O Cachimbo de Magritte: 2008: Violência na Grécia

08-08-2010
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Não sendo o acontecimento do ano, título que atribuo à eleição de Obama, os motins de Dezembro na Grécia foram muito reveladores de um debate subterrâneo que se está de novo a travar à esquerda. Basta estar um bocadinho atento para perceber que, por trás da evocação nostálgica do Maio de 68 e do idealismo de criar o mundo novo pegando fogo ao antigo, a retórica da revolta voltou a mostrar a velha linha de fractura entre a esquerda revolucionária e a esquerda social-democrata. Simplificando: a esquerda revolucionária continua a acreditar no uso político da violência como meio para chegar ao poder ou mudar a sociedade, a esquerda social-democrata já não acredita na eficácia e na legitimidade da violência e prefere jogar o jogo parlamentar, mesmo que não muito convencida. Voltando a simplificar, em Portugal os primeiros estão no PCP, os outros no Bloco de Esquerda. Simplificando ainda mais, na blogosfera portuguesa os revolucionários estão no Cinco Dias, que seguiu os desacatos com indisfarçável assiduidade, e os sociais-democratas no Arrastão, que os condenou em nome de um muito vago "pacifismo".O que é que querem os jovens gregos que partem montras de multinacionais e atiram pedras à polícia? Nada de concreto: nem sequer pedem o fim do capitalismo ou da globalização. "É a própria vida que tem de mudar", resumia o Público aqui há uns tempos. Seja lá o que isso for. Como Raymond Aron disse em fórmula célebre do Maio de 68, é uma "révolution introuvable", uma revolução sem autor, sem mapa e sem paradeiro. Que uma parte da opinião pública se sinta fascinada por esta explosão irracional e antidemocrática de violência só se explica pela orfandade ideológica. Não é apenas, mas também, a "queda do Muro". É, antes, o fim inglório e sangrento das FP 25, das Brigadas Vermelhas, dos Baader Meinhoff, do Sendero Luminoso, das FARC. Só a ETA persiste na sua triste faina de ceifeira, se descontarmos a comédia do Comandante Marcos em Chiapas. Uns e outros, nada curiosamente, por entre as mesmas simpatias. Há uma esquerda profunda que continua a odiar isto a que chamamos Ocidente. De vez em quando, a pretexto de uma crise económica ou politica qualquer, reaparecem para anunciar o apocalipse, ao qual não desdenham dar uma ajudinha porque a ditadura do proletariado não virá por obra e graça do Espírito Santo (um porco capitalista, como se sabe). A mocada helénica renova-lhes a esperança de estarem do lado certo do devir, lutando pela utopia contra a ordem burguesa. Para compreender este apelo da violência há que recuar cem anos, quando o anarquismo era a grande doutrina revolucionária e a promessa do fim da opressão. Conrad (O Agente Secreto) e Chesterton (O Homem que Era Quinta-Feira) descrevem-nos esse mundo, de que nascem em linha recta o fascismo e o estalinismo, no qual o futuro seria baptizado em sangue. Não deixa de ser irónico que os anarquistas tenham sido devorados pelos seus filhos, perseguidos tanto na Rússia comunista como na Europa fascista com uma raiva a que a democracia "decadente" (Aron outra vez) nunca saberia dar uso. E foi assim que os anarquistas deixaram de ser arautos do progresso em proveito dos senhores Hitler, Mussolini e Estaline. Que também já não estão por cá, recordo. A história ensina-nos muito.


Não sendo o acontecimento do ano, título que atribuo à eleição de Obama, os motins de Dezembro na Grécia foram muito reveladores de um debate subterrâneo que se está de novo a travar à esquerda. Basta estar um bocadinho atento para perceber que, por trás da evocação nostálgica do Maio de 68 e do idealismo de criar o mundo novo pegando fogo ao antigo, a retórica da revolta voltou a mostrar a velha linha de fractura entre a esquerda revolucionária e a esquerda social-democrata. Simplificando: a esquerda revolucionária continua a acreditar no uso político da violência como meio para chegar ao poder ou mudar a sociedade, a esquerda social-democrata já não acredita na eficácia e na legitimidade da violência e prefere jogar o jogo parlamentar, mesmo que não muito convencida. Voltando a simplificar, em Portugal os primeiros estão no PCP, os outros no Bloco de Esquerda. Simplificando ainda mais, na blogosfera portuguesa os revolucionários estão no Cinco Dias, que seguiu os desacatos com indisfarçável assiduidade, e os sociais-democratas no Arrastão, que os condenou em nome de um muito vago "pacifismo".O que é que querem os jovens gregos que partem montras de multinacionais e atiram pedras à polícia? Nada de concreto: nem sequer pedem o fim do capitalismo ou da globalização. "É a própria vida que tem de mudar", resumia o Público aqui há uns tempos. Seja lá o que isso for. Como Raymond Aron disse em fórmula célebre do Maio de 68, é uma "révolution introuvable", uma revolução sem autor, sem mapa e sem paradeiro. Que uma parte da opinião pública se sinta fascinada por esta explosão irracional e antidemocrática de violência só se explica pela orfandade ideológica. Não é apenas, mas também, a "queda do Muro". É, antes, o fim inglório e sangrento das FP 25, das Brigadas Vermelhas, dos Baader Meinhoff, do Sendero Luminoso, das FARC. Só a ETA persiste na sua triste faina de ceifeira, se descontarmos a comédia do Comandante Marcos em Chiapas. Uns e outros, nada curiosamente, por entre as mesmas simpatias. Há uma esquerda profunda que continua a odiar isto a que chamamos Ocidente. De vez em quando, a pretexto de uma crise económica ou politica qualquer, reaparecem para anunciar o apocalipse, ao qual não desdenham dar uma ajudinha porque a ditadura do proletariado não virá por obra e graça do Espírito Santo (um porco capitalista, como se sabe). A mocada helénica renova-lhes a esperança de estarem do lado certo do devir, lutando pela utopia contra a ordem burguesa. Para compreender este apelo da violência há que recuar cem anos, quando o anarquismo era a grande doutrina revolucionária e a promessa do fim da opressão. Conrad (O Agente Secreto) e Chesterton (O Homem que Era Quinta-Feira) descrevem-nos esse mundo, de que nascem em linha recta o fascismo e o estalinismo, no qual o futuro seria baptizado em sangue. Não deixa de ser irónico que os anarquistas tenham sido devorados pelos seus filhos, perseguidos tanto na Rússia comunista como na Europa fascista com uma raiva a que a democracia "decadente" (Aron outra vez) nunca saberia dar uso. E foi assim que os anarquistas deixaram de ser arautos do progresso em proveito dos senhores Hitler, Mussolini e Estaline. Que também já não estão por cá, recordo. A história ensina-nos muito.

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