blogue do não: É oficial: está baralhadíssima!

22-12-2009
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Está muito à frente, embora denote um certo espírito passadista. Na verdade, longe vão os tempos em que o facto de uma pessoa se dirigir a outra mais do que uma vez era indício de segundas intenções. Mas, inova, claro, ao falar de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não sei se a vou desapontar, mas tenho a minha sexualidade definida e portanto casamento consigo nem em estado de demência.Ou talvez não tenha reparado que eu sou mulher. Não sei… Parece-me um bocadinho baralhada noutros assuntos, pelo que podia estar também nesse.De qualquer modo, isso não interessa nada.Vamos lá às suas ideias (já agora, por aqui choveu hoje!).Falava de moral. Ora eu de moral não lhe falo (e por isso não lhe dou uma justificação moral para o aborto de pessoas com malformações, porque não há moralmente – de acordo com a minha moral – qualquer razão, embora a haja juridicamente. Pedia-lhe que consultasse o que sobre isso escrevi e bem assim o que o Rui Castro escreveu). E sabe porquê? Porque a moral implica uma relação entre cada um de nós e a sua consciência. Pertence ao foro íntimo da pessoa, tanto que a sanção típica desse ordenamento de conduta é o remorso. Eu não imponho a minha moral a ninguém. E penso que a Fernanda Câncio também não deve impor a sua, seja ela qual for. Mas, minha cara Fernanda Câncio, reparo agora que voltou a resvalar para um pensamento tradicionalista e conservador… Está a surpreender-me.Lá está. Moralmente eu dar-lhe-ia uma resposta que não dou juridicamente, porque o direito, tendo um fundamento normativo transpositivo e transtextual, que faz apelo à ética – ao fazer apelo à dignidade ética do ser humano –, não se confunde com a moral.E por isso já lhe falo de ética (ou de filosofia, se preferir, até porque Lévinas definiu a ética como a filosofia primeira).Quer falar do que subjaz à lei. Acho óptimo. Eu também concordo que é muito mais interessante escalpelizar os fundamentos do direito (que, já agora, não se confunde com a lei) do que atermo-nos ao direito positivo.Pilar fundamental de todo o sistema é, portanto, a pessoa humana. Ora, a partir daí, e sem me perder num pensamento de índole dedutivista, eu consigo chegar a duas conclusões básicas.Primeiro, centrando-me no embrião. É um ser humano, é uma pessoa humana (desculpe, mas tratá-lo-ei assim. Sabe, é que já que me fala em filosofia e ética, recuso-me a considerar o embrião vida humana e desqualificá-lo, não o considerando pessoa. Pode ser problema meu, mas é um daqueles pensamentos que me lembra regimes pouco simpáticos, lá para os lados da Alemanha). Ao direito compete, pois, protegê-lo. O próprio ordenamento jurídico (desculpe voltar ao direito positivo, mas como o direito não se queda num enunciado de intenções, às vezes é preciso falar dos comandos sancionatórios – no sentido lato do termo – que concretizam aqueles princípios e valores de que tanto gosta) reconhece inúmeros direitos aos nascituros. E vê-o a diversos níveis (v.g. ao nível do direito civil) como pessoa. Uma pessoa totalmente indefesa, pelo que merece uma tutela fortíssima, capaz de lhe garantir o direito básico a nascer. Vejo, portanto, com bons olhos a actuação do direito penal a este nível.Segundo, centrando-me na mãe. Uma pessoa livre, que livremente exerce o seu direito à autodeterminação sexual. Uma pessoa que, não sendo inimputável, só é verdadeiramente livre se for responsável pelas opções que toma. Parece-me, portanto, também totalmente consentâneo com esse pilar sustentador de todo o direito que, optando por ter uma relação sexual (desculpe não utilizar os seus termos muito mais cool, mas, como já reconheceu, pauto-me pela boa educação), assuma as consequências do seu acto. Mais do que consentâneo é essencial para que não seja diminuída na sua pessoalidade.Repare que não estou aqui a falar de responsabilidade criminal. A Fernanda Câncio consegue surpreender-me com as suas posições conservadoras. Achar que o acto sexual em si é crime. Cara Fernanda, longe de nós pensar tal coisa. Até o vemos com bons olhos. Pelo que não fará muito sentido estar a falar de negligência ou dolo eventual por referência a ele. Até porque estes, quer se reconduzam, na esteira do finalismo, ao acto em si, quer se reconduzam às consequências do mesmo, implicam um juízo de censura ético-jurídica que não me parece própria para macular o acto sexual ou a criança que daí resulte. O acto que criminalmente responsabiliza a mulher não é o acto sexual, mas o aniquilamento do embrião que resulte daquele acto. E aqui já não está em causa a moral, porque há um outro ser diferente da mãe, que nos merece respeito. O que não impede que, juridicamente, a protecção penal não possa recuar quando em conflito surjam outros valores, numa óptica de exclusão da ilicitude ou da culpa (tal como acontece em algumas situações em que a tutela penal da vida da pessoa já nascida recua por motivos análogos). Só que na hipótese levada a referendo não há qualquer conflito entre o valor da vida do embrião e outros direitos da mãe, porque o seu acto foi livre.

Está muito à frente, embora denote um certo espírito passadista. Na verdade, longe vão os tempos em que o facto de uma pessoa se dirigir a outra mais do que uma vez era indício de segundas intenções. Mas, inova, claro, ao falar de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não sei se a vou desapontar, mas tenho a minha sexualidade definida e portanto casamento consigo nem em estado de demência.Ou talvez não tenha reparado que eu sou mulher. Não sei… Parece-me um bocadinho baralhada noutros assuntos, pelo que podia estar também nesse.De qualquer modo, isso não interessa nada.Vamos lá às suas ideias (já agora, por aqui choveu hoje!).Falava de moral. Ora eu de moral não lhe falo (e por isso não lhe dou uma justificação moral para o aborto de pessoas com malformações, porque não há moralmente – de acordo com a minha moral – qualquer razão, embora a haja juridicamente. Pedia-lhe que consultasse o que sobre isso escrevi e bem assim o que o Rui Castro escreveu). E sabe porquê? Porque a moral implica uma relação entre cada um de nós e a sua consciência. Pertence ao foro íntimo da pessoa, tanto que a sanção típica desse ordenamento de conduta é o remorso. Eu não imponho a minha moral a ninguém. E penso que a Fernanda Câncio também não deve impor a sua, seja ela qual for. Mas, minha cara Fernanda Câncio, reparo agora que voltou a resvalar para um pensamento tradicionalista e conservador… Está a surpreender-me.Lá está. Moralmente eu dar-lhe-ia uma resposta que não dou juridicamente, porque o direito, tendo um fundamento normativo transpositivo e transtextual, que faz apelo à ética – ao fazer apelo à dignidade ética do ser humano –, não se confunde com a moral.E por isso já lhe falo de ética (ou de filosofia, se preferir, até porque Lévinas definiu a ética como a filosofia primeira).Quer falar do que subjaz à lei. Acho óptimo. Eu também concordo que é muito mais interessante escalpelizar os fundamentos do direito (que, já agora, não se confunde com a lei) do que atermo-nos ao direito positivo.Pilar fundamental de todo o sistema é, portanto, a pessoa humana. Ora, a partir daí, e sem me perder num pensamento de índole dedutivista, eu consigo chegar a duas conclusões básicas.Primeiro, centrando-me no embrião. É um ser humano, é uma pessoa humana (desculpe, mas tratá-lo-ei assim. Sabe, é que já que me fala em filosofia e ética, recuso-me a considerar o embrião vida humana e desqualificá-lo, não o considerando pessoa. Pode ser problema meu, mas é um daqueles pensamentos que me lembra regimes pouco simpáticos, lá para os lados da Alemanha). Ao direito compete, pois, protegê-lo. O próprio ordenamento jurídico (desculpe voltar ao direito positivo, mas como o direito não se queda num enunciado de intenções, às vezes é preciso falar dos comandos sancionatórios – no sentido lato do termo – que concretizam aqueles princípios e valores de que tanto gosta) reconhece inúmeros direitos aos nascituros. E vê-o a diversos níveis (v.g. ao nível do direito civil) como pessoa. Uma pessoa totalmente indefesa, pelo que merece uma tutela fortíssima, capaz de lhe garantir o direito básico a nascer. Vejo, portanto, com bons olhos a actuação do direito penal a este nível.Segundo, centrando-me na mãe. Uma pessoa livre, que livremente exerce o seu direito à autodeterminação sexual. Uma pessoa que, não sendo inimputável, só é verdadeiramente livre se for responsável pelas opções que toma. Parece-me, portanto, também totalmente consentâneo com esse pilar sustentador de todo o direito que, optando por ter uma relação sexual (desculpe não utilizar os seus termos muito mais cool, mas, como já reconheceu, pauto-me pela boa educação), assuma as consequências do seu acto. Mais do que consentâneo é essencial para que não seja diminuída na sua pessoalidade.Repare que não estou aqui a falar de responsabilidade criminal. A Fernanda Câncio consegue surpreender-me com as suas posições conservadoras. Achar que o acto sexual em si é crime. Cara Fernanda, longe de nós pensar tal coisa. Até o vemos com bons olhos. Pelo que não fará muito sentido estar a falar de negligência ou dolo eventual por referência a ele. Até porque estes, quer se reconduzam, na esteira do finalismo, ao acto em si, quer se reconduzam às consequências do mesmo, implicam um juízo de censura ético-jurídica que não me parece própria para macular o acto sexual ou a criança que daí resulte. O acto que criminalmente responsabiliza a mulher não é o acto sexual, mas o aniquilamento do embrião que resulte daquele acto. E aqui já não está em causa a moral, porque há um outro ser diferente da mãe, que nos merece respeito. O que não impede que, juridicamente, a protecção penal não possa recuar quando em conflito surjam outros valores, numa óptica de exclusão da ilicitude ou da culpa (tal como acontece em algumas situações em que a tutela penal da vida da pessoa já nascida recua por motivos análogos). Só que na hipótese levada a referendo não há qualquer conflito entre o valor da vida do embrião e outros direitos da mãe, porque o seu acto foi livre.

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