O Quatro: A propósito do Tratado de Lisboa

22-12-2009
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Durante muito tempo, no aparente longo tempo da minha adolescência, o contacto com essa grandiosa e velha Europa foi feito, primeiro pela literatura, depois pelo cinema e, um pouco mais tarde, pelas histórias trazidas por uns tios emigrantes que voltavam à aldeia ora nas férias de verão ou então pelo natal.Com as sofisticadas prendas vinha a exaltação desses jovens tios que tinham encontrado fora aquilo que não conseguiram cá. Eu aguardava-os sempre com muita expectativa. Tanta que não dormia até que chegassem. Fazia as contas e a viagem parecia durar dias.Nunca lhes ouvi o lamento por estarem longe ou porque trabalhavam muito. Ouvia sim quão grandiosa era Paris, como eram evoluídos os franceses, como eram boas as estradas ou como tudo funcionava melhor lá fora. De certa maneira nunca me pareceu que a atitude fosse negativista. Ambicionar o que de bom os outros tinham nunca me pareceu medíocre.E eu notava que havia um género de ressentimento com o nosso atraso enquanto País, provavelmente correspondido pelo despeito de alguns vizinhos que disparavam um “emigrantes” que parecia querer diminui-los.O meu tio, o mais exuberante e de ideias vincadas, reclamava que aqui nada se passava e que a única coisa que o fazia voltar era a família. Aquilo soava-me a ameaça que receei sempre ver cumprida.Mas não. Os meus tios voltaram uma e outra vez e as diferenças iam-se esbatendo.Em 1987 fui ver, com o seu patrocínio, o que era Paris. E confesso que ainda a vi mais extraordinária do que a imaginei.Entretanto e quando deixou de me entusiasmar o brilho das prendas recebidas no natal ou aos meus tios a má qualidade das estradas em Portugal, o assunto deixou de se resumir às diferenças mas, sobretudo, passou a abordar as semelhanças. E as semelhanças orgulhavam as partes, tanto que as preocupações também passaram a ser comuns.A Europa tinha cá chegado e entrava-nos olhos dentro. Apesar disso ninguém tinha deixado de ser português por ter passado a europeu. As identidades, sem se confundirem, juntaram-se.Para perceber do que falo basta retroceder 20 anos para percebermos o quanto mudámos com a Europa.Se até aqui ela significou ter mais estradas, hospitais, escolas e tudo o que o dinheiro pode comprar, também lhe devemos o nosso novo lugar no mundo. Depois da união económica e social parece ter chegado a hora da política.Estou em crer que tanto o Tratado de Lisboa e o protagonismo de José Sócrates, como a Presidência da Comissão Europeia, com Durão Barroso, têm promovido a nossa identificação política com o projecto europeu, bem para além do nosso interesse tradicional nas ajudas comunitárias. E o que é a União Europeia hoje? É efectivamente uma potência económica mas com grandes problemas sociais que, melhor ou pior, têm merecido a atenção dos governos, sejam eles de direita ou da esquerda. Ache-se onde se faz melhor.Apesar de lhe faltar aprofundar a união política, e o Tratado de Lisboa é uma esperança, a Europa tem efectivamente união económica e social.As inter-relações económicas entre os países da União são tão profundas que impedem, num tempo de profunda crise, as antigas soluções que culminaram em duas arrasadoras guerras. Tal facto não impede o recrudescimento dos nacionalismos e da tentação proteccionista, decorrente da própria crise.Por isso a Europa não é um dado adquirido. É difícil desfazê-la mas qualquer tentativa deve preocupar tanto os europeístas convictos como todos os outros que apreciam a paz, o desenvolvimento e o crescimento económico, mesmo com os receios infundados de uma eventual perda de identidade. É que se pode falar em solidariedade europeia mesmo tendo em conta as enormes barreiras linguísticas, culturais e administrativas. Uma solidariedade que, com a crise, veio reforçar uma visão europeia de conjunto.Temos tradicionalmente trabalhado em conjunto e o aprofundamento político dessas relações não formarão, de certeza, uma pátria Europa, mas darão aos europeus maior capacidade de acção num mundo competitivo e em rápida mutação.Portugal continua a ganhar com a Europa e, por isso, mais do que nos queixarmos dela vejamos se as razões de queixa não residem em nós.Talvez seja como António Barreto diz. Dos mais ricos somos os mais pobres e entre o que temos e o que gostaríamos de ter ainda vai uma diferença considerável.Se queremos o máximo e não o temos só pode ser porque não estamos a conseguir lá chegar.Nota: Crónica publicada no DS


Durante muito tempo, no aparente longo tempo da minha adolescência, o contacto com essa grandiosa e velha Europa foi feito, primeiro pela literatura, depois pelo cinema e, um pouco mais tarde, pelas histórias trazidas por uns tios emigrantes que voltavam à aldeia ora nas férias de verão ou então pelo natal.Com as sofisticadas prendas vinha a exaltação desses jovens tios que tinham encontrado fora aquilo que não conseguiram cá. Eu aguardava-os sempre com muita expectativa. Tanta que não dormia até que chegassem. Fazia as contas e a viagem parecia durar dias.Nunca lhes ouvi o lamento por estarem longe ou porque trabalhavam muito. Ouvia sim quão grandiosa era Paris, como eram evoluídos os franceses, como eram boas as estradas ou como tudo funcionava melhor lá fora. De certa maneira nunca me pareceu que a atitude fosse negativista. Ambicionar o que de bom os outros tinham nunca me pareceu medíocre.E eu notava que havia um género de ressentimento com o nosso atraso enquanto País, provavelmente correspondido pelo despeito de alguns vizinhos que disparavam um “emigrantes” que parecia querer diminui-los.O meu tio, o mais exuberante e de ideias vincadas, reclamava que aqui nada se passava e que a única coisa que o fazia voltar era a família. Aquilo soava-me a ameaça que receei sempre ver cumprida.Mas não. Os meus tios voltaram uma e outra vez e as diferenças iam-se esbatendo.Em 1987 fui ver, com o seu patrocínio, o que era Paris. E confesso que ainda a vi mais extraordinária do que a imaginei.Entretanto e quando deixou de me entusiasmar o brilho das prendas recebidas no natal ou aos meus tios a má qualidade das estradas em Portugal, o assunto deixou de se resumir às diferenças mas, sobretudo, passou a abordar as semelhanças. E as semelhanças orgulhavam as partes, tanto que as preocupações também passaram a ser comuns.A Europa tinha cá chegado e entrava-nos olhos dentro. Apesar disso ninguém tinha deixado de ser português por ter passado a europeu. As identidades, sem se confundirem, juntaram-se.Para perceber do que falo basta retroceder 20 anos para percebermos o quanto mudámos com a Europa.Se até aqui ela significou ter mais estradas, hospitais, escolas e tudo o que o dinheiro pode comprar, também lhe devemos o nosso novo lugar no mundo. Depois da união económica e social parece ter chegado a hora da política.Estou em crer que tanto o Tratado de Lisboa e o protagonismo de José Sócrates, como a Presidência da Comissão Europeia, com Durão Barroso, têm promovido a nossa identificação política com o projecto europeu, bem para além do nosso interesse tradicional nas ajudas comunitárias. E o que é a União Europeia hoje? É efectivamente uma potência económica mas com grandes problemas sociais que, melhor ou pior, têm merecido a atenção dos governos, sejam eles de direita ou da esquerda. Ache-se onde se faz melhor.Apesar de lhe faltar aprofundar a união política, e o Tratado de Lisboa é uma esperança, a Europa tem efectivamente união económica e social.As inter-relações económicas entre os países da União são tão profundas que impedem, num tempo de profunda crise, as antigas soluções que culminaram em duas arrasadoras guerras. Tal facto não impede o recrudescimento dos nacionalismos e da tentação proteccionista, decorrente da própria crise.Por isso a Europa não é um dado adquirido. É difícil desfazê-la mas qualquer tentativa deve preocupar tanto os europeístas convictos como todos os outros que apreciam a paz, o desenvolvimento e o crescimento económico, mesmo com os receios infundados de uma eventual perda de identidade. É que se pode falar em solidariedade europeia mesmo tendo em conta as enormes barreiras linguísticas, culturais e administrativas. Uma solidariedade que, com a crise, veio reforçar uma visão europeia de conjunto.Temos tradicionalmente trabalhado em conjunto e o aprofundamento político dessas relações não formarão, de certeza, uma pátria Europa, mas darão aos europeus maior capacidade de acção num mundo competitivo e em rápida mutação.Portugal continua a ganhar com a Europa e, por isso, mais do que nos queixarmos dela vejamos se as razões de queixa não residem em nós.Talvez seja como António Barreto diz. Dos mais ricos somos os mais pobres e entre o que temos e o que gostaríamos de ter ainda vai uma diferença considerável.Se queremos o máximo e não o temos só pode ser porque não estamos a conseguir lá chegar.Nota: Crónica publicada no DS

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