Octávio V. Gonçalves: Sócrates não terá Amado

25-01-2011
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In Expresso, 13/11/2010
Esta entrevista de Luís Amado ao Expresso constitui uma jogada de mestre, pela sinalização pública de uma dissidência fundamental relativamente àquilo que Sócrates encarna e representa, num momento em que alguns desabafam lamentos e parecem conspirar em surdina (os soaristas), outros dão uma no cravo e duas na ferradura (como Francisco Assis) ou outros, ainda, não têm coragem para afrontar Sócrates e fingem desejar remodelações governamentais, fazendo crer que o epicentro dos problemas e da força centrífuga, que afastará o PS do poder, não é o próprio Sócrates (como Ana Gomes).
No essencial, Amado salta fora do carrossel da degradação governativa e salvaguarda-se da derrocada do já insuportável estilo socrático de fazer política, sugerindo as seguintes trajectórias em contramão a Sócrates:
- à dimensão partidária de Sócrates (da qual este primeiro-ministro nunca conseguiu descolar), Amado contrapõe uma dimensão de homem de Estado que coloca os interesses do país acima dos interesses partidários e da sua própria carreira política;
- se para sobreviver politicamente, Sócrates terá que se apegar, como lapa, ao poder, a sobrevivência de Amado dependerá  da sua declaração de total desapego do  poder (mesmo que estratégica, de forma a isolar e imputar a Sócrates, tanto a obsessão do poder, como a causa abortiva das soluções);
- em contraponto à arrogância e à prepotência socráticas, Amado explora uma postura de abertura, humildade, diálogo e serenidade;
- a sobriedade com que Amado exerce o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, e que deixa perpassar na entrevista, projecta dele uma imagem de competência, rigor e eficácia, ao invés da bazófia e da megalomania de Sócrates, que o tornam presa de um protagonismo doentio, a maioria das vezes injustificado, distorcido, fútil ou, mesmo, alucinado;
- contraria o optimismo socrático com um realismo e um pragmatismo notáveis;
- exime-se da tragédia socrática e posiciona-se como um referencial de autoridade, de segurança e de confiança para o futuro do PS, sensível àquilo que são as preocupações de uma parte substantiva do eleitorado.
O aparentemente irónico, é que é exactamente o membro do governo que transmite a imagem de maior seriedade/decência (juntamente com Mariano Gago) e que concitaria a maior aceitação para uma solução de governo de coligação, aquele que se disponibiliza a sair. Todavia, Luís Amado transferiu, com esta jogada de antecipação, toda a pressão de abdicação do poder para cima de Sócrates.
Pelo sumariamente exposto, considero que Sócrates não terá Amado, pelo menos no duplo sentido a que a expressão se presta (sem procurar significações mais psicanalíticas), ou seja, terá ficado profundamente desagrado com o conteúdo da entrevista, no modo como o fulmina politicamente, mas também ficou a saber que não deverá contar mais com Amado na perpetuação das ilusões.

In Expresso, 13/11/2010
Esta entrevista de Luís Amado ao Expresso constitui uma jogada de mestre, pela sinalização pública de uma dissidência fundamental relativamente àquilo que Sócrates encarna e representa, num momento em que alguns desabafam lamentos e parecem conspirar em surdina (os soaristas), outros dão uma no cravo e duas na ferradura (como Francisco Assis) ou outros, ainda, não têm coragem para afrontar Sócrates e fingem desejar remodelações governamentais, fazendo crer que o epicentro dos problemas e da força centrífuga, que afastará o PS do poder, não é o próprio Sócrates (como Ana Gomes).
No essencial, Amado salta fora do carrossel da degradação governativa e salvaguarda-se da derrocada do já insuportável estilo socrático de fazer política, sugerindo as seguintes trajectórias em contramão a Sócrates:
- à dimensão partidária de Sócrates (da qual este primeiro-ministro nunca conseguiu descolar), Amado contrapõe uma dimensão de homem de Estado que coloca os interesses do país acima dos interesses partidários e da sua própria carreira política;
- se para sobreviver politicamente, Sócrates terá que se apegar, como lapa, ao poder, a sobrevivência de Amado dependerá  da sua declaração de total desapego do  poder (mesmo que estratégica, de forma a isolar e imputar a Sócrates, tanto a obsessão do poder, como a causa abortiva das soluções);
- em contraponto à arrogância e à prepotência socráticas, Amado explora uma postura de abertura, humildade, diálogo e serenidade;
- a sobriedade com que Amado exerce o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, e que deixa perpassar na entrevista, projecta dele uma imagem de competência, rigor e eficácia, ao invés da bazófia e da megalomania de Sócrates, que o tornam presa de um protagonismo doentio, a maioria das vezes injustificado, distorcido, fútil ou, mesmo, alucinado;
- contraria o optimismo socrático com um realismo e um pragmatismo notáveis;
- exime-se da tragédia socrática e posiciona-se como um referencial de autoridade, de segurança e de confiança para o futuro do PS, sensível àquilo que são as preocupações de uma parte substantiva do eleitorado.
O aparentemente irónico, é que é exactamente o membro do governo que transmite a imagem de maior seriedade/decência (juntamente com Mariano Gago) e que concitaria a maior aceitação para uma solução de governo de coligação, aquele que se disponibiliza a sair. Todavia, Luís Amado transferiu, com esta jogada de antecipação, toda a pressão de abdicação do poder para cima de Sócrates.
Pelo sumariamente exposto, considero que Sócrates não terá Amado, pelo menos no duplo sentido a que a expressão se presta (sem procurar significações mais psicanalíticas), ou seja, terá ficado profundamente desagrado com o conteúdo da entrevista, no modo como o fulmina politicamente, mas também ficou a saber que não deverá contar mais com Amado na perpetuação das ilusões.

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