Esquerda Republicana: alegre vitória ou triste derrota?

06-08-2010
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Aquele que devia ter sido o grande objectivo da esquerda nas últimas eleições presidenciais era a derrota de Cavaco Silva. Como ficou claro na altura, face à união dos partidos da direita isso só poderia ter sido alcançado com a respectiva união dos partidos da esquerda. Mas, todos bem sabemos, nada disso aconteceu.

Bloco e PCP decidiram enveredar pelo pobre caminho totalitário do one man show, lançando os respectivos líderes --- que ainda pouco tempo antes tinham concorrido para primeiro-ministro. O PS decidiu, de forma incompreensível, lançar Soares para uma terceira corrida, num estilo muito pouco republicano. Manuel Alegre, aquela que era de longe a melhor escolha para o combate eleitoral da altura, ficou à margem do sistema, pese embora o resultado final.

O objectivo agora mantém-se e torna-se ainda mais urgente: é necessário derrotar Cavaco Silva. Infelizmente, tudo aponta para novo descalabro. Goste-se ou não, as "máquinas" partidárias desempenham um papel importante numa eleição pelo que a união à esquerda é condição necessária... mas ao que parece inexistente!

Não sei se desta feita Alegre ainda é a melhor opção: para além de já ter sido derrotado por Cavaco no passado, parece uma batalha da "brigada do reumático" lançar um homem de 74 anos contra um outro de 71... Mas bom, na falta de sangue novo e capaz são as hipóteses em cima da mesa. Infinitamente melhor que Cavaco, mesmo assim Alegre necessita do empenho convergente dos partidos da esquerda para poder ganhar. E o que fazem estes? Parecem todos juntos querer sabotar qualquer hipótese de vitória...

O PS, descontente com a forma como Alegre se comportou para com o seu partido nos últimos 5 anos já deu o mote, mas mantém-se em dúvida num "nim" nada benéfico. O aviso foi logo dado de início [1],

«[...] António Vitorino diz que não basta falar de pátria para se reclamar uma candidatura à presidência da República que seja transversal a toda a sociedade portuguesa, considerando que para vencer as presidenciais é preciso conquistar o centro. O socialista defende que para ter o apoio do PS, Manuel Alegre tem que descolar do BE. [...]»

Ao mesmo tempo, foi também reconhecida a necessidade de alguma forma de convergência [2],

«[...] O líder parlamentar do PS, Francisco Assis, afirmou ontem que o partido deve estar unido para derrotar Cavaco Silva nas próximas eleições presidenciais, em 2011, algo que considera ser possível “pela primeira vez na história”. [...]

Sobre a candidatura de Manuel Alegre, o único que já confirmou a sua candidatura para as próximas presidenciais, Francisco Assis admite que “é preciso ter o apoio de toda a esquerda”. “As eleições não se vencem se a esquerda não estiver unida. O pior que nos pode acontecer é voltarmos a ter dois candidatos à esquerda”, afirmou o líder parlamentar. [...]»

Convergência essa nem sempre reconhecida por todos, a começar pelo próprio candidato [3],

«[...] [A] função do Presidente, insistiu Alegre, “também não é para fazer o discurso do governo”, prometendo que o seu será sempre “autónomo, responsável, independente e livre”. Porque é sua convicção que o chefe de Estado “pode fazer a diferença e ser um factor de mudança. Pode até ser uma alternativa”. Não de Governo, insistiu, “mas de atitude, de pensamento, de visão de Portugal”, que “não reduza a Nação apenas à economia”.

“O Presidente não governa”, concorda Alegre, “mas pode e deve propor um debate nacional que permita a Portugal sair da crise em que se encontra.” Mais: “Cabe-lhe convocar o país para as reflexões sobre indecisões e contradições.” [...]»

Vejamos, vindo de quem vem, o discurso é positivo. Mas, ao mesmo tempo, um discurso de "alternativa" nos mesmos moldes, vindo da parte de Cavaco Silva, não colhe o mesmo gosto! Ficou outra nota positiva [3]

«[...] É preciso regressar ao Estado social e lembrou os exemplos dos Estados Unidos – onde Obama conseguiu passar a reforma da saúde – e da França – onde a esquerda se mobilizou para ganhar as regionais. “Passou o tempo do deixar fazer, do deixar nadar. Esta é a hora da responsabilidade política e social do Estado.” [...]»

e o aviso claro, que me parece ser ponto chave [3]

«[...] “O PSD já tornou claro que considera a reeleição do actual Presidente uma condição fundamental para o regresso ao poder”, recordou [...]»

Mas, até agora, apenas surgiu o apoio do Bloco. E o que fazem? Bom, o Bloco parece querer Alegre só para si, orientando a candidatura como forma de combate ao PS. Nada que não pudesse ser previsível há vários meses [4],

«[...] Se Francisco Louçã quisesse ver Manuel Alegre ser eleito Presidente da República não teria apoiado de forma precoce e oportunista a sua candidatura. A verdade é que Louçã não pretende servir Alegre, o que o líder do Bloco de Esquerda pretende mesmo é servir-se de Manuel Alegre [...] Curiosamente, aproveitou-se da candidatura de Alegre para chamar a si o protagonismo numa semana em que ocorriam negociações em torno de um orçamento de que se marcou a troco de meio minuto de televisão. [...]

[A Louçã] é indiferente se o próximo Presidente da República é Cavaco ou Alegre. Francisco Louçã apenas quer que o PS se divida e o seu apoio apenas tem esse objectivo, se tivesse ocorrido nos últimos dias da campanha eleitoral isso não sucederia, mas assim a extrema-esquerda não se poderia servir para se credibilizar junto do eleitorado do PS. [...]

Manuel Alegre deveria ter percebido que as aproximações de Francisco Louçã apenas visou dar-lhe a sensação de que estaria a unir a esquerda, estimulando-a a prosseguir o trabalho de divisão do PS. [...]»

Pode a coisa correr bem? Parece que não. Alegre avança sem buscar consenso prévio [5]

«[...] Numa altura em que o silêncio do PS sobre as presidenciais começa a ser prejudicial para Manuel Alegre, o poeta voltou ontem a pressionar o partido, anunciando que irá formalizar "sozinho" a sua candidatura até ao final do mês. O PS ignorou o aviso. [...]

"O problema de Manuel Alegre é que está desde o início a tentar condicionar o PS na questão presidencial. Avançou num tempo inadequado e só teve o apoio do Bloco de Esquerda e do Francisco Louçã, criando um incómodo em termos políticos para o PS", adverte José Lello. [...]»

e mesmo no lado esquerdo do PS se sente algum incómodo com a situação [6],

«[...] João Soares diz que Manuel Alegre, "se quiser ser o candidato do PS não pode andar permanentemente a fazer críticas ao PS e ao Governo PS como tem feito nos últimos tempos". [...]»

E quanto ao PCP, bom, esse já anunciou ir seguir uma terceira via, chamada Carvalhas ou semelhante. Cada qual no seu galho...

Uma boa dose de pragmatismo faria bem a toda a gente. Sem união não haverá força e Cavaco será re-eleito. E isso vai prejudicar toda a esquerda: rapidamente o tabuleiro de jogo será invertido por forma a que Passos Coelho seja Primeiro-Ministro com caminho aberto para as suas aventuras neo-liberais. Com o PS fora do poder e Bloco e PCP reduzidos ao velho hábito do protesto, acima de tudo perdem as gentes da esquerda, vítimas das constantes desuniões e desentendimentos dos partidos que, por vezes apenas aparentemente, as representam.

[1] --- Manuel Alegre tem que descolar do BE, diz António Vitorino, TSF [Janeiro 2010]
[2] --- Francisco Assis pede união ao PS para derrotar Cavaco Silva, Público [Janeiro 2010]
[3] --- Alegre: Presidente deve ser uma alternativa e “não para fazer o discurso do Governo”, Público [Março 2010]
[4] --- O BE quer que Alegre seja presidente?, O Jumento [Janeiro 2010]
[5] --- PS ignora nova pressão de Alegre, Diário de Notícias [Abril 2010]
[6] --- João Soares: “Alegre não pode andar a fazer críticas ao Governo”, Esquerda.Net [Abril 2010]


Aquele que devia ter sido o grande objectivo da esquerda nas últimas eleições presidenciais era a derrota de Cavaco Silva. Como ficou claro na altura, face à união dos partidos da direita isso só poderia ter sido alcançado com a respectiva união dos partidos da esquerda. Mas, todos bem sabemos, nada disso aconteceu.

Bloco e PCP decidiram enveredar pelo pobre caminho totalitário do one man show, lançando os respectivos líderes --- que ainda pouco tempo antes tinham concorrido para primeiro-ministro. O PS decidiu, de forma incompreensível, lançar Soares para uma terceira corrida, num estilo muito pouco republicano. Manuel Alegre, aquela que era de longe a melhor escolha para o combate eleitoral da altura, ficou à margem do sistema, pese embora o resultado final.

O objectivo agora mantém-se e torna-se ainda mais urgente: é necessário derrotar Cavaco Silva. Infelizmente, tudo aponta para novo descalabro. Goste-se ou não, as "máquinas" partidárias desempenham um papel importante numa eleição pelo que a união à esquerda é condição necessária... mas ao que parece inexistente!

Não sei se desta feita Alegre ainda é a melhor opção: para além de já ter sido derrotado por Cavaco no passado, parece uma batalha da "brigada do reumático" lançar um homem de 74 anos contra um outro de 71... Mas bom, na falta de sangue novo e capaz são as hipóteses em cima da mesa. Infinitamente melhor que Cavaco, mesmo assim Alegre necessita do empenho convergente dos partidos da esquerda para poder ganhar. E o que fazem estes? Parecem todos juntos querer sabotar qualquer hipótese de vitória...

O PS, descontente com a forma como Alegre se comportou para com o seu partido nos últimos 5 anos já deu o mote, mas mantém-se em dúvida num "nim" nada benéfico. O aviso foi logo dado de início [1],

«[...] António Vitorino diz que não basta falar de pátria para se reclamar uma candidatura à presidência da República que seja transversal a toda a sociedade portuguesa, considerando que para vencer as presidenciais é preciso conquistar o centro. O socialista defende que para ter o apoio do PS, Manuel Alegre tem que descolar do BE. [...]»

Ao mesmo tempo, foi também reconhecida a necessidade de alguma forma de convergência [2],

«[...] O líder parlamentar do PS, Francisco Assis, afirmou ontem que o partido deve estar unido para derrotar Cavaco Silva nas próximas eleições presidenciais, em 2011, algo que considera ser possível “pela primeira vez na história”. [...]

Sobre a candidatura de Manuel Alegre, o único que já confirmou a sua candidatura para as próximas presidenciais, Francisco Assis admite que “é preciso ter o apoio de toda a esquerda”. “As eleições não se vencem se a esquerda não estiver unida. O pior que nos pode acontecer é voltarmos a ter dois candidatos à esquerda”, afirmou o líder parlamentar. [...]»

Convergência essa nem sempre reconhecida por todos, a começar pelo próprio candidato [3],

«[...] [A] função do Presidente, insistiu Alegre, “também não é para fazer o discurso do governo”, prometendo que o seu será sempre “autónomo, responsável, independente e livre”. Porque é sua convicção que o chefe de Estado “pode fazer a diferença e ser um factor de mudança. Pode até ser uma alternativa”. Não de Governo, insistiu, “mas de atitude, de pensamento, de visão de Portugal”, que “não reduza a Nação apenas à economia”.

“O Presidente não governa”, concorda Alegre, “mas pode e deve propor um debate nacional que permita a Portugal sair da crise em que se encontra.” Mais: “Cabe-lhe convocar o país para as reflexões sobre indecisões e contradições.” [...]»

Vejamos, vindo de quem vem, o discurso é positivo. Mas, ao mesmo tempo, um discurso de "alternativa" nos mesmos moldes, vindo da parte de Cavaco Silva, não colhe o mesmo gosto! Ficou outra nota positiva [3]

«[...] É preciso regressar ao Estado social e lembrou os exemplos dos Estados Unidos – onde Obama conseguiu passar a reforma da saúde – e da França – onde a esquerda se mobilizou para ganhar as regionais. “Passou o tempo do deixar fazer, do deixar nadar. Esta é a hora da responsabilidade política e social do Estado.” [...]»

e o aviso claro, que me parece ser ponto chave [3]

«[...] “O PSD já tornou claro que considera a reeleição do actual Presidente uma condição fundamental para o regresso ao poder”, recordou [...]»

Mas, até agora, apenas surgiu o apoio do Bloco. E o que fazem? Bom, o Bloco parece querer Alegre só para si, orientando a candidatura como forma de combate ao PS. Nada que não pudesse ser previsível há vários meses [4],

«[...] Se Francisco Louçã quisesse ver Manuel Alegre ser eleito Presidente da República não teria apoiado de forma precoce e oportunista a sua candidatura. A verdade é que Louçã não pretende servir Alegre, o que o líder do Bloco de Esquerda pretende mesmo é servir-se de Manuel Alegre [...] Curiosamente, aproveitou-se da candidatura de Alegre para chamar a si o protagonismo numa semana em que ocorriam negociações em torno de um orçamento de que se marcou a troco de meio minuto de televisão. [...]

[A Louçã] é indiferente se o próximo Presidente da República é Cavaco ou Alegre. Francisco Louçã apenas quer que o PS se divida e o seu apoio apenas tem esse objectivo, se tivesse ocorrido nos últimos dias da campanha eleitoral isso não sucederia, mas assim a extrema-esquerda não se poderia servir para se credibilizar junto do eleitorado do PS. [...]

Manuel Alegre deveria ter percebido que as aproximações de Francisco Louçã apenas visou dar-lhe a sensação de que estaria a unir a esquerda, estimulando-a a prosseguir o trabalho de divisão do PS. [...]»

Pode a coisa correr bem? Parece que não. Alegre avança sem buscar consenso prévio [5]

«[...] Numa altura em que o silêncio do PS sobre as presidenciais começa a ser prejudicial para Manuel Alegre, o poeta voltou ontem a pressionar o partido, anunciando que irá formalizar "sozinho" a sua candidatura até ao final do mês. O PS ignorou o aviso. [...]

"O problema de Manuel Alegre é que está desde o início a tentar condicionar o PS na questão presidencial. Avançou num tempo inadequado e só teve o apoio do Bloco de Esquerda e do Francisco Louçã, criando um incómodo em termos políticos para o PS", adverte José Lello. [...]»

e mesmo no lado esquerdo do PS se sente algum incómodo com a situação [6],

«[...] João Soares diz que Manuel Alegre, "se quiser ser o candidato do PS não pode andar permanentemente a fazer críticas ao PS e ao Governo PS como tem feito nos últimos tempos". [...]»

E quanto ao PCP, bom, esse já anunciou ir seguir uma terceira via, chamada Carvalhas ou semelhante. Cada qual no seu galho...

Uma boa dose de pragmatismo faria bem a toda a gente. Sem união não haverá força e Cavaco será re-eleito. E isso vai prejudicar toda a esquerda: rapidamente o tabuleiro de jogo será invertido por forma a que Passos Coelho seja Primeiro-Ministro com caminho aberto para as suas aventuras neo-liberais. Com o PS fora do poder e Bloco e PCP reduzidos ao velho hábito do protesto, acima de tudo perdem as gentes da esquerda, vítimas das constantes desuniões e desentendimentos dos partidos que, por vezes apenas aparentemente, as representam.

[1] --- Manuel Alegre tem que descolar do BE, diz António Vitorino, TSF [Janeiro 2010]
[2] --- Francisco Assis pede união ao PS para derrotar Cavaco Silva, Público [Janeiro 2010]
[3] --- Alegre: Presidente deve ser uma alternativa e “não para fazer o discurso do Governo”, Público [Março 2010]
[4] --- O BE quer que Alegre seja presidente?, O Jumento [Janeiro 2010]
[5] --- PS ignora nova pressão de Alegre, Diário de Notícias [Abril 2010]
[6] --- João Soares: “Alegre não pode andar a fazer críticas ao Governo”, Esquerda.Net [Abril 2010]

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