Octávio V. Gonçalves: A seriedade e a ética do Mário Machaqueiro não lhe autorizam a participação num processo de avaliação desacreditado. Também escolhi este caminho...

21-05-2011
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Subscrevo incondicionalmente o texto que aqui divulgo.A estatura intelectual e moral do colega e amigo Mário Machaqueiro inibe-o de alinhar em rituais que, a coberto de uma legalidade autocraticamente imposta, mas destituída de seriedade e de justiça, apenas visam sancionar a bandeira propagandística da avaliação dos professores, mesmo que no quotidiano das escolas isso se traduza num simulacro medíocre de aparência de avaliação e numa completa ausência de rigor e credibilidade, sem paralelo em qualquer modelo ou processos vigentes em legislaturas anteriores. À semelhança do Mário, também não participo nesta farsa e, como tal, não entregarei a FAA, pelo que escreverei um texto dirigido ao meu Director (o limite para a entrega da FAA foi empurrado para Setembro) que não andará muito longe daquele que o Mário, brilhantemente, redigiu.Aquele abraço, Mário!:::::Caneças, 30 de Junho de 2009Exmo. SenhorDirector da Escola Secundária de Caneças,Venho, por este meio, comunicar a minha decisão de não entregar qualquer documento relacionado com a minha auto-avaliação respeitante ao ano lectivo de 2008-2009. Esta decisão vem na sequência da minha tomada de posição anterior, expressa no facto de não ter entregue os objectivos individuais mencionados no Decreto Regulamentar n.º 2/2008 de 10 de Janeiro. Entendo que a não entrega desses objectivos, inscrita numa contestação do modelo de avaliação imposto aos professores pelo Ministério da Educação e na exigência de que o mesmo seja suspenso, tem como corolário lógico a não entrega da auto-avaliação, sinalizando assim a minha objecção de consciência face a um modelo de avaliação do desempenho que padece dos vícios que passo a expor:· É um modelo inteiramente comandado por uma estreita visão ideológica do que deve ser um professor, visão que, nas últimas décadas, dominou a formação dos docentes em Portugal. A sua influência sobre o sistema educativo tem procurado reduzir toda a riqueza, pluralidade e complexidade do trabalho docente a um formato único, definido por pedagogias pretensamente «novas», e o seu resultado tem-se traduzido, quase sempre, pelo declínio acentuado dos níveis de exigência e de rigor nos procedimentos de ensino. Esse declínio tem, de resto, a sua ilustração no escandaloso facilitismo que marcou os exames nacionais neste ano lectivo como no anterior.· O citado modelo de avaliação pretende quantificar, de forma absurda e hiperburocratizada, uma série de comportamentos e de actividades cujo carácter eminentemente qualitativo não cabe em fórmulas aritméticas. Só uma mentalidade tecnocrática, infelizmente instalada nos decisores ministeriais e nos ideólogos da educação, imagina que grelhas quantificadoras conseguem captar, com fidelidade, aquilo que um professor investe no processo educativo.· Pelo que foi dito acima, o modelo de avaliação do desempenho docente concebido pelo Ministério revela-se impróprio para reconhecer a genuína excelência de um professor, a qual se afere, acima de tudo, pela capacidade de, no acto de comunicação dos saberes, marcar e transformar duradouramente os alunos com as perspectivas de desenvolvimento individual que esse acto lhes pode abrir. Esta dimensão fundamental da relação pedagógica prima pela ausência no referido modelo, pois a ideologia que o informa é totalmente incapaz de a apreender.· Na sua versão original, consubstanciada no Decreto supracitado, o modelo de avaliação está ideologicamente orientado para converter o professor num fabricante de sucesso escolar artificial, mistificação produzida para inflacionar estatísticas que em nada correspondem aos saberes efectivos dos alunos. Desse modo se agrava, ano após ano, a crescente tendência para que os alunos concluam o seu percurso escolar mutilados por ignorâncias e iliteracias várias, as quais só não são maiores porque muitos professores continuam a fazer o seu trabalho à margem das doutrinas congeminadas pelos “especialistas” ministeriais.· A avaliação dos professores, consagrada neste modelo, releva de uma lógica de poder própria do mundo empresarial, apostada em aumentar o controlo sobre funcionários proletarizados e em punir os comportamentos classificados como desviantes ou improdutivos, mesmo quando estes conduzem a um enriquecimento das práticas sociais com sentido emancipador. Tal lógica, já de si perversa pelo tipo de relações de poder que insinua no espaço laboral, é absolutamente estranha ao cariz cooperativo que deveria pautar o relacionamento entre os diversos agentes do espaço pedagógico.· Na versão que lhe foi introduzida pelo Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, o modelo transformou-se em pouco mais do que uma farsa, abrindo a porta para que os professores sejam, na sua grande maioria, avaliados pelo cumprimento de funções meramente burocráticas, extrínsecas à sua prática lectiva, numa estratégia de mera sedução daqueles que têm demonstrando a sua revolta e indignação. Essa estratégia não visa mais do que obter vantagens político-eleitorais para o actual governo, sem qualquer intenção de melhorar as práticas educativas ou de premiar o mérito – mérito cuja definição está, de resto, presa da ideologia tecnocrática que denunciei atrás.· O modelo de avaliação, mesmo na versão dita «simplificada», assenta num sistema profundamente injusto de quotas para as classificações mais elevadas, que sabemos agora ser único em toda a União Europeia e ao qual a própria Ministra da Educação atribuiu, recentemente, um cunho apenas provisório – contrariando, assim, todo o discurso com que, meses antes, quis legitimar esse sistema. Provisória ou não, a imposição de quotas mostra-se desprovida de racionalidade no plano pedagógico, e surge sem outro fim que não seja o obstáculo artificial para a progressão na carreira, com o intuito de preservar a desvalorização salarial dos professores.· A implementação deste modelo de avaliação pretende reforçar a divisão da carreira docente entre professores titulares e não titulares, uma divisão que também não possui equivalente na maior parte dos países europeus e que só vem inserir assimetrias e desigualdades entre os professores para as quais não existe um fundamento científico-pedagógico plausível. A injustiça que pesa sobre tal divisão é agravada pelo facto de a mesma ter sido inaugurada por um concurso baseado em critérios absurdos, valorizando, acima de tudo, o exercício de cargos de natureza administrativa e não pedagógica, cobrindo apenas sete anos de carreiras profissionais longas e ricas, e penalizando situações de doença obviamente não imputáveis aos candidatos, o que levou a que muitos professores experientes e válidos fossem preteridos, no acesso à titularidade, a favor de colegas com currículos globais francamente inferiores.· A aplicação do modelo de avaliação em causa fica, por conseguinte, dependente de avaliadores seleccionados da forma referida no ponto anterior, a que acresce o facto de grande parte deles não ter habilitações especiais nem qualquer formação efectiva para avaliar colegas de profissão – um argumento que, no entanto, deve ser relativizado, tendo em conta que tal formação se destina a ser efectuada no âmbito das já referidas ideologias pedagógicas que são, em grande medida, responsáveis pelo desastre a que chegou o sistema de ensino em Portugal.Tudo isto me leva, pois, a manifestar a minha completa indisponibilidade para colaborar em qualquer fase deste processo de avaliação no que toca ao meu desempenho individual. Faço-o, como já disse, num espírito de objecção de consciência e não porque a auto-avaliação me suscite receio ou relutância. Devo, contudo, sublinhar que, no modelo em vigor bem como no anterior, a figura da auto-avaliação é um convite para o encómio em causa própria, rotineiro e inconsequente, e não para uma reflexão séria sobre o trabalho produzido, acabando por constituir, assim, mais um instrumento inócuo, a somar a todos aqueles que as modas pedagógicas dominantes nos tentam inculcar.Concluo este texto, sublinhando justamente a seriedade que me leva a assumir esta escolha. A minha ética profissional, feita de rigor e de exigência para comigo mesmo, que sempre acompanhou os meus vinte e três anos de entrega à actividade de professor, permite-me encarar, com serenidade, as consequências que possam advir da tomada de posição aqui enunciada. É, aliás, em nome dessa ética que considero ser um dever de consciência não participar num modelo iníquo que o Ministério da Educação insiste em impor, contra toda a razão, às escolas e aos professores deste país.Mário Artur Borda dos Santos Machaqueiro(Professor de Filosofia no Quadro de Nomeação Definitivada Escola Secundária de Caneças)


Subscrevo incondicionalmente o texto que aqui divulgo.A estatura intelectual e moral do colega e amigo Mário Machaqueiro inibe-o de alinhar em rituais que, a coberto de uma legalidade autocraticamente imposta, mas destituída de seriedade e de justiça, apenas visam sancionar a bandeira propagandística da avaliação dos professores, mesmo que no quotidiano das escolas isso se traduza num simulacro medíocre de aparência de avaliação e numa completa ausência de rigor e credibilidade, sem paralelo em qualquer modelo ou processos vigentes em legislaturas anteriores. À semelhança do Mário, também não participo nesta farsa e, como tal, não entregarei a FAA, pelo que escreverei um texto dirigido ao meu Director (o limite para a entrega da FAA foi empurrado para Setembro) que não andará muito longe daquele que o Mário, brilhantemente, redigiu.Aquele abraço, Mário!:::::Caneças, 30 de Junho de 2009Exmo. SenhorDirector da Escola Secundária de Caneças,Venho, por este meio, comunicar a minha decisão de não entregar qualquer documento relacionado com a minha auto-avaliação respeitante ao ano lectivo de 2008-2009. Esta decisão vem na sequência da minha tomada de posição anterior, expressa no facto de não ter entregue os objectivos individuais mencionados no Decreto Regulamentar n.º 2/2008 de 10 de Janeiro. Entendo que a não entrega desses objectivos, inscrita numa contestação do modelo de avaliação imposto aos professores pelo Ministério da Educação e na exigência de que o mesmo seja suspenso, tem como corolário lógico a não entrega da auto-avaliação, sinalizando assim a minha objecção de consciência face a um modelo de avaliação do desempenho que padece dos vícios que passo a expor:· É um modelo inteiramente comandado por uma estreita visão ideológica do que deve ser um professor, visão que, nas últimas décadas, dominou a formação dos docentes em Portugal. A sua influência sobre o sistema educativo tem procurado reduzir toda a riqueza, pluralidade e complexidade do trabalho docente a um formato único, definido por pedagogias pretensamente «novas», e o seu resultado tem-se traduzido, quase sempre, pelo declínio acentuado dos níveis de exigência e de rigor nos procedimentos de ensino. Esse declínio tem, de resto, a sua ilustração no escandaloso facilitismo que marcou os exames nacionais neste ano lectivo como no anterior.· O citado modelo de avaliação pretende quantificar, de forma absurda e hiperburocratizada, uma série de comportamentos e de actividades cujo carácter eminentemente qualitativo não cabe em fórmulas aritméticas. Só uma mentalidade tecnocrática, infelizmente instalada nos decisores ministeriais e nos ideólogos da educação, imagina que grelhas quantificadoras conseguem captar, com fidelidade, aquilo que um professor investe no processo educativo.· Pelo que foi dito acima, o modelo de avaliação do desempenho docente concebido pelo Ministério revela-se impróprio para reconhecer a genuína excelência de um professor, a qual se afere, acima de tudo, pela capacidade de, no acto de comunicação dos saberes, marcar e transformar duradouramente os alunos com as perspectivas de desenvolvimento individual que esse acto lhes pode abrir. Esta dimensão fundamental da relação pedagógica prima pela ausência no referido modelo, pois a ideologia que o informa é totalmente incapaz de a apreender.· Na sua versão original, consubstanciada no Decreto supracitado, o modelo de avaliação está ideologicamente orientado para converter o professor num fabricante de sucesso escolar artificial, mistificação produzida para inflacionar estatísticas que em nada correspondem aos saberes efectivos dos alunos. Desse modo se agrava, ano após ano, a crescente tendência para que os alunos concluam o seu percurso escolar mutilados por ignorâncias e iliteracias várias, as quais só não são maiores porque muitos professores continuam a fazer o seu trabalho à margem das doutrinas congeminadas pelos “especialistas” ministeriais.· A avaliação dos professores, consagrada neste modelo, releva de uma lógica de poder própria do mundo empresarial, apostada em aumentar o controlo sobre funcionários proletarizados e em punir os comportamentos classificados como desviantes ou improdutivos, mesmo quando estes conduzem a um enriquecimento das práticas sociais com sentido emancipador. Tal lógica, já de si perversa pelo tipo de relações de poder que insinua no espaço laboral, é absolutamente estranha ao cariz cooperativo que deveria pautar o relacionamento entre os diversos agentes do espaço pedagógico.· Na versão que lhe foi introduzida pelo Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, o modelo transformou-se em pouco mais do que uma farsa, abrindo a porta para que os professores sejam, na sua grande maioria, avaliados pelo cumprimento de funções meramente burocráticas, extrínsecas à sua prática lectiva, numa estratégia de mera sedução daqueles que têm demonstrando a sua revolta e indignação. Essa estratégia não visa mais do que obter vantagens político-eleitorais para o actual governo, sem qualquer intenção de melhorar as práticas educativas ou de premiar o mérito – mérito cuja definição está, de resto, presa da ideologia tecnocrática que denunciei atrás.· O modelo de avaliação, mesmo na versão dita «simplificada», assenta num sistema profundamente injusto de quotas para as classificações mais elevadas, que sabemos agora ser único em toda a União Europeia e ao qual a própria Ministra da Educação atribuiu, recentemente, um cunho apenas provisório – contrariando, assim, todo o discurso com que, meses antes, quis legitimar esse sistema. Provisória ou não, a imposição de quotas mostra-se desprovida de racionalidade no plano pedagógico, e surge sem outro fim que não seja o obstáculo artificial para a progressão na carreira, com o intuito de preservar a desvalorização salarial dos professores.· A implementação deste modelo de avaliação pretende reforçar a divisão da carreira docente entre professores titulares e não titulares, uma divisão que também não possui equivalente na maior parte dos países europeus e que só vem inserir assimetrias e desigualdades entre os professores para as quais não existe um fundamento científico-pedagógico plausível. A injustiça que pesa sobre tal divisão é agravada pelo facto de a mesma ter sido inaugurada por um concurso baseado em critérios absurdos, valorizando, acima de tudo, o exercício de cargos de natureza administrativa e não pedagógica, cobrindo apenas sete anos de carreiras profissionais longas e ricas, e penalizando situações de doença obviamente não imputáveis aos candidatos, o que levou a que muitos professores experientes e válidos fossem preteridos, no acesso à titularidade, a favor de colegas com currículos globais francamente inferiores.· A aplicação do modelo de avaliação em causa fica, por conseguinte, dependente de avaliadores seleccionados da forma referida no ponto anterior, a que acresce o facto de grande parte deles não ter habilitações especiais nem qualquer formação efectiva para avaliar colegas de profissão – um argumento que, no entanto, deve ser relativizado, tendo em conta que tal formação se destina a ser efectuada no âmbito das já referidas ideologias pedagógicas que são, em grande medida, responsáveis pelo desastre a que chegou o sistema de ensino em Portugal.Tudo isto me leva, pois, a manifestar a minha completa indisponibilidade para colaborar em qualquer fase deste processo de avaliação no que toca ao meu desempenho individual. Faço-o, como já disse, num espírito de objecção de consciência e não porque a auto-avaliação me suscite receio ou relutância. Devo, contudo, sublinhar que, no modelo em vigor bem como no anterior, a figura da auto-avaliação é um convite para o encómio em causa própria, rotineiro e inconsequente, e não para uma reflexão séria sobre o trabalho produzido, acabando por constituir, assim, mais um instrumento inócuo, a somar a todos aqueles que as modas pedagógicas dominantes nos tentam inculcar.Concluo este texto, sublinhando justamente a seriedade que me leva a assumir esta escolha. A minha ética profissional, feita de rigor e de exigência para comigo mesmo, que sempre acompanhou os meus vinte e três anos de entrega à actividade de professor, permite-me encarar, com serenidade, as consequências que possam advir da tomada de posição aqui enunciada. É, aliás, em nome dessa ética que considero ser um dever de consciência não participar num modelo iníquo que o Ministério da Educação insiste em impor, contra toda a razão, às escolas e aos professores deste país.Mário Artur Borda dos Santos Machaqueiro(Professor de Filosofia no Quadro de Nomeação Definitivada Escola Secundária de Caneças)

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