Profissão: mãe

18-04-2011
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Profissão: mãe

por Ana Cristina Gomes. Fotografia de Mário Cruz/Lusa

São mães a tempo inteiro porque não conseguiram deixar os filhos nas creches, sentiram que não seriam boas profissionais ou não conseguiram lidar com o cansaço. Lêem Virgínia Wolf, escrevem em blogues e (algumas) não passam a ferro. Estas mulheres puderam escolher e escolheram a família, mas não são fadas do lar.

Eram directoras de publicidade, jornalistas, advogadas, gestoras de marketing ou chefes de departamento numa multinacional. Não foram educadas para serem donas de casa, deram prioridade à escola e ao trabalho. Mas depois chegaram os filhos e elas decidiram ser mães a tempo inteiro. Dizem que não é um retrocesso nas conquistas femininas - estas mulheres puderam optar e acham que isso faz a diferença.

Carla Rodrigues, de 36 anos, gostava do que fazia como directora de publicidade num grupo de comunicação, da equipa, do ambiente, até do stress. Depois de a filha nascer, foi-lhe proposto um trabalho ainda «mais aliciante», mas a constatação de que a bebé «não estava a viver bem a separação» levou esta portuguesa instalada em França a tornar-se numa mère au foyer (mãe que fica em casa), já lá vão quatro anos.

Autora do blogue A Mãe Que Capotou (mãeapanhadanacurva.blogspot.com), Carla esclarece que a escolha não foi só no sentido de colocar «os filhos à frente de tudo». A história é mais complexa: «Acredito que coloquei a minha carreira num plano importante ao abrir um parêntesis em vez de fingir que estava motivada e penalizar o empregador. Voltarei quando puder ser uma boa profissional. Se é para marcar o ponto, prefiro ir apanhar sol no parque infantil mais próximo.»

Apresenta-se agora como CEO (Children Executive Officer) ou «refém sem resgate». Mãe a tempo inteiro também serve como rótulo - «tudo menos doméstica, que tem cheiro a detergente», ironiza. Com dois filhos (uma menina de 4 anos e um rapaz de 2), Carla admite que não tem «a casa toda arrumadinha» como imagina que fosse o caso das donas de casa de outros tempos. E não passa a ferro (prefere tecidos que não amachuquem). Mas diz que o que distingue as gerações é a escolha. «Sem formação, experiência profissional e rendimentos não há escolha. Eu posso (pelo menos gosto de acreditar que sim) escolher até quando vou ficar em casa. Estou apenas de passagem para acompanhar e aproveitar melhor os meus filhos», descreve.

Há um ano, Rita Pinto despediu-se da multinacional onde trabalhava. A engenheira química de 34 anos, mãe de duas crianças, defende que foi uma opção «consciente e ponderada», sem nada de «obrigatório e imposto», bastante diferente dos tempos em que ficar em casa era a escolha mais comum. «Estou feliz e não me sinto minimamente desvalorizada. Estou ciente das minhas capacidades e do facto de ter estudado e trabalhado, contribuindo como qualquer homem para a sociedade em que vivo. Apenas decidi dar o meu contributo de outro modo, na formação dos meus filhos», observa. As dificuldades em conciliar o trabalho e a vida familiar também pesaram na decisão. «Com o emprego que tinha, não conseguia dedicar aos filhos o tempo que queria», recorda, esclarecendo que o marido «tem uma função muito exigente» e não conseguia «fazer a outra parte, pois chegava tarde a casa, e muitas vezes tinha de se ausentar por longos períodos».

O século da mudança

Maria do Pilar González, especialista em Economia do Trabalho da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, alerta que é preciso ver se estas decisões «são mesmo uma escolha», ou se são «condicionadas pelo mercado de trabalho, em que os empregadores contam mais com os homens e são menos condescendentes com eles quando toca à vida privada».

Eles são, também, mais bem remunerados e têm empregos mais estáveis (a precariedade afecta mais as mulheres) e isso fala mais alto na hora de decidir quem abdica da carreira. Carla Fonseca, de 38 anos, deixou o emprego há dois anos e diz que o companheiro «preferia trocar, ficar ele em casa», mas a comparação de ordenados desfez as dúvidas. «Não conseguíamos viver com o meu salário. Ele ganha bem mais do que alguma vez ganhei», explica a ex-jornalista, que está grávida do terceiro filho, anda obcecada por Virgínia Woolf e considera as mães domésticas «todas um bocado neuróticas».

Os dias são exigentes e é na hora da sesta do filho que Carla faz o que lhe apetece: «Ler, ver blogues, tratar da loiça, depilar as sobrancelhas... Costurar é que não porque a máquina acorda-o», conta. O pior da rotina é a arrumação. A solução foi simplificar: «Não passo a ferro, a casa tem sempre pó, é aspirada muito menos do que devia e há sempre coisas por arrumar», confessa. Gostava de voltar a trabalhar, mas não é fácil conciliar esse desejo com as actividades extracurriculares da filha de 10 anos, o filho de 18 meses e o que está quase a nascer. «Era preciso ganhar o suficiente para pagar a alguém para cuidar deles, ter família por perto, ou um emprego das 08h00 às 16h00 com um bom salário, mas isso acho que não existe», desabafa.

É devido a estas dificuldades que Maria do Pilar González considera que o século XXI vai ser o século da mudança na reorganização entre a vida privada e a profissional. «Este estrangulamento actual, esta pressão de disponibilidade profissional, é uma condicionante das decisões familiares que, por serem da esfera privada, não são discutidas publicamente», sublinha a professora. O problema é que as instituições exigem aos trabalhadores enorme disponibilidade, «como se o trabalho doméstico não existisse», mas ele «existe, tem valor social e alguém tem de o fazer», defende a investigadora. A solução passa por assumir que «se o trabalho remunerado é dividido, o doméstico também tem de ser». Os homens devem «usufruir dos seus direitos de paternidade e as empresas devem achar normal que o façam», acrescenta.

Mulheres penalizadas

Mas as empresas ainda nem sequer deixaram de penalizar as mulheres. Raquel Silva, de 31 anos, foi mãe a tempo inteiro durante três anos. No regresso ao trabalho, sentiu que o que a prejudicou, mais do que interromper a carreira, foi ter sido mãe. «Numa empresa é mais fácil subir se não se tiver filhos. Os filhos ficam doentes, faltamos. Por vezes pedimos para sair mais cedo para uma reunião com a professora, temos menos disponibilidade para ficar até tarde e isto acaba por ser penalizador», garante esta mãe de duas crianças, com um curso de animadora sociocultural e outro de secretariado administrativo.

Ana também não escapou à pressão dos empregadores. «Logo no primeiro dia depois da licença de maternidade do meu segundo filho, disseram-me que esperavam que compensasse o tempo que estive fora», recorda esta lisboeta de 38 anos que prefere não revelar o apelido. Despediu-se, mas voltou a trabalhar um ano depois, por achar que «se passasse muito tempo, isso não ia ser bem visto». Procurou uma empresa «com uma atitude normal» em relação à maternidade, ainda que não lhe permitisse grandes aspirações. «Para as mães com filhos pequenos o crescimento profissional não é muito grande. Achei que, de qualquer forma, não seria muito ambiciosa», esclarece a directora comercial. Só quando a filha fez 3 anos é que foi em busca da realização profissional: «Procurei uma coisa que sabia que me ia estimular, mas tenho uma vida horrível. Chego a casa às 21h00, só tenho tempo de dar-lhes banho a correr e enfiá-los na cama.»

Apesar das dificuldades, ficar em casa com os filhos não parece ser uma tendência crescente. Em 2010, o INE só contabilizava 493 domésticas (pessoas que «não tendo um emprego nem estando desempregadas, se ocupam principalmente das tarefas domésticas no seu próprio lar»). Não estarão lá todas as mães a tempo inteiro: entre as nove mulheres entrevistadas pela nm, sete estão oficialmente desempregadas. O Ministério do Trabalho e Segurança Social não tem dados que ajudem a retratar esta realidade, mas a socióloga Isabel Dias, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, lembra que «as portuguesas estão fortemente inseridas no mercado de trabalho» e não há perspectivas de mudança. «Interromper a carreira é mais frequente para as mulheres com três ou mais filhos, porque o recurso a serviços de guarda fica mais caro», sustenta.

Também Karin Wall, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, aponta para «cada vez menos mulheres» dedicadas ao trabalho doméstico e aos filhos «a tempo inteiro e para toda a vida». A avaliar pela subida na proporção de mulheres entre os 25 e os 44 anos na vida activa (85 por cento em 2008 e 87,3 por cento em 2010), a interrupção temporária da carreira também estará «a perder importância». A ligação das portuguesas ao mercado de trabalho «foi muito estimulada no pós-25 de Abril de 1974, pelos ideais da revolução e pelo Estado, que legislou no sentido de promover a igualdade de género e a conciliação entre família e trabalho», justifica a socióloga.

Num país onde os empregos a tempo parcial têm pouca expressão (na ordem dos 16 por cento, de acordo com Karin Wall), parece difícil encontrar equilíbrios. «Ainda não desisti de procurar uma ocupação compensatória com horário suficientemente flexível para gerir o meu tempo com a família», revela Filipa Teves, mãe de três meninas, em casa desde 2008. Raquel Silva, que sempre teve «o ideal» de ficar com os filhos, anseia por um trabalho a partir de casa. «Infelizmente não existem muito em Portugal», lamenta.

Raquel afiança que mesmo para quem está motivada, a experiência de ficar em casa com os filhos não é fácil. «Ser mãe a tempo inteiro é dispor do nosso tempo e criatividade para eles. Sentar e brincar, fazer pinturas, ginástica, ouvir músicas, passear, ir ao parque», observa. O esforço recompensa: «Os meus filhos são muito seguros, compenetrados e pacientes. Atribuo isso a ter tido total disponibilidade para eles nos primeiros anos. Ao nível da segurança, da auto-estima, da interacção com os outros, acho que faz toda a diferença», assegura.

Paula Almeida, 35 anos, foi mãe a tempo inteiro durante nove anos. Não se arrepende, mas «não recomenda», apesar de não esquecer «todos os primeiros momentos» das filhas. «O melhor eram pequeninas coisas, instantes incríveis de encantamento profundo: as primeiras gargalhadas e as primeiras brincadeiras, todos os primeiros ali à minha frente. As perguntas curiosas, as histórias inventadas, os desenhos básicos e depois os mais elaborados, as linguagens próprias de cada uma, observá-las apenas. Tudo isto ninguém me tira.»

Fugir ao «mãe para sempre»

Paula Almeida, 35 anos, duas filhas (7 e 5 anos), interrompeu a carreira profissional durante nove anos. Licenciada em Comunicação Social, com pós-graduação em Ciências da Informação, trabalha desde Janeiro num Centro de Documentação Universitário, vive no Porto.

Em 2002 fartou-se do emprego mal remunerado e precário e despediu-se. Alguns meses depois engravidou. Durante nove anos, Paula Almeida foi mãe a tempo inteiro. Quando sentiu que seguia o rumo de ser «mãe para sempre», investiu numa pós-graduação. Em Janeiro, com 35 anos, recomeçou a trabalhar. Diz que pouco mudou na relação com as filhas e destaca as conquistas: «Antes, já estava em casa para as receber. Agora, chego com elas. Estou bastante mais cansada fisicamente, mas estou a gostar. É sobretudo esta sensação de liberdade por conseguir desligar-me do resto e concentrar-me na responsabilidade das minhas tarefas».

Dos nove anos em casa, Paula recorda instantes de encantamento, o impacte da dificuldade de educar, a dificuldade de entender um ser em formação, a surpresa dos gritos, dos choros e dos nervos (das três) e os silêncios: «Elas fizeram noites complicadas até bastante tarde. Havia muitos dias em que os melhores momentos eram as sestas».

Não foi fácil ficar em casa tanto tempo e houve dias «muito solitários«. A ex-jornalista estava feliz, mas também «cansada, saturada, insatisfeita» por não ter outra ocupação. «Houve muitas fases em que a maternidade me bastava. Mas percebi que estava a perder capacidades de me estimular intelectualmente. Tenho a certeza de que me deixei atingir por enormes doses de resignação», confessa.

Antes de a filha mais nova entrar para o infantário, Paula começou a «namorar» uma nova área profissional, avançando com uma pós-graduação em Ciências da Informação. O curso permitiu-lhe libertar-se das rotinas parentais e deixou-a «mais apta a colocar a mente noutro registo». No início do ano começou a trabalhar num Centro de Documentação Universitário. Sabe que será temporário, mas continuará «a procurar e a aceitar as oportunidades que surjam». O que a assusta, relativamente ao futuro, é ter feito um «intervalo muito grande» na carreira e não ter sido «contribuinte activa» durante esse período.

«Gostava de "ter uma vida"»

Carla Fonseca, 37 anos (dois filhos, 10 anos e 18 meses, grávida de oito meses). Ex-jornalista, está em casa há dois anos. Vive em Lisboa.

Defende que até aos 3 anos as crianças estão melhor em casa. Mas reconhece não ter capacidade para tanto. «Preciso de ter uma vida», desabafa Carla Fonseca, ex-jornalista, 38 anos, «doméstica» há mais de dois e está grávida do terceiro filho.

«Sinto-me cansada, física e emocionalmente. Farta, muitas vezes. Dou por mim a ver anúncios de emprego e a querer mandar currículos, grávida de oito meses. Estou preenchida e feliz, em muitos momentos. Insatisfeita, sempre», explica, justificando as contradições que alimentam o blogue panadosearrozdetomate.blogspot.com.

Não sendo capaz de «passar 24 horas do dia» com as crianças, Carla sufoca se estiver «dez horas por dia, cinco dias por semana, sem eles por perto» - e era isso que aconteceria se estivesse a trabalhar. «Preciso de uma vida, mas isso não significa uma carreira, porque as duas coisas é impossível», afirma.

Ela é a última da casa a acordar, cerca das 08h30. Quando Isaac (18 meses) desperta, é o pai que lhe dá o leite, brinca, acorda a mais velha (filha do primeiro casamento de Carla). Antes das 09h00, a mãe fica sozinha com o bebé, saltando entre o computador e as tarefas domésticas «com muitas interrupções para colos». Às 10h30 é preciso tratar do almoço, depois o bebé come e faz a sesta. Quando acorda vão ao parque, ao café, ao supermercado. O resto da tarde depende dos horários do conservatório e da piscina extracurriculares de Beatriz, 10 anos.

Carla tinha um contrato prestes a ser renovado quando pensou engravidar do segundo filho. Não o queria «largar» no infantário aos 4 meses (quando Beatriz nasceu Carla também ficou em casa), estava desiludida com o emprego, preferiu sair. A intenção era fazer uma pausa de um ano, mas «a experiência revelou-se gratificante e a ideia de outro filho começou a instalar-se».

Como será conciliar três crianças com uma profissão «quando não há grande oferta de emprego e se exige total disponibilidade», Carla não sabe. Mas garante que seria «excelente profissional em metade das horas» e nem precisava de ganhar muito, «porque ganharia tempo e isso é do mais valioso que se pode ter».

Quatro filhos e adeus ao marketing

Ana Rute Cavaco, 34 anos, quatro filhos (6, 4, 3 anos e 9 meses), era assistente de marketing numa editora, está em casa há quatro anos. Vive em Oeiras.

Em casa já só está o mais novo, Caleb, de 9 meses. Os do meio, de 3 e 4 anos, andam no infantário. A mais velha, de 6, na escola. A mãe, Ana Rute Cavaco, 34 anos, ex-assistente de marketing, está «preenchida e feliz» com a maternidade a tempo inteiro.

Com quatro crianças tem pouco tempo para respirar. De manhã, prepara os filhos para saírem cerca das 09h00 - é o pai que os leva. Depois deixa a casa e as compras «em ordem», vai buscar a mais velha à escola, almoça com ela e com o bebé. À tarde prepara o jantar, vai buscar a Maria outra vez e entretanto o pai chega com os do meio (Marta, 4 anos, e Joaquim, 3 anos). «Estou tão ou mais ocupada do que quem trabalha fora de casa», garante.

Ainda por cima, a vida desta mãe de Oeiras não se resume aos filhos. O marido é missionário de uma Igreja Baptista e isso exige à família «disponibilidade constante» para receber pessoas em casa e estar na igreja.

«Este desafio é suficiente para nunca sentir que estou sem objectivos ou desocupada. O fim-de-semana acaba por ser o momento mais preenchido e durante a semana é habitual ocuparmos pelo menos duas noites com pessoas que precisam de aconselhamento ou querem estar connosco. Se não estivesse em casa, organizar isto tudo seria bastante complicado», esclarece.

Ana gostava da área em que trabalhava até há quatro anos, mas agora está «realizada» - assim mesmo, sem dúvidas. Não aprecia a lida doméstica e nem se importava de ter alguma ajuda, mas é pragmática: «Estando eu em casa posso tratar disso.»

Trabalhava numa editora de manuais escolares, e três meses depois de a segunda filha ter nascido, engravidou. Só se apercebeu disso na altura de regressar ao trabalho. Como a empresa estava em reestruturações, negociou a saída. «Se mantivesse a actividade profissional, não seria possível acompanhar os meus filhos como eles precisam», afirma. Não descarta a hipótese de ter mais filhos e voltar a trabalhar não está nos seus planos.

Privilégios de ser mãe a tempo inteiro

Filipa Teves, 36 anos, três filhas (7 e 2 anos, e 7 meses). Licenciada em Gestão de Marketing, era gestora de projectos numa agência de design e comunicação. Está em casa desde 2008. Vive em Lisboa.

Ir a todas as festas e actividades da escola das filhas «sem pedir autorização ou perder dias de férias», ficar com elas «sempre que estão doentes ou a escola fecha» são os «privilégios» de que Filipa Teves, 36 anos, não quer abdicar tão cedo.

Licenciada em Gestão de Marketing, a lisboeta ficou desempregada em 2008, quando engravidou da segunda filha. Dezoito meses depois estava grávida outra vez. Agora que a mais nova fez 7 meses, devia pensar no regresso ao trabalho, mas assumiu a maternidade.

«Tendo em conta o estado actual do mercado, parece mais sensato e surge como um privilégio dar às nossas filhas uma mãe a tempo inteiro nestes primeiros anos», explica a ex-gestora de projectos, mãe de três meninas, de 7 e 2 anos e 7 meses - uma bebé, uma «reguila» e uma «semi-pré-adolescente», descreve.

Está em casa há três anos, mas tenta arranjar «programas divertidos» para não se fartar da rotina. Todas as semanas são diferentes, mas algumas coisas não mudam: a família acorda toda ao mesmo tempo e Filipa trata das meninas enquanto o pai se arranja. As manhãs são dedicadas à lida da casa, à Margarida (a mais nova) e a si própria: «Ainda estou a gozar umas sessões pós-parto ao domicílio que incluem massagens e me sabem muito bem», relata.

À tarde, quando chega a empregada, aproveita para sair, ir às compras, almoçar com as amigas ou «simplesmente arejar até à Baixa», para «ver pessoas, espreitar as montras e comer um gelado». Entre as 16h30 e as 17h00 vai buscar a Matilde e a Maria à escola, quando o pai chega trata dos banhos enquanto ela prepara o jantar.

Filipa sente falta «de ocupar a cabeça com outro tipo de responsabilidades», mas o reverso da medalha não tem preço. «Sinto-me bastante preenchida, sempre ocupada e muito satisfeita por acompanhar a vida delas desta forma. O tempo de qualidade que temos em família está a contribuir para que cresçam bem e equilibradas e essa é a melhor recompensa.» Gostava de continuar por casa mais algum tempo, mas não para sempre.

De carreirista a mãe feliz

Rita Pinto, 34 anos, dois filhos (2 anos e 17 meses), tem um bacharelato em Engenharia Química, era a responsável em Portugal de um departamento de compras de uma multinacional da área alimentar.

Noites «caóticas», tantos projectos que o horário normal de trabalho não chegava e o medo de perder o vínculo com o filho mais novo desfizeram as dúvidas de Rita Pinto: sempre pensou que seria uma «carreirista nata», mas despediu-se para ficar em casa com as crianças e «foi óptimo».

Um ano depois, a engenheira química de 34 anos está «preenchida e muito feliz». Cansada também, mas «é um cansaço físico, não de estar farta de fazer a mesma coisa». Amigos e colegas ainda tentam entender a opção, fazendo perguntas como «és mãe, mas... e mais? Vais ao ginásio, estás a aprender alguma língua ou a ter aulas de fotografia?». Nada disso: Rita dedica-se aos filhos e isso é ocupação suficiente.

A ex-responsável de compras de uma multinacional tenta sair com as crianças de manhã cedo para às 12h30 lhes dar o almoço em casa. Durante a sesta deles aproveita para fazer algo sozinha e «manter a sanidade mental». Depois é tempo de brincar, lanchar, sair, mais brincadeira, banho, jantar e cama.

O que mais gosta na maternidade a tempo inteiro é a «liberdade de passear com os filhos» quando lhe apetece. O pior são as noites e as birras. Com empregada a tempo inteiro, a lida doméstica fica de parte: «Tenho todo o tempo para os meus filhos», esclarece.

Foi depois de regressar ao emprego, no fim da licença de maternidade do segundo filho, que a lisboeta pensou em mudar de vida. Com uma diferença de idades de 16 meses, os filhos davam-lhe noites difíceis, pouco compatíveis com o ritmo da multinacional onde trabalhava. Ainda pensou que fosse «uma fase pior», mas a vontade foi-se intensificando. «De repente senti que o meu filho não me via como a mãe, mas como mais uma pessoa que cuidava dele», lembra.

Tentou negociar a saída, mas a empresa insistia que ficasse, menos horas ou em part-time. «Nem pensaram que ia ser impossível», desabafa. Despediu-se. É só uma pausa: «Quero voltar. Agora quando... Será provavelmente quando eles estiverem na escola, mas não sei se não gostava de ter mais um.»

Profissão: mãe

por Ana Cristina Gomes. Fotografia de Mário Cruz/Lusa

São mães a tempo inteiro porque não conseguiram deixar os filhos nas creches, sentiram que não seriam boas profissionais ou não conseguiram lidar com o cansaço. Lêem Virgínia Wolf, escrevem em blogues e (algumas) não passam a ferro. Estas mulheres puderam escolher e escolheram a família, mas não são fadas do lar.

Eram directoras de publicidade, jornalistas, advogadas, gestoras de marketing ou chefes de departamento numa multinacional. Não foram educadas para serem donas de casa, deram prioridade à escola e ao trabalho. Mas depois chegaram os filhos e elas decidiram ser mães a tempo inteiro. Dizem que não é um retrocesso nas conquistas femininas - estas mulheres puderam optar e acham que isso faz a diferença.

Carla Rodrigues, de 36 anos, gostava do que fazia como directora de publicidade num grupo de comunicação, da equipa, do ambiente, até do stress. Depois de a filha nascer, foi-lhe proposto um trabalho ainda «mais aliciante», mas a constatação de que a bebé «não estava a viver bem a separação» levou esta portuguesa instalada em França a tornar-se numa mère au foyer (mãe que fica em casa), já lá vão quatro anos.

Autora do blogue A Mãe Que Capotou (mãeapanhadanacurva.blogspot.com), Carla esclarece que a escolha não foi só no sentido de colocar «os filhos à frente de tudo». A história é mais complexa: «Acredito que coloquei a minha carreira num plano importante ao abrir um parêntesis em vez de fingir que estava motivada e penalizar o empregador. Voltarei quando puder ser uma boa profissional. Se é para marcar o ponto, prefiro ir apanhar sol no parque infantil mais próximo.»

Apresenta-se agora como CEO (Children Executive Officer) ou «refém sem resgate». Mãe a tempo inteiro também serve como rótulo - «tudo menos doméstica, que tem cheiro a detergente», ironiza. Com dois filhos (uma menina de 4 anos e um rapaz de 2), Carla admite que não tem «a casa toda arrumadinha» como imagina que fosse o caso das donas de casa de outros tempos. E não passa a ferro (prefere tecidos que não amachuquem). Mas diz que o que distingue as gerações é a escolha. «Sem formação, experiência profissional e rendimentos não há escolha. Eu posso (pelo menos gosto de acreditar que sim) escolher até quando vou ficar em casa. Estou apenas de passagem para acompanhar e aproveitar melhor os meus filhos», descreve.

Há um ano, Rita Pinto despediu-se da multinacional onde trabalhava. A engenheira química de 34 anos, mãe de duas crianças, defende que foi uma opção «consciente e ponderada», sem nada de «obrigatório e imposto», bastante diferente dos tempos em que ficar em casa era a escolha mais comum. «Estou feliz e não me sinto minimamente desvalorizada. Estou ciente das minhas capacidades e do facto de ter estudado e trabalhado, contribuindo como qualquer homem para a sociedade em que vivo. Apenas decidi dar o meu contributo de outro modo, na formação dos meus filhos», observa. As dificuldades em conciliar o trabalho e a vida familiar também pesaram na decisão. «Com o emprego que tinha, não conseguia dedicar aos filhos o tempo que queria», recorda, esclarecendo que o marido «tem uma função muito exigente» e não conseguia «fazer a outra parte, pois chegava tarde a casa, e muitas vezes tinha de se ausentar por longos períodos».

O século da mudança

Maria do Pilar González, especialista em Economia do Trabalho da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, alerta que é preciso ver se estas decisões «são mesmo uma escolha», ou se são «condicionadas pelo mercado de trabalho, em que os empregadores contam mais com os homens e são menos condescendentes com eles quando toca à vida privada».

Eles são, também, mais bem remunerados e têm empregos mais estáveis (a precariedade afecta mais as mulheres) e isso fala mais alto na hora de decidir quem abdica da carreira. Carla Fonseca, de 38 anos, deixou o emprego há dois anos e diz que o companheiro «preferia trocar, ficar ele em casa», mas a comparação de ordenados desfez as dúvidas. «Não conseguíamos viver com o meu salário. Ele ganha bem mais do que alguma vez ganhei», explica a ex-jornalista, que está grávida do terceiro filho, anda obcecada por Virgínia Woolf e considera as mães domésticas «todas um bocado neuróticas».

Os dias são exigentes e é na hora da sesta do filho que Carla faz o que lhe apetece: «Ler, ver blogues, tratar da loiça, depilar as sobrancelhas... Costurar é que não porque a máquina acorda-o», conta. O pior da rotina é a arrumação. A solução foi simplificar: «Não passo a ferro, a casa tem sempre pó, é aspirada muito menos do que devia e há sempre coisas por arrumar», confessa. Gostava de voltar a trabalhar, mas não é fácil conciliar esse desejo com as actividades extracurriculares da filha de 10 anos, o filho de 18 meses e o que está quase a nascer. «Era preciso ganhar o suficiente para pagar a alguém para cuidar deles, ter família por perto, ou um emprego das 08h00 às 16h00 com um bom salário, mas isso acho que não existe», desabafa.

É devido a estas dificuldades que Maria do Pilar González considera que o século XXI vai ser o século da mudança na reorganização entre a vida privada e a profissional. «Este estrangulamento actual, esta pressão de disponibilidade profissional, é uma condicionante das decisões familiares que, por serem da esfera privada, não são discutidas publicamente», sublinha a professora. O problema é que as instituições exigem aos trabalhadores enorme disponibilidade, «como se o trabalho doméstico não existisse», mas ele «existe, tem valor social e alguém tem de o fazer», defende a investigadora. A solução passa por assumir que «se o trabalho remunerado é dividido, o doméstico também tem de ser». Os homens devem «usufruir dos seus direitos de paternidade e as empresas devem achar normal que o façam», acrescenta.

Mulheres penalizadas

Mas as empresas ainda nem sequer deixaram de penalizar as mulheres. Raquel Silva, de 31 anos, foi mãe a tempo inteiro durante três anos. No regresso ao trabalho, sentiu que o que a prejudicou, mais do que interromper a carreira, foi ter sido mãe. «Numa empresa é mais fácil subir se não se tiver filhos. Os filhos ficam doentes, faltamos. Por vezes pedimos para sair mais cedo para uma reunião com a professora, temos menos disponibilidade para ficar até tarde e isto acaba por ser penalizador», garante esta mãe de duas crianças, com um curso de animadora sociocultural e outro de secretariado administrativo.

Ana também não escapou à pressão dos empregadores. «Logo no primeiro dia depois da licença de maternidade do meu segundo filho, disseram-me que esperavam que compensasse o tempo que estive fora», recorda esta lisboeta de 38 anos que prefere não revelar o apelido. Despediu-se, mas voltou a trabalhar um ano depois, por achar que «se passasse muito tempo, isso não ia ser bem visto». Procurou uma empresa «com uma atitude normal» em relação à maternidade, ainda que não lhe permitisse grandes aspirações. «Para as mães com filhos pequenos o crescimento profissional não é muito grande. Achei que, de qualquer forma, não seria muito ambiciosa», esclarece a directora comercial. Só quando a filha fez 3 anos é que foi em busca da realização profissional: «Procurei uma coisa que sabia que me ia estimular, mas tenho uma vida horrível. Chego a casa às 21h00, só tenho tempo de dar-lhes banho a correr e enfiá-los na cama.»

Apesar das dificuldades, ficar em casa com os filhos não parece ser uma tendência crescente. Em 2010, o INE só contabilizava 493 domésticas (pessoas que «não tendo um emprego nem estando desempregadas, se ocupam principalmente das tarefas domésticas no seu próprio lar»). Não estarão lá todas as mães a tempo inteiro: entre as nove mulheres entrevistadas pela nm, sete estão oficialmente desempregadas. O Ministério do Trabalho e Segurança Social não tem dados que ajudem a retratar esta realidade, mas a socióloga Isabel Dias, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, lembra que «as portuguesas estão fortemente inseridas no mercado de trabalho» e não há perspectivas de mudança. «Interromper a carreira é mais frequente para as mulheres com três ou mais filhos, porque o recurso a serviços de guarda fica mais caro», sustenta.

Também Karin Wall, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, aponta para «cada vez menos mulheres» dedicadas ao trabalho doméstico e aos filhos «a tempo inteiro e para toda a vida». A avaliar pela subida na proporção de mulheres entre os 25 e os 44 anos na vida activa (85 por cento em 2008 e 87,3 por cento em 2010), a interrupção temporária da carreira também estará «a perder importância». A ligação das portuguesas ao mercado de trabalho «foi muito estimulada no pós-25 de Abril de 1974, pelos ideais da revolução e pelo Estado, que legislou no sentido de promover a igualdade de género e a conciliação entre família e trabalho», justifica a socióloga.

Num país onde os empregos a tempo parcial têm pouca expressão (na ordem dos 16 por cento, de acordo com Karin Wall), parece difícil encontrar equilíbrios. «Ainda não desisti de procurar uma ocupação compensatória com horário suficientemente flexível para gerir o meu tempo com a família», revela Filipa Teves, mãe de três meninas, em casa desde 2008. Raquel Silva, que sempre teve «o ideal» de ficar com os filhos, anseia por um trabalho a partir de casa. «Infelizmente não existem muito em Portugal», lamenta.

Raquel afiança que mesmo para quem está motivada, a experiência de ficar em casa com os filhos não é fácil. «Ser mãe a tempo inteiro é dispor do nosso tempo e criatividade para eles. Sentar e brincar, fazer pinturas, ginástica, ouvir músicas, passear, ir ao parque», observa. O esforço recompensa: «Os meus filhos são muito seguros, compenetrados e pacientes. Atribuo isso a ter tido total disponibilidade para eles nos primeiros anos. Ao nível da segurança, da auto-estima, da interacção com os outros, acho que faz toda a diferença», assegura.

Paula Almeida, 35 anos, foi mãe a tempo inteiro durante nove anos. Não se arrepende, mas «não recomenda», apesar de não esquecer «todos os primeiros momentos» das filhas. «O melhor eram pequeninas coisas, instantes incríveis de encantamento profundo: as primeiras gargalhadas e as primeiras brincadeiras, todos os primeiros ali à minha frente. As perguntas curiosas, as histórias inventadas, os desenhos básicos e depois os mais elaborados, as linguagens próprias de cada uma, observá-las apenas. Tudo isto ninguém me tira.»

Fugir ao «mãe para sempre»

Paula Almeida, 35 anos, duas filhas (7 e 5 anos), interrompeu a carreira profissional durante nove anos. Licenciada em Comunicação Social, com pós-graduação em Ciências da Informação, trabalha desde Janeiro num Centro de Documentação Universitário, vive no Porto.

Em 2002 fartou-se do emprego mal remunerado e precário e despediu-se. Alguns meses depois engravidou. Durante nove anos, Paula Almeida foi mãe a tempo inteiro. Quando sentiu que seguia o rumo de ser «mãe para sempre», investiu numa pós-graduação. Em Janeiro, com 35 anos, recomeçou a trabalhar. Diz que pouco mudou na relação com as filhas e destaca as conquistas: «Antes, já estava em casa para as receber. Agora, chego com elas. Estou bastante mais cansada fisicamente, mas estou a gostar. É sobretudo esta sensação de liberdade por conseguir desligar-me do resto e concentrar-me na responsabilidade das minhas tarefas».

Dos nove anos em casa, Paula recorda instantes de encantamento, o impacte da dificuldade de educar, a dificuldade de entender um ser em formação, a surpresa dos gritos, dos choros e dos nervos (das três) e os silêncios: «Elas fizeram noites complicadas até bastante tarde. Havia muitos dias em que os melhores momentos eram as sestas».

Não foi fácil ficar em casa tanto tempo e houve dias «muito solitários«. A ex-jornalista estava feliz, mas também «cansada, saturada, insatisfeita» por não ter outra ocupação. «Houve muitas fases em que a maternidade me bastava. Mas percebi que estava a perder capacidades de me estimular intelectualmente. Tenho a certeza de que me deixei atingir por enormes doses de resignação», confessa.

Antes de a filha mais nova entrar para o infantário, Paula começou a «namorar» uma nova área profissional, avançando com uma pós-graduação em Ciências da Informação. O curso permitiu-lhe libertar-se das rotinas parentais e deixou-a «mais apta a colocar a mente noutro registo». No início do ano começou a trabalhar num Centro de Documentação Universitário. Sabe que será temporário, mas continuará «a procurar e a aceitar as oportunidades que surjam». O que a assusta, relativamente ao futuro, é ter feito um «intervalo muito grande» na carreira e não ter sido «contribuinte activa» durante esse período.

«Gostava de "ter uma vida"»

Carla Fonseca, 37 anos (dois filhos, 10 anos e 18 meses, grávida de oito meses). Ex-jornalista, está em casa há dois anos. Vive em Lisboa.

Defende que até aos 3 anos as crianças estão melhor em casa. Mas reconhece não ter capacidade para tanto. «Preciso de ter uma vida», desabafa Carla Fonseca, ex-jornalista, 38 anos, «doméstica» há mais de dois e está grávida do terceiro filho.

«Sinto-me cansada, física e emocionalmente. Farta, muitas vezes. Dou por mim a ver anúncios de emprego e a querer mandar currículos, grávida de oito meses. Estou preenchida e feliz, em muitos momentos. Insatisfeita, sempre», explica, justificando as contradições que alimentam o blogue panadosearrozdetomate.blogspot.com.

Não sendo capaz de «passar 24 horas do dia» com as crianças, Carla sufoca se estiver «dez horas por dia, cinco dias por semana, sem eles por perto» - e era isso que aconteceria se estivesse a trabalhar. «Preciso de uma vida, mas isso não significa uma carreira, porque as duas coisas é impossível», afirma.

Ela é a última da casa a acordar, cerca das 08h30. Quando Isaac (18 meses) desperta, é o pai que lhe dá o leite, brinca, acorda a mais velha (filha do primeiro casamento de Carla). Antes das 09h00, a mãe fica sozinha com o bebé, saltando entre o computador e as tarefas domésticas «com muitas interrupções para colos». Às 10h30 é preciso tratar do almoço, depois o bebé come e faz a sesta. Quando acorda vão ao parque, ao café, ao supermercado. O resto da tarde depende dos horários do conservatório e da piscina extracurriculares de Beatriz, 10 anos.

Carla tinha um contrato prestes a ser renovado quando pensou engravidar do segundo filho. Não o queria «largar» no infantário aos 4 meses (quando Beatriz nasceu Carla também ficou em casa), estava desiludida com o emprego, preferiu sair. A intenção era fazer uma pausa de um ano, mas «a experiência revelou-se gratificante e a ideia de outro filho começou a instalar-se».

Como será conciliar três crianças com uma profissão «quando não há grande oferta de emprego e se exige total disponibilidade», Carla não sabe. Mas garante que seria «excelente profissional em metade das horas» e nem precisava de ganhar muito, «porque ganharia tempo e isso é do mais valioso que se pode ter».

Quatro filhos e adeus ao marketing

Ana Rute Cavaco, 34 anos, quatro filhos (6, 4, 3 anos e 9 meses), era assistente de marketing numa editora, está em casa há quatro anos. Vive em Oeiras.

Em casa já só está o mais novo, Caleb, de 9 meses. Os do meio, de 3 e 4 anos, andam no infantário. A mais velha, de 6, na escola. A mãe, Ana Rute Cavaco, 34 anos, ex-assistente de marketing, está «preenchida e feliz» com a maternidade a tempo inteiro.

Com quatro crianças tem pouco tempo para respirar. De manhã, prepara os filhos para saírem cerca das 09h00 - é o pai que os leva. Depois deixa a casa e as compras «em ordem», vai buscar a mais velha à escola, almoça com ela e com o bebé. À tarde prepara o jantar, vai buscar a Maria outra vez e entretanto o pai chega com os do meio (Marta, 4 anos, e Joaquim, 3 anos). «Estou tão ou mais ocupada do que quem trabalha fora de casa», garante.

Ainda por cima, a vida desta mãe de Oeiras não se resume aos filhos. O marido é missionário de uma Igreja Baptista e isso exige à família «disponibilidade constante» para receber pessoas em casa e estar na igreja.

«Este desafio é suficiente para nunca sentir que estou sem objectivos ou desocupada. O fim-de-semana acaba por ser o momento mais preenchido e durante a semana é habitual ocuparmos pelo menos duas noites com pessoas que precisam de aconselhamento ou querem estar connosco. Se não estivesse em casa, organizar isto tudo seria bastante complicado», esclarece.

Ana gostava da área em que trabalhava até há quatro anos, mas agora está «realizada» - assim mesmo, sem dúvidas. Não aprecia a lida doméstica e nem se importava de ter alguma ajuda, mas é pragmática: «Estando eu em casa posso tratar disso.»

Trabalhava numa editora de manuais escolares, e três meses depois de a segunda filha ter nascido, engravidou. Só se apercebeu disso na altura de regressar ao trabalho. Como a empresa estava em reestruturações, negociou a saída. «Se mantivesse a actividade profissional, não seria possível acompanhar os meus filhos como eles precisam», afirma. Não descarta a hipótese de ter mais filhos e voltar a trabalhar não está nos seus planos.

Privilégios de ser mãe a tempo inteiro

Filipa Teves, 36 anos, três filhas (7 e 2 anos, e 7 meses). Licenciada em Gestão de Marketing, era gestora de projectos numa agência de design e comunicação. Está em casa desde 2008. Vive em Lisboa.

Ir a todas as festas e actividades da escola das filhas «sem pedir autorização ou perder dias de férias», ficar com elas «sempre que estão doentes ou a escola fecha» são os «privilégios» de que Filipa Teves, 36 anos, não quer abdicar tão cedo.

Licenciada em Gestão de Marketing, a lisboeta ficou desempregada em 2008, quando engravidou da segunda filha. Dezoito meses depois estava grávida outra vez. Agora que a mais nova fez 7 meses, devia pensar no regresso ao trabalho, mas assumiu a maternidade.

«Tendo em conta o estado actual do mercado, parece mais sensato e surge como um privilégio dar às nossas filhas uma mãe a tempo inteiro nestes primeiros anos», explica a ex-gestora de projectos, mãe de três meninas, de 7 e 2 anos e 7 meses - uma bebé, uma «reguila» e uma «semi-pré-adolescente», descreve.

Está em casa há três anos, mas tenta arranjar «programas divertidos» para não se fartar da rotina. Todas as semanas são diferentes, mas algumas coisas não mudam: a família acorda toda ao mesmo tempo e Filipa trata das meninas enquanto o pai se arranja. As manhãs são dedicadas à lida da casa, à Margarida (a mais nova) e a si própria: «Ainda estou a gozar umas sessões pós-parto ao domicílio que incluem massagens e me sabem muito bem», relata.

À tarde, quando chega a empregada, aproveita para sair, ir às compras, almoçar com as amigas ou «simplesmente arejar até à Baixa», para «ver pessoas, espreitar as montras e comer um gelado». Entre as 16h30 e as 17h00 vai buscar a Matilde e a Maria à escola, quando o pai chega trata dos banhos enquanto ela prepara o jantar.

Filipa sente falta «de ocupar a cabeça com outro tipo de responsabilidades», mas o reverso da medalha não tem preço. «Sinto-me bastante preenchida, sempre ocupada e muito satisfeita por acompanhar a vida delas desta forma. O tempo de qualidade que temos em família está a contribuir para que cresçam bem e equilibradas e essa é a melhor recompensa.» Gostava de continuar por casa mais algum tempo, mas não para sempre.

De carreirista a mãe feliz

Rita Pinto, 34 anos, dois filhos (2 anos e 17 meses), tem um bacharelato em Engenharia Química, era a responsável em Portugal de um departamento de compras de uma multinacional da área alimentar.

Noites «caóticas», tantos projectos que o horário normal de trabalho não chegava e o medo de perder o vínculo com o filho mais novo desfizeram as dúvidas de Rita Pinto: sempre pensou que seria uma «carreirista nata», mas despediu-se para ficar em casa com as crianças e «foi óptimo».

Um ano depois, a engenheira química de 34 anos está «preenchida e muito feliz». Cansada também, mas «é um cansaço físico, não de estar farta de fazer a mesma coisa». Amigos e colegas ainda tentam entender a opção, fazendo perguntas como «és mãe, mas... e mais? Vais ao ginásio, estás a aprender alguma língua ou a ter aulas de fotografia?». Nada disso: Rita dedica-se aos filhos e isso é ocupação suficiente.

A ex-responsável de compras de uma multinacional tenta sair com as crianças de manhã cedo para às 12h30 lhes dar o almoço em casa. Durante a sesta deles aproveita para fazer algo sozinha e «manter a sanidade mental». Depois é tempo de brincar, lanchar, sair, mais brincadeira, banho, jantar e cama.

O que mais gosta na maternidade a tempo inteiro é a «liberdade de passear com os filhos» quando lhe apetece. O pior são as noites e as birras. Com empregada a tempo inteiro, a lida doméstica fica de parte: «Tenho todo o tempo para os meus filhos», esclarece.

Foi depois de regressar ao emprego, no fim da licença de maternidade do segundo filho, que a lisboeta pensou em mudar de vida. Com uma diferença de idades de 16 meses, os filhos davam-lhe noites difíceis, pouco compatíveis com o ritmo da multinacional onde trabalhava. Ainda pensou que fosse «uma fase pior», mas a vontade foi-se intensificando. «De repente senti que o meu filho não me via como a mãe, mas como mais uma pessoa que cuidava dele», lembra.

Tentou negociar a saída, mas a empresa insistia que ficasse, menos horas ou em part-time. «Nem pensaram que ia ser impossível», desabafa. Despediu-se. É só uma pausa: «Quero voltar. Agora quando... Será provavelmente quando eles estiverem na escola, mas não sei se não gostava de ter mais um.»

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