Vias de Facto: Tomando do sol a altura e compassando a universal pintura

23-01-2011
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Negri esteve em Lisboa, a convite da Fundação EDP e a propósito da exposição dedicada ao tema do Povo, organizada, entre outros, pelo José Neves e pelo Bruno Dias. Coube-me a tarefa da tradução simultânea, da qual outros disseram não ter corrido nada mal. E embora eu prefira outros azimutes e textos da lavra do cattivo maestro, devo dizer que ele me pareceu extremamente sólido na defesa dos seus pontos de vista. Não teve esta palestra o brilho daquela que o mesmo proferiu há alguns anos atrás, num auditório da FCSH, onde veio à baila a sua fama de agente secreto (sanguinetti et all) e outros temas de evidente pertinência. Desta vez Negri falou sobretudo dos mundos possíveis que contém este mundo, de como o comunismo é jovem e bem-parecido (apesar do cancro estalinista que o corrói), pairando como um espectro sobre o modo de produção capitalista, latente nos comportamentos do trabalho vivo, ameaçador nas formas de luta que percorrem o mundo. E se isto escrevo, é sobretudo porque noto que Carlos Vidal continua a fazer das suas, invocando agora Anselm Jappe em seu auxílio a propósito deste evento. Ora Jappe, que escreveu sobre Debord uma admirável biografia, tem a respeito de Negri e do operaísmo italiano um ponto de vista assaz menos informado. A comparação de Mário Tronti, Sergio Bologna e Antonio Negri (apenas para citar uns quantos) à social-democracia alemã de finais do século XIX, revela apenas  o seu desconhecimento tanto de uma coisa como da outra. E não será porventura casual que - discorrendo com autoridade e rigor filológico acerca de quase tudo - não tenha Jappe avançado a este respeito uma única demonstração daquilo que afirma. Ou poderá alguém com o mínimo de honestidade intelectual afirmar que a ideia mais forte do operaísmo - a de que são as lutas sociais da classe trabalhadora a moldar o desenvolvimento do modo de produção capitalista e não o contrário - se encontra já nos escritos de Engels, Kautsky ou outra eminência parda, dessas em que a II Internacional era prodigiosamente fértil?Tudo isto vai por isso arrumado no capítulo daquelas querelas e rivalidades mesquinhas, que tão comuns se mostram ser entre diferentes correntes políticas radicais que disputam terrenos contíguos. É preciso dar a isso a importância que merece (que é pouca) e encontrar, nas diferenças efectivamente existentes entre esses  filões teóricos, aquilo que pode ser relevante para um debate político carregado de actualidade. Parece-me que - a esse respeito - Jappe e o grupo Krisis se esgotam numa crítica da economia política que se encarrega sobretudo de renovar e actualizar um património antigo (que inclui, naturalmente, a II Internacional...) e que Negri e as pessoas agrupadas em torno da revista Multitudes se dedicam à equação de estratégias para pôr fim a essa economia política. Cada uma dessas perspectivas tem, naturalmente, virtudes e defeitos. Há em Jappe uma carga moralista a propósito da decadência cultural cujo tom adorniano (desculpa João Pedro, estás à vontade para demonstrar o meu equívoco) pouco ou nada me diz. E há em Negri uma vontade programática que amiúde se revela precipitada nos seus juízos (o mesmo para o Zé Neves). A questão será aqui delinear um percurso intelectual e político próprio, à medida dos nossos princípios como dos nossos fins, uma passagem do Noroeste que nos conduza na direcção desejada, uma carta de marear para navegar em tão tormentosas águas. Um pouco como quem procura uma outra rota para a Índia e assim mesmo acaba por encontrar um continente desconhecido. E agora Carlos, venha de lá esse Kacem.

Negri esteve em Lisboa, a convite da Fundação EDP e a propósito da exposição dedicada ao tema do Povo, organizada, entre outros, pelo José Neves e pelo Bruno Dias. Coube-me a tarefa da tradução simultânea, da qual outros disseram não ter corrido nada mal. E embora eu prefira outros azimutes e textos da lavra do cattivo maestro, devo dizer que ele me pareceu extremamente sólido na defesa dos seus pontos de vista. Não teve esta palestra o brilho daquela que o mesmo proferiu há alguns anos atrás, num auditório da FCSH, onde veio à baila a sua fama de agente secreto (sanguinetti et all) e outros temas de evidente pertinência. Desta vez Negri falou sobretudo dos mundos possíveis que contém este mundo, de como o comunismo é jovem e bem-parecido (apesar do cancro estalinista que o corrói), pairando como um espectro sobre o modo de produção capitalista, latente nos comportamentos do trabalho vivo, ameaçador nas formas de luta que percorrem o mundo. E se isto escrevo, é sobretudo porque noto que Carlos Vidal continua a fazer das suas, invocando agora Anselm Jappe em seu auxílio a propósito deste evento. Ora Jappe, que escreveu sobre Debord uma admirável biografia, tem a respeito de Negri e do operaísmo italiano um ponto de vista assaz menos informado. A comparação de Mário Tronti, Sergio Bologna e Antonio Negri (apenas para citar uns quantos) à social-democracia alemã de finais do século XIX, revela apenas  o seu desconhecimento tanto de uma coisa como da outra. E não será porventura casual que - discorrendo com autoridade e rigor filológico acerca de quase tudo - não tenha Jappe avançado a este respeito uma única demonstração daquilo que afirma. Ou poderá alguém com o mínimo de honestidade intelectual afirmar que a ideia mais forte do operaísmo - a de que são as lutas sociais da classe trabalhadora a moldar o desenvolvimento do modo de produção capitalista e não o contrário - se encontra já nos escritos de Engels, Kautsky ou outra eminência parda, dessas em que a II Internacional era prodigiosamente fértil?Tudo isto vai por isso arrumado no capítulo daquelas querelas e rivalidades mesquinhas, que tão comuns se mostram ser entre diferentes correntes políticas radicais que disputam terrenos contíguos. É preciso dar a isso a importância que merece (que é pouca) e encontrar, nas diferenças efectivamente existentes entre esses  filões teóricos, aquilo que pode ser relevante para um debate político carregado de actualidade. Parece-me que - a esse respeito - Jappe e o grupo Krisis se esgotam numa crítica da economia política que se encarrega sobretudo de renovar e actualizar um património antigo (que inclui, naturalmente, a II Internacional...) e que Negri e as pessoas agrupadas em torno da revista Multitudes se dedicam à equação de estratégias para pôr fim a essa economia política. Cada uma dessas perspectivas tem, naturalmente, virtudes e defeitos. Há em Jappe uma carga moralista a propósito da decadência cultural cujo tom adorniano (desculpa João Pedro, estás à vontade para demonstrar o meu equívoco) pouco ou nada me diz. E há em Negri uma vontade programática que amiúde se revela precipitada nos seus juízos (o mesmo para o Zé Neves). A questão será aqui delinear um percurso intelectual e político próprio, à medida dos nossos princípios como dos nossos fins, uma passagem do Noroeste que nos conduza na direcção desejada, uma carta de marear para navegar em tão tormentosas águas. Um pouco como quem procura uma outra rota para a Índia e assim mesmo acaba por encontrar um continente desconhecido. E agora Carlos, venha de lá esse Kacem.

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