Desde 1910 que a “rotunda do Marquês” é local de balbúrdia e desordem política. A mais recente garraiada foi a “guerra dos cartazes” entre um partido fedorento e um gato (por lebre) político. Durante a refrega dos cartazes discutiu-se quase tudo: os altos princípios da liberdade e da tolerância, os “limites do pluralismo” e o corte de cabelo do sujeito que aparece num dos cartazes. Só faltou discutir uma questão de pormenor: a imigração e a União Europeia.Emigrar não é uma mudança de soberania política, simples e abstracta: para a generalidade dos emigrantes é um corte brutal e radical. Para trás fica muitas vezes, tudo o que se estima e conhece, tudo o que confere inteligibilidade ao mundo: família, língua, costumes e hábitos. Duvido que a generalidade das pessoas já tenha reflectido seriamente sobre a enorme violência que a decisão envolve. O principal motivo que leva um número tão elevado de seres humanos a enfrentar os riscos e incertezas decorrentes da decisão de emigrar é a enorme diferença entre os padrões de bem estar nos países de destino e nos países de origem.Mas é preciso compreender que a emigração é em grande parte o resultado visível de obstáculos que os países mais desenvolvidos colocam ao crescimento económico dos países mais pobres. Essa rede complexa e densa de obstáculos tem um nome: proteccionismo. É impossível contabilizar as vítimas do proteccionismo, mas é fácil perceber como funciona esse assassino silencioso. A transacção de bens e serviços é a tecnologia mais simples e eficaz para produzir riqueza; se o proteccionismo dificulta ou no limite impede o motor de geração de riqueza de funcionar, as multidões de vítimas do proteccionismo deslocam-se fisicamente à procura de melhores condições de vida.O proteccionismo é eticamente repugnante mas politicamente lucrativo. EUA, Japão e UE são os “campeões” do proteccionismo mundial, para benefício de minorias com peso político, como os agricultores. Os custos são suportados pelos consumidores e “exportados” para os países menos desenvolvidos. Os consumidores ocidentais têm grande dificuldade em perceber que o proteccionismo os prejudica, porque os custos são disseminados por uma base alargada de vítimas: quantos japoneses terão a noção que o custo de produção de um quilo de arroz importado da Índia é 60 vezes inferior ao preço que pagam e que o diferencial é o resultado das barreiras políticas à importação –do proteccionismo?Os principais prejudicados são os países africanos e latino-americanos, que por sua vez, instigados pelo discurso criminoso da antiglobalization.com, respondem ao proteccionismo com a mais estúpida das estratégias: mais proteccionismo. Os resultados conseguidos pelas poucas excepções, são evidentes: os países que apresentam maiores graus de integração internacional apresentam também indicadores de desempenho económico e social incomparavelmente superiores.Se o cartaz do partido fedorento é xenófobo, a réplica do gato político é ignorante: a emigração é sintoma de uma economia mundial pouco saudável, não é nada de intrinsecamente desejável. Mas então por que razão ninguém se lembra de afixar um cartaz a pedir: “Mais comércio internacional, menos proteccionismo”?Especialmente na UE, a emigração provocada pelo proteccionismo proporciona uma solução aparentemente fácil para um problema de invenção socialista: o financiamento dos sistemas de reforma assentes (quase exclusivamente) no princípio da repartição. Com longevidades crescentes e populações activas decrescentes, onde encontrar o diferencial de “contribuintes”? Importa-se.Não deixa de ser extraordinário que sejam as gerações mais influenciadas pelo liberalismo político de Rawls a defender a “necessidade” de mais emigração para sustentar o “modelo social europeu”, sem qualquer incómodo visível perante a evidente violação do princípio ético kantiano da não instrumentalização de seres humanos.Ironicamente, o peso sufocante dos impostos começa a provocar na UE a mesma erosão que o proteccionismo europeu provocou no capital humano dos países menos desenvolvidos. Num estudo de 2004, Gilles Saint-Paul apresentou evidência empírica que sugere a existência de um efeito muito significativo de “desnatação” da força de trabalho europeia: a proporção de PhD’s entre os emigrados europeus nos EUA é de cerca de 10%, enquanto que a mesma proporção entre a população europeia é de cerca de 0,5 a 1%. Empregando hipóteses plausíveis, cerca de 50% do trabalho europeu com maior qualificação –que é decisivo no crescimento económico– poderá estar nos EUA.O “modelo social europeu” é um plano de suicídio político e económico. Por essa razão, entre outras, é crucial saber se a nomenklatura da UE pretende insistir na famigerada Carta de Direitos Fundamentais como parte integrante do Tratado Constitucional, deixando de ser apenas uma declaração tal como foi aprovada em 2000 em Nice. A ser o caso, um possível entendimento político entre o presidente da República e o primeiro ministro com o objectivo de ratificar o Tratado sem a maçada da discussão política torna-se (ainda) mais grave. Como não estou pronto para essa morte politicamente assistida, na falta de opções não hesitarei em fazer as malas e partir de vez: garantem os fedorentos que com os portugueses não resulta.
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Desde 1910 que a “rotunda do Marquês” é local de balbúrdia e desordem política. A mais recente garraiada foi a “guerra dos cartazes” entre um partido fedorento e um gato (por lebre) político. Durante a refrega dos cartazes discutiu-se quase tudo: os altos princípios da liberdade e da tolerância, os “limites do pluralismo” e o corte de cabelo do sujeito que aparece num dos cartazes. Só faltou discutir uma questão de pormenor: a imigração e a União Europeia.Emigrar não é uma mudança de soberania política, simples e abstracta: para a generalidade dos emigrantes é um corte brutal e radical. Para trás fica muitas vezes, tudo o que se estima e conhece, tudo o que confere inteligibilidade ao mundo: família, língua, costumes e hábitos. Duvido que a generalidade das pessoas já tenha reflectido seriamente sobre a enorme violência que a decisão envolve. O principal motivo que leva um número tão elevado de seres humanos a enfrentar os riscos e incertezas decorrentes da decisão de emigrar é a enorme diferença entre os padrões de bem estar nos países de destino e nos países de origem.Mas é preciso compreender que a emigração é em grande parte o resultado visível de obstáculos que os países mais desenvolvidos colocam ao crescimento económico dos países mais pobres. Essa rede complexa e densa de obstáculos tem um nome: proteccionismo. É impossível contabilizar as vítimas do proteccionismo, mas é fácil perceber como funciona esse assassino silencioso. A transacção de bens e serviços é a tecnologia mais simples e eficaz para produzir riqueza; se o proteccionismo dificulta ou no limite impede o motor de geração de riqueza de funcionar, as multidões de vítimas do proteccionismo deslocam-se fisicamente à procura de melhores condições de vida.O proteccionismo é eticamente repugnante mas politicamente lucrativo. EUA, Japão e UE são os “campeões” do proteccionismo mundial, para benefício de minorias com peso político, como os agricultores. Os custos são suportados pelos consumidores e “exportados” para os países menos desenvolvidos. Os consumidores ocidentais têm grande dificuldade em perceber que o proteccionismo os prejudica, porque os custos são disseminados por uma base alargada de vítimas: quantos japoneses terão a noção que o custo de produção de um quilo de arroz importado da Índia é 60 vezes inferior ao preço que pagam e que o diferencial é o resultado das barreiras políticas à importação –do proteccionismo?Os principais prejudicados são os países africanos e latino-americanos, que por sua vez, instigados pelo discurso criminoso da antiglobalization.com, respondem ao proteccionismo com a mais estúpida das estratégias: mais proteccionismo. Os resultados conseguidos pelas poucas excepções, são evidentes: os países que apresentam maiores graus de integração internacional apresentam também indicadores de desempenho económico e social incomparavelmente superiores.Se o cartaz do partido fedorento é xenófobo, a réplica do gato político é ignorante: a emigração é sintoma de uma economia mundial pouco saudável, não é nada de intrinsecamente desejável. Mas então por que razão ninguém se lembra de afixar um cartaz a pedir: “Mais comércio internacional, menos proteccionismo”?Especialmente na UE, a emigração provocada pelo proteccionismo proporciona uma solução aparentemente fácil para um problema de invenção socialista: o financiamento dos sistemas de reforma assentes (quase exclusivamente) no princípio da repartição. Com longevidades crescentes e populações activas decrescentes, onde encontrar o diferencial de “contribuintes”? Importa-se.Não deixa de ser extraordinário que sejam as gerações mais influenciadas pelo liberalismo político de Rawls a defender a “necessidade” de mais emigração para sustentar o “modelo social europeu”, sem qualquer incómodo visível perante a evidente violação do princípio ético kantiano da não instrumentalização de seres humanos.Ironicamente, o peso sufocante dos impostos começa a provocar na UE a mesma erosão que o proteccionismo europeu provocou no capital humano dos países menos desenvolvidos. Num estudo de 2004, Gilles Saint-Paul apresentou evidência empírica que sugere a existência de um efeito muito significativo de “desnatação” da força de trabalho europeia: a proporção de PhD’s entre os emigrados europeus nos EUA é de cerca de 10%, enquanto que a mesma proporção entre a população europeia é de cerca de 0,5 a 1%. Empregando hipóteses plausíveis, cerca de 50% do trabalho europeu com maior qualificação –que é decisivo no crescimento económico– poderá estar nos EUA.O “modelo social europeu” é um plano de suicídio político e económico. Por essa razão, entre outras, é crucial saber se a nomenklatura da UE pretende insistir na famigerada Carta de Direitos Fundamentais como parte integrante do Tratado Constitucional, deixando de ser apenas uma declaração tal como foi aprovada em 2000 em Nice. A ser o caso, um possível entendimento político entre o presidente da República e o primeiro ministro com o objectivo de ratificar o Tratado sem a maçada da discussão política torna-se (ainda) mais grave. Como não estou pronto para essa morte politicamente assistida, na falta de opções não hesitarei em fazer as malas e partir de vez: garantem os fedorentos que com os portugueses não resulta.