Uns dias de férias em S. Martinho do Porto, como sempre. E, como sempre, a renovada surpresa de ver que o esforço de autarcas e empreiteiros ainda não conseguiu destruir a beleza do lugar. Não sei por quanto tempo, mas sei que Ramalho Ortigão tinha razão quando chamou à baía, em tom bastante kitsch, "um beijo dado à campina pelo oceano".Será. A mim, mais prático, a concha lembra-me antes, para continuarmos no terreno das metáforas geológico-sentimentais, dois grandes braços de um gigante que abraça as águas com a famosa serenidade que os pais de família distraídos, como eu, agradecem ao Criador. Mas esta calma esconde uma história agitada. Por aqui passaram dinossauros, os mesmos da Lourinhã, e o mar chegava a Alfeizerão na Idade Média. Foram os frades de Alcobaça que o fizeram recuar até ao anfiteatro que é hoje a praia, à custa de um trabalho de séculos em que trocaram um porto mais próximo por mais terra fértil. E a entrada da barra? Que força telúrica terá provocado a queda da falésia? Que acidente de proporções cósmicas terá permitido ao Atlântico abrir a pequena nesga de meia centena de metros no corredor ladeado de escarpas que se estende entre a Nazaré e as Caldas? Do alto das encostas amarelas, milhares de anos, milhões de anos nos contemplam. E tão frágeis, afinal.
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Uns dias de férias em S. Martinho do Porto, como sempre. E, como sempre, a renovada surpresa de ver que o esforço de autarcas e empreiteiros ainda não conseguiu destruir a beleza do lugar. Não sei por quanto tempo, mas sei que Ramalho Ortigão tinha razão quando chamou à baía, em tom bastante kitsch, "um beijo dado à campina pelo oceano".Será. A mim, mais prático, a concha lembra-me antes, para continuarmos no terreno das metáforas geológico-sentimentais, dois grandes braços de um gigante que abraça as águas com a famosa serenidade que os pais de família distraídos, como eu, agradecem ao Criador. Mas esta calma esconde uma história agitada. Por aqui passaram dinossauros, os mesmos da Lourinhã, e o mar chegava a Alfeizerão na Idade Média. Foram os frades de Alcobaça que o fizeram recuar até ao anfiteatro que é hoje a praia, à custa de um trabalho de séculos em que trocaram um porto mais próximo por mais terra fértil. E a entrada da barra? Que força telúrica terá provocado a queda da falésia? Que acidente de proporções cósmicas terá permitido ao Atlântico abrir a pequena nesga de meia centena de metros no corredor ladeado de escarpas que se estende entre a Nazaré e as Caldas? Do alto das encostas amarelas, milhares de anos, milhões de anos nos contemplam. E tão frágeis, afinal.