Octávio V Gonçalves: Magnífico texto do Mário Carneiro relativo à fundamentação da não entrega da FAA por parte dos colegas resistentes da Escola Secundária de Amora

04-08-2010
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Congratulo-me com esta posição e felicito o Mário e os demais colegas resistentes da Escola Secundária de Amora (onde leccionei no ano lectivo de 1989-1990) pela coragem e pelo exemplar sentido de coerência e de dignidade. Um exemplo para todos os professores!Recordo que, no essencial, esta posição é coincidente com a minha: recusar a participação em qualquer acto ou procedimento que tenha a ver com este desacreditado modelo de avaliação, mas ter disponível no meu registo biográfico um relatório sério e circunstanciado da minha actividade docente, dando um sinal de não rejeição da avaliação em si mesma, mas apenas de não participação nesta farsa.Acerca do problema da entrega ou não entrega da ficha de auto-avaliação do desempenhoNão tenho podido acompanhar, com pormenor, a discussão que se tem desenvolvido na blogosfera acerca deste assunto, contudo, tenho promovido esse debate na minha escola, conjuntamente com as cerca de três dezenas de resistentes, e participado activamente nele.Do ponto de vista de quem, como eu e muitos milhares de professores, está frontalmente contra este modelo de avaliação e, por isso, não procedeu à entrega dos objectivos individuais, três opções agora se colocam, como todos sabemos:1. Entregar a ficha de auto-avaliação com um texto de protesto em anexo, conforme os sindicatos aconselham;2. Entregar um relatório de reflexão crítica, distinto da ficha de auto-avaliação;3. Não entregar nada.Não entregar nada é a atitude que corresponde ao impulso natural de recusa do modelo e que constitui, de facto, uma ruptura total com a avaliação. Se o que se pretende, exclusivamente, é manifestar oposição absoluta à avaliação, não há dúvida de que esta é a melhor opção.Contudo, se o objectivo é assumir uma posição contra este modelo de avaliação, mas não contra toda e qualquer avaliação, não é este, do meu ponto de vista, o caminho que melhor evidencia essa posição. Além de que a opção de nada entregar tem um claro óbice: introduz-nos numa zona dúbia em que se misturam aqueles que não querem esta nem nenhuma outra avaliação e aqueles que são contra esta avaliação, mas não são contra a avaliação.Entregar a ficha de auto-avaliação com um texto de protesto, em anexo, conforme os sindicatos indicam, é, na minha opinião, um forma muito ténue e desproporcionada de fazer oposição a este modelo de avaliação. Um modelo de avaliação tecnicamente incompetente, deontologicamente inaceitável e desprezível, que provocou uma incomensurável revolta e gigantescos protestos, não pode/não deve suscitar da parte dos professores um comportamento de resignação pública, que acaba a resvalar para a aceitação formal de algo que se rejeita, como se se tratasse de uma inevitabilidade fazê-lo. Entregar a ficha de auto-avaliação sob protesto é dizer apenas isto: cumpro, ainda que não concorde. Ora isto, para além da enorme fragilidade que evidencia enquanto acto de resistência, não é um modo de luta proporcional à bestialidade da situação que se pretende combater, nem me parece coerente com o enorme protesto que durante ano e meio realizámos. Defendo, portanto, que deve ser entregue um relatório de reflexão crítica, desde que este relatório respeite, no mínimo, os seguintes requisitos:1. Deve ser completamente distinto da ficha de auto-avaliação e, por consequência, deve ser um relatório sério e de superior qualidade técnica.2. Deve ser introduzido por um texto cujo conteúdo assuma de modo inequívoco a recusa em ser avaliado por este modelo de avaliação.3. Deve, essa introdução, apresentar a fundamentação da recusa e afirmar que a rejeição de ser avaliado pelo actual modelo é um acto de objecção de consciência e de salvaguarda do inviolável reduto da dignidade profissional. Deste modo, penso eu, asseguram-se dois objectivos fundamentais:1. A recusa formal deste modelo de avaliação, porque nenhum acto previsto na legislação é cumprido pelo professor: nem a formulação e entrega dos objectivos individuais, nem a entrega da ficha de auto-avaliação.2. A afirmação de que a luta é contra este modelo de avaliação, mas não é contra a avaliação, e, por isso, é elaborado e entregue um relatório reflexivo da actividade desenvolvida. Na minha escola, decidimos fazer um texto introdutório comum a todos os relatórios de reflexão crítica, cujos tópicos são estes:a) É um imperativo ético e deontológico não permitir que a consciência individual nem a dignidade pessoal e profissional sejam violentadas, seja qual for a circunstância;b) A legislação que suporta ou que indirectamente está ligada ao actual modelo de avaliação do desempenho docente constitui uma objectiva violação da consciência e da dignidade profissional.Elementos da fundamentação:a) A arbitrariedade das regras do concurso para professor titular (do qual resultou uma selecção aleatória de docentes formalmente tidos como capacitados para o exercício das funções de avaliador);b) O gigantesco, inoperacional e incompetente modelo de avaliação preconizado pelo decreto regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro.c) As alterações introduzidas pelo decreto regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, trouxeram normas ainda mais ofensivas da dignidade profissional e da ética deontológica. Dois exemplos: a formulação de objectivos a meio do ano lectivo com efeitos retroactivos, isto é, formulam-se objectivos referentes a um tempo que já passou (e ainda há escolas com professores a formularem objectivos durante o mês de Junho!!!); a possibilidade de atribuição da classificação de muito bom ou de excelente através da observação de um ridículo número de aulas observadas num ridículo período de tempo;d) As conclusões apresentadas no último relatório do Conselho Científico para a Avaliação de Professores: muitos avaliadores não têm experiência, não têm formação específica nem têm perfil para avaliar o desempenho dos colegas; os avaliadores precisam de fazer formação superior de médio e longo prazo (pós-graduações).Penso, sinceramente, que este procedimento não só é digno e coerente com a luta que estamos a travar, há cerca de ano e meio, como lhe dá continuidade e força, e é profissionalmente sério.Mário Carneiro(Texto publicado no blogue O estado da educação e do resto)


Congratulo-me com esta posição e felicito o Mário e os demais colegas resistentes da Escola Secundária de Amora (onde leccionei no ano lectivo de 1989-1990) pela coragem e pelo exemplar sentido de coerência e de dignidade. Um exemplo para todos os professores!Recordo que, no essencial, esta posição é coincidente com a minha: recusar a participação em qualquer acto ou procedimento que tenha a ver com este desacreditado modelo de avaliação, mas ter disponível no meu registo biográfico um relatório sério e circunstanciado da minha actividade docente, dando um sinal de não rejeição da avaliação em si mesma, mas apenas de não participação nesta farsa.Acerca do problema da entrega ou não entrega da ficha de auto-avaliação do desempenhoNão tenho podido acompanhar, com pormenor, a discussão que se tem desenvolvido na blogosfera acerca deste assunto, contudo, tenho promovido esse debate na minha escola, conjuntamente com as cerca de três dezenas de resistentes, e participado activamente nele.Do ponto de vista de quem, como eu e muitos milhares de professores, está frontalmente contra este modelo de avaliação e, por isso, não procedeu à entrega dos objectivos individuais, três opções agora se colocam, como todos sabemos:1. Entregar a ficha de auto-avaliação com um texto de protesto em anexo, conforme os sindicatos aconselham;2. Entregar um relatório de reflexão crítica, distinto da ficha de auto-avaliação;3. Não entregar nada.Não entregar nada é a atitude que corresponde ao impulso natural de recusa do modelo e que constitui, de facto, uma ruptura total com a avaliação. Se o que se pretende, exclusivamente, é manifestar oposição absoluta à avaliação, não há dúvida de que esta é a melhor opção.Contudo, se o objectivo é assumir uma posição contra este modelo de avaliação, mas não contra toda e qualquer avaliação, não é este, do meu ponto de vista, o caminho que melhor evidencia essa posição. Além de que a opção de nada entregar tem um claro óbice: introduz-nos numa zona dúbia em que se misturam aqueles que não querem esta nem nenhuma outra avaliação e aqueles que são contra esta avaliação, mas não são contra a avaliação.Entregar a ficha de auto-avaliação com um texto de protesto, em anexo, conforme os sindicatos indicam, é, na minha opinião, um forma muito ténue e desproporcionada de fazer oposição a este modelo de avaliação. Um modelo de avaliação tecnicamente incompetente, deontologicamente inaceitável e desprezível, que provocou uma incomensurável revolta e gigantescos protestos, não pode/não deve suscitar da parte dos professores um comportamento de resignação pública, que acaba a resvalar para a aceitação formal de algo que se rejeita, como se se tratasse de uma inevitabilidade fazê-lo. Entregar a ficha de auto-avaliação sob protesto é dizer apenas isto: cumpro, ainda que não concorde. Ora isto, para além da enorme fragilidade que evidencia enquanto acto de resistência, não é um modo de luta proporcional à bestialidade da situação que se pretende combater, nem me parece coerente com o enorme protesto que durante ano e meio realizámos. Defendo, portanto, que deve ser entregue um relatório de reflexão crítica, desde que este relatório respeite, no mínimo, os seguintes requisitos:1. Deve ser completamente distinto da ficha de auto-avaliação e, por consequência, deve ser um relatório sério e de superior qualidade técnica.2. Deve ser introduzido por um texto cujo conteúdo assuma de modo inequívoco a recusa em ser avaliado por este modelo de avaliação.3. Deve, essa introdução, apresentar a fundamentação da recusa e afirmar que a rejeição de ser avaliado pelo actual modelo é um acto de objecção de consciência e de salvaguarda do inviolável reduto da dignidade profissional. Deste modo, penso eu, asseguram-se dois objectivos fundamentais:1. A recusa formal deste modelo de avaliação, porque nenhum acto previsto na legislação é cumprido pelo professor: nem a formulação e entrega dos objectivos individuais, nem a entrega da ficha de auto-avaliação.2. A afirmação de que a luta é contra este modelo de avaliação, mas não é contra a avaliação, e, por isso, é elaborado e entregue um relatório reflexivo da actividade desenvolvida. Na minha escola, decidimos fazer um texto introdutório comum a todos os relatórios de reflexão crítica, cujos tópicos são estes:a) É um imperativo ético e deontológico não permitir que a consciência individual nem a dignidade pessoal e profissional sejam violentadas, seja qual for a circunstância;b) A legislação que suporta ou que indirectamente está ligada ao actual modelo de avaliação do desempenho docente constitui uma objectiva violação da consciência e da dignidade profissional.Elementos da fundamentação:a) A arbitrariedade das regras do concurso para professor titular (do qual resultou uma selecção aleatória de docentes formalmente tidos como capacitados para o exercício das funções de avaliador);b) O gigantesco, inoperacional e incompetente modelo de avaliação preconizado pelo decreto regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro.c) As alterações introduzidas pelo decreto regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, trouxeram normas ainda mais ofensivas da dignidade profissional e da ética deontológica. Dois exemplos: a formulação de objectivos a meio do ano lectivo com efeitos retroactivos, isto é, formulam-se objectivos referentes a um tempo que já passou (e ainda há escolas com professores a formularem objectivos durante o mês de Junho!!!); a possibilidade de atribuição da classificação de muito bom ou de excelente através da observação de um ridículo número de aulas observadas num ridículo período de tempo;d) As conclusões apresentadas no último relatório do Conselho Científico para a Avaliação de Professores: muitos avaliadores não têm experiência, não têm formação específica nem têm perfil para avaliar o desempenho dos colegas; os avaliadores precisam de fazer formação superior de médio e longo prazo (pós-graduações).Penso, sinceramente, que este procedimento não só é digno e coerente com a luta que estamos a travar, há cerca de ano e meio, como lhe dá continuidade e força, e é profissionalmente sério.Mário Carneiro(Texto publicado no blogue O estado da educação e do resto)

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