualidade de encerramento da fábrica, este problema ganha outras proporções. Sem formação complementar e na ausência de unidades fabris na região, João Salgueiro, agora com 30 anos vê a sua empregabilidade reduzida e teme “cair no desemprego e não encontrar nenhuma solução”, termina.in DIA D, do PÚBLICO [link indisponível]19 Janeiro 2007

A revista DIA D, do PÚBLICO, apresenta hoje como tema principal, uma detalhada análise sobre as razões da fuga das multinacionais de Portugal, salientando que, nos últimos 25 anos, mais de 25 multinacionais fecharam ou anunciaram o fecho de unidades. Sem dúvida um tema actual e inquietante. E, se o assunto, em geral, já é deveras preocupante, ainda mais se torna quando se destaca a TYCO ELECTRONICS, como uma das multinacionais que apresenta sintomas dúbios quanto à sua continuidade.É certo que noutras ocasiões também já se alvitrou a hipótese de encerramento, tendo sido encontrada sempre uma solução satisfatória para as partes envolvidas. Façamos votos para que, também agora, não passem de meros rumores ou hipóteses académicas e que a fábrica se mantenha a laborar. Em primeiro lugar pelo futuro daqueles que seriam mais duramente atingidos: os trabalhadores; em segundo pelo futuro da Cidade, visto que um golpe de tal envergadura provocaria um sério enfraquecimento na vitalidade económica da cidade e da região, de muito difícil recuperação.Mas vejamos o que se diz na revista.TYCO ELECTRONICS ÉVORASintomas à vistaPor todo o país, há multinacionais que com sérias dúvidas em relação à sua continuidade em solo nacional. Instalada desde 1969 no parque industrial de Évora, a TYCO ELECTRONICS é um dos exemplos. A fraca aposta nos recursos humanos, a precariedade do trabalho, a frágil relação com os sindicatos da região e a falta de acompanhamento do Governo, são sinais claros de mais um final infeliz para o investimento estrangeiro em Portugal.O grupo norte-americano adquiriu a divisão de componentes electromecânicos da SIEMENS em 1999, e, actualmente, emprega cerca de 1400 pessoas. Dedica-se maioritariamente ao fabrico de relés para a indústria automóvel, uma das áreas que mais baixas tem sofrido com a vaga de deslocalizações dos últimos tempos. Mas João Piteira, director financeiro da empresa, afasta qualquer hipótese de encerramento. “Desde 2006 que assistimos à reposição dos níveis de procura e de investimento do grupo”, afirma. A ameaça da China, país onde a TYCO ELECTRONICS detém outra fábrica de produção de relés, é uma realidade diária. Em 2004, a unidade portuguesa perdeu algumas linhas de produção para esse destino, mas João Piteira tem tentado combater esta “tendência inevitável” com a especialização e autonomia das instalações de Évora face ao grupo. “Somos a única fábrica que produz este tipo de componentes para a Europa, temos know-how e compramos e tratamos a matéria-prima cá dentro”, sublinha. Entre 2006 e 2007, foram investidos 20 milhões de euros no aparelho produtivo da fábrica e João Piteira espera que a aposta do grupo “se mantenha a este ritmo”, embora “não haja garantias”.Maria Manuel Serrano, professora da Universidade de Évora, já estuda a TYCO desde 2004, no âmbito de uma tese de doutoramento sobre políticas de recursos humanos. Para a docente, “há um certo medo no ar e a deslocalização para a China é percepcionada como real”. A mensagem de reforço da produtividade é passada aos trabalhadores “com uma certa pressão” e "há um desinvestimento nas pessoas”, refere. Apesar de a empresa se apresentar como uma escola de formação, Maria Manuel Serrano concluiu, a partir de conversas com os trabalhadores e com a União dos Sindicatos de Évora, que, “além de recrutarem pessoas com baixas qualificações, têm um processo de integração pouco satisfatório e não cumprem as 35 horas de formação anuais impostas por lei”, a não ser para níveis hierárquicos superiores.No caso de encerramento e deslocalização desta multinacional, o prejuízo não vai ficar pelo despedimento dos trabalhadores. Em redor da fábrica, foi surgindo um conjunto de empresas de capital nacional cuja sobrevivência depende da actividade da TYCO, “São perto de 500 pessoas que trabalham, algumas em regime de exclusividade, para a satisfazer os pedidos desta multinacional e que vão ter de fechar portas se esta ameaça se concretizar”, acrescenta Maria Manuel Serrano. Até agora a docente não viu qualquer preocupação por parte do governo. “muitas vezes só quando o anúncio de encerramento chega é que actuam e, como ainda é só um cenário provável, ninguém faz nada para inverter o problema”, alerta.Rogério Silva, da União dos Sindicatos de Évora, tem tentado estabelecer uma ponte com a empresa. Não acredita que a ameaça de deslocalização seja real a médio prazo, mas avança que na TYCO existe “um clima de repressão dos trabalhadores inaceitável” e uma postura de gestão face ao operariado própria do século XIX. A instabilidade gerada dentro da empresa e a ênfase nos custos, em detrimento da aposta na qualificação e no conhecimento, fragilizam a sustentabilidade da presença desta multinacional norte-americana em Portugal.Relação frágilJoão Salgueiro (nome fictício) entrou na TYCO há quatro anos e meio e é um dos operadores de máquinas das linhas de montagem de relés. Nos corredores da empresa, “não se fala do encerramento da fábrica”, mas “há cada vez mais medo da produtividade da China”, conta. No primeiro ano de trabalho, assistiu, em conjunto com os restantes funcionários, a um vídeo de sensibilização encomendado pelo grupo norte-americano. “Era um alerta para nós. Dizia que se não trabalhássemos mais, a fábrica fecharia em 2010, mas até têm anunciado grandes investimentos e vão construir um novo pavilhão de produção este ano”, afirma.O discurso das chefias é “produzir, trabalhar, fazer mais esforço” e “há muito mais pressão do que antes”, diz. Mas as contrapartidas escasseiam. “Há muito menos prémios de produção porque os objectivos subiram e estou com problemas com o meu contrato, porque sigo por uma convenção colectiva de trabalho que eles não aceitam”, explica. Ganha 470 euros por mês e, desde que chegou à empresa, alega que não teve direito a uma única hora de formação. “Os meus conhecimentos não vão além do que aprendo especificamente para executar esta função e mesmo essa aprendizagem foi-me passada por um colega e não por um formador especializado. Somos tratados como analfabetos e estamos aqui só para carregar num botão”, lamenta. Na eventualidade de encerramento da fábrica, este problema ganha outras proporções. Sem formação complementar e na ausência de unidades fabris na região, João Salgueiro, agora com 30 anos vê a sua empregabilidade reduzida e teme “cair no desemprego e não encontrar nenhuma solução”, termina.in DIA D, do PÚBLICO [link indisponível]19 Janeiro 2007

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