O Cachimbo de Magritte: Estrela Solitária

05-08-2010
marcar artigo


Tenho vontade de salvar Garrincha. Tenho vontade de ir lá atrás, a mil novecentos e sessenta e tal, e salvar Garrincha dele próprio, da cachaça, das pernas tortas e do insaciável pau grande, de Pau Grande, terra que era a dele e onde não podia voltar, da mulher feia que só lhe deu filhas, oito ou nove, não interessa, só filhas, nem um macho, um Garrinchinha, esse teve de ser feito noutros ventres, e sabem uma coisa?, morreram dois, sobrou um Garrinchinha escandinavo, feito à primeira, com a temível pontaria do índio, numa menininha sueca e loira, em cinquenta e oito, ano de ouro. Tenho vontade de o salvar dos defesas, dos “joões” que ele fintava e voltava para trás para fintar outra vez, das multidões que o adoravam e que, mais tarde, não lhe pouparam assobios e vaias, do Brasil moralista que o condenou por amar uma mulher e ser amado por ela. Mas a salvo disto tudo, quem teria sido Garrincha? Pelé. Génio da bola e do mastercard, homem e marca de sucesso. Deixa estar. Deixa o Garrincha semi-analfabeto, burro, bêbado, mau pai de família. Deixa o Garrincha assim, para sempre. Deixa o Garrincha naqueles três minutos em que um par de pernas tortas reduziu o “futebol científico” dos soviéticos à categoria das pseudo-ciências. Se o desporto de Garrincha fosse o lançamento de foguetões, Gagarin nunca teria tirado os pés do chão. Garrincha é a prova de que não necessitamos de deuses que paguem pelos nossos pecados. Precisamos de homens imperfeitos que os cometam por nós.


Tenho vontade de salvar Garrincha. Tenho vontade de ir lá atrás, a mil novecentos e sessenta e tal, e salvar Garrincha dele próprio, da cachaça, das pernas tortas e do insaciável pau grande, de Pau Grande, terra que era a dele e onde não podia voltar, da mulher feia que só lhe deu filhas, oito ou nove, não interessa, só filhas, nem um macho, um Garrinchinha, esse teve de ser feito noutros ventres, e sabem uma coisa?, morreram dois, sobrou um Garrinchinha escandinavo, feito à primeira, com a temível pontaria do índio, numa menininha sueca e loira, em cinquenta e oito, ano de ouro. Tenho vontade de o salvar dos defesas, dos “joões” que ele fintava e voltava para trás para fintar outra vez, das multidões que o adoravam e que, mais tarde, não lhe pouparam assobios e vaias, do Brasil moralista que o condenou por amar uma mulher e ser amado por ela. Mas a salvo disto tudo, quem teria sido Garrincha? Pelé. Génio da bola e do mastercard, homem e marca de sucesso. Deixa estar. Deixa o Garrincha semi-analfabeto, burro, bêbado, mau pai de família. Deixa o Garrincha assim, para sempre. Deixa o Garrincha naqueles três minutos em que um par de pernas tortas reduziu o “futebol científico” dos soviéticos à categoria das pseudo-ciências. Se o desporto de Garrincha fosse o lançamento de foguetões, Gagarin nunca teria tirado os pés do chão. Garrincha é a prova de que não necessitamos de deuses que paguem pelos nossos pecados. Precisamos de homens imperfeitos que os cometam por nós.

marcar artigo