O Cachimbo de Magritte: A última baixa pombalina

05-08-2010
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A entrevista de Maria José Nogueira Pinto ao "Diga Lá Excelência", que ontem vi na RTP2 e hoje no Público, não me esclareceu sobre seu o imbróglio de faca e alguidar com o PSD lisboeta, mas deixou-me uma certeza: Zezinha é mais uma vítima do Marquês de Pombal. Vejamos. O que é que a levou à ruptura com Carmona Rodrigues (ou vice-versa)? Querer alguém de confiança a dirigir a Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa, uma exigência compreensível tendo em conta que o projecto, pelo qual deu a cara, é hoje o maior desafio urbanístico de Lisboa. Quando lemos que o já célebre plano por si apadrinhado prevê abrir um túnel no Príncipe Real para desanuviar o trânsito na Praça do Comércio, percebemos a dimensão da coisa. Acontece que a Baixa, tal como existe, é irreabilitável. E é-o porque foi pensada como um sistema sem espaço(s) para mudar e fechado ao exterior, uma estrutura em que todos os elementos são rigidamente interdependentes. Não se consegue mexer num deles sem tocar nos outros. Em suma, um "projecto totalitário", nas palavras fortes do arquitecto José Manuel Fernandes. Pombal transformou um labirinto vivo e onde as pessoas fervilhavam aos milhares em ruelas, travessas e pracetas, numa utopia rectilínea sem lugar para uma esplanada de café. A não ser, claro, nas duas grandes praças que encerram, a sul e a norte, a teia pombalina: a Praça do Comércio, que reservou para cenário do poder absoluto, e o Rossio, que abandonou ao povo. Entre ambas, só há rectas paralelas e perpendiculares sem passeios nem recantos. Um deserto feito para nómadas. Nem as igrejas, velhos pólos de sociabilidade, têm adros dignos desse nome. É esta utopia onde não se pode viver que Maria José Nogueira Pinto quer reabilitar. Mas as utopias não se reabilitam - pela simples razão de que se crêem perfeitas. O Marquês encarcerou Lisboa na sua rede iluminada, talvez (Deus nos livre...) até novo terramoto, e ela, como tantos lisboetas, não conseguiu escapar-lhe.


A entrevista de Maria José Nogueira Pinto ao "Diga Lá Excelência", que ontem vi na RTP2 e hoje no Público, não me esclareceu sobre seu o imbróglio de faca e alguidar com o PSD lisboeta, mas deixou-me uma certeza: Zezinha é mais uma vítima do Marquês de Pombal. Vejamos. O que é que a levou à ruptura com Carmona Rodrigues (ou vice-versa)? Querer alguém de confiança a dirigir a Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa, uma exigência compreensível tendo em conta que o projecto, pelo qual deu a cara, é hoje o maior desafio urbanístico de Lisboa. Quando lemos que o já célebre plano por si apadrinhado prevê abrir um túnel no Príncipe Real para desanuviar o trânsito na Praça do Comércio, percebemos a dimensão da coisa. Acontece que a Baixa, tal como existe, é irreabilitável. E é-o porque foi pensada como um sistema sem espaço(s) para mudar e fechado ao exterior, uma estrutura em que todos os elementos são rigidamente interdependentes. Não se consegue mexer num deles sem tocar nos outros. Em suma, um "projecto totalitário", nas palavras fortes do arquitecto José Manuel Fernandes. Pombal transformou um labirinto vivo e onde as pessoas fervilhavam aos milhares em ruelas, travessas e pracetas, numa utopia rectilínea sem lugar para uma esplanada de café. A não ser, claro, nas duas grandes praças que encerram, a sul e a norte, a teia pombalina: a Praça do Comércio, que reservou para cenário do poder absoluto, e o Rossio, que abandonou ao povo. Entre ambas, só há rectas paralelas e perpendiculares sem passeios nem recantos. Um deserto feito para nómadas. Nem as igrejas, velhos pólos de sociabilidade, têm adros dignos desse nome. É esta utopia onde não se pode viver que Maria José Nogueira Pinto quer reabilitar. Mas as utopias não se reabilitam - pela simples razão de que se crêem perfeitas. O Marquês encarcerou Lisboa na sua rede iluminada, talvez (Deus nos livre...) até novo terramoto, e ela, como tantos lisboetas, não conseguiu escapar-lhe.

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