Sócrates avisa Cavaco que tem de ser isento

16-03-2011
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No PS e no PSD, ontem reflectiu-se sobre a intervenção de tomada de posse do Presidente reeleito. Os socialistas baixaram o tom, mas os sociais-democratas também estão preocupados

O tom do PS contra o Presidente da República baixou ao longo do dia, mas, no final do debate da moção de censura do Bloco de Esquerda, ontem, no Parlamento, José Sócrates subiu-o de novo. Traçou fronteiras, com um aviso a Cavaco Silva contra as tentações de intervir na área do Governo, deixando claro que "ao Presidente cabe presidir e ao Governo governar". Mais, avisou o primeiro-ministro: a força de um Presidente "reside na sua palavra". E terá tanto mais força "quanto mais isento for", "quanto mais se colocar acima dos partidos". O discurso de Cavaco, na quarta-feira, foi entendido como um desafio directo ao Governo. A resposta à letra de Sócrates demorou 24 horas, mas chegou.

José Sócrates disse mais, um dia depois do discurso de posse de Cavaco Silva para um segundo mandato em Belém que todos os analistas consideraram "de ruptura". A essa "ruptura", o chefe do Governo tinha a dizer que o Executivo "responde perante a Assembleia da República" e depende da "vontade dos portugueses". Em eleições, deixou implícito.

Em vez de ruptura, Sócrates acha que os portugueses precisam é de "convergência, de quem puxe pelas energias do país e de confiança". E avisou que não pode haver "equívocos" sobre a função do Presidente. "É muito importante que não haja nenhum equívoco sobre aquilo que é a função do Presidente, que é presidir, e sobre aquilo que é a função do Governo, que é governar", afirmou. E sustentou uma tese sobre o alcance do poder presidencial. A força de um Presidente, advertiu, "é muito importante no país e faz falta no país".

No day after, ficaram todas as respostas a Cavaco. O próprio Sócrates explicou por quê. Quarta-feira foi dia da posse, para felicitar o Presidente, "desejar-lhe sorte" para o mandato e garantir, como fez, "a disponibilidade do Governo para uma cooperação institucional leal".

"Pacóvio", disse Lello

A verdade é que, durante o dia de ontem, o PS abandonou o tom bélico da véspera, quando Francisco Assis acusou Cavaco de fazer um discurso "sectário" e de "facção". Ontem de manhã, após a reunião da bancada, o líder parlamentar socialista evitou entrar na via do "conflito institucional" e voltou a falar na necessidade de consensos - com o PSD, entenda-se. Fora o Presidente a falar nesses consensos alargados. Assis concordou que serão necessários quando, "dentro de um ou dois meses", forem discutidas as medidas necessárias para a redução do défice em 2012 e 2013, no âmbito do Programa de Estabilidade e Crescimento: "Sou a favor desses consensos. É conveniente que os dois principais partidos promovam consensos".

Se Assis baixou o tom, à porta fechada, na reunião semanal, os deputados soltaram a língua. José Lello e Inês de Medeiros, por exemplo, concordaram num qualificativo para o discurso: "Pacóvio". O ex-ministro ironizou que a primeira parte do discurso até pode ter sido escrita pelo Presidente, mas a segunda não: "Rasteirinho e pacóvio", admitindo que tivesse sido escrito pela mulher, Maria. Aos jornalistas, falou depois num discurso "ressabiado" e "zangado".

Ao longo da reunião, também Vitalino Canas, Eduardo Cabrita, Maria de Belém, Defensor Moura ou João Galamba e Inês Medeiros (estes dois independentes) criticaram a intervenção de Cavaco. Assis fez um apelo à cooperação entre os órgãos de soberania, mas também disse que o discurso presidencial foi "impulsivo-rancoroso".

"Não há mais bónus"

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À mesma hora, no outro lado do Palácio de S. Bento, estava reunido o grupo parlamentar do PSD. A discussão também foi acesa e à volta do mesmo assunto: Cavaco e o que esperar do seu segundo mandato. José Eduardo Martins, por exemplo, defendeu que o PSD não deve dar mais a mão ao Governo e que o partido já poderia ter feito cair o Executivo. Arménio Santos alertou para os riscos do apelo de Cavaco ao sobressalto cívico.

A Guilherme Silva coube a interpretação sui generis das palavras presidenciais: antes de pensar em dissolver o Parlamento, Cavaco quer que se esgotem todas as soluções parlamentares. E, apesar de não ser favorável, não excluiu a necessidade de um Bloco Central (PS-PSD).

Na sede do PSD, Passos Coelho reuniu com os presidentes das distritais e também ali o discurso do Presidente foi analisado sem consenso. Se há quem considere que o discurso foi muito bom, não terão sido poucos os que o ouviram com preocupação. Por considerarem que Cavaco "saiu do pedestal" e entrou no jogo político, colocando o seu discurso acima do discurso do PSD. O que pode prejudicar o partido.

Em pano de fundo, as duas cimeiras europeias em que se pode jogar o recurso à ajuda externa e o futuro de Portugal. Se não correrem bem, podem gerar um primeiro-ministro ainda mais acossado. E a hipótese de eleições antecipadas pode não ser favorável ao PSD. Tanto pelo risco de não ganhar com maioria absoluta como pelo facto de não ser por haver um novo governo que os mercados acalmam e as taxas de juro baixam. Se houve uma conclusão nesta reunião, é que o PSD não dará mais bónus ao PS. "Acabou a brincadeira", resumiu um dirigente ao PÚBLICO. com S.R.

No PS e no PSD, ontem reflectiu-se sobre a intervenção de tomada de posse do Presidente reeleito. Os socialistas baixaram o tom, mas os sociais-democratas também estão preocupados

O tom do PS contra o Presidente da República baixou ao longo do dia, mas, no final do debate da moção de censura do Bloco de Esquerda, ontem, no Parlamento, José Sócrates subiu-o de novo. Traçou fronteiras, com um aviso a Cavaco Silva contra as tentações de intervir na área do Governo, deixando claro que "ao Presidente cabe presidir e ao Governo governar". Mais, avisou o primeiro-ministro: a força de um Presidente "reside na sua palavra". E terá tanto mais força "quanto mais isento for", "quanto mais se colocar acima dos partidos". O discurso de Cavaco, na quarta-feira, foi entendido como um desafio directo ao Governo. A resposta à letra de Sócrates demorou 24 horas, mas chegou.

José Sócrates disse mais, um dia depois do discurso de posse de Cavaco Silva para um segundo mandato em Belém que todos os analistas consideraram "de ruptura". A essa "ruptura", o chefe do Governo tinha a dizer que o Executivo "responde perante a Assembleia da República" e depende da "vontade dos portugueses". Em eleições, deixou implícito.

Em vez de ruptura, Sócrates acha que os portugueses precisam é de "convergência, de quem puxe pelas energias do país e de confiança". E avisou que não pode haver "equívocos" sobre a função do Presidente. "É muito importante que não haja nenhum equívoco sobre aquilo que é a função do Presidente, que é presidir, e sobre aquilo que é a função do Governo, que é governar", afirmou. E sustentou uma tese sobre o alcance do poder presidencial. A força de um Presidente, advertiu, "é muito importante no país e faz falta no país".

No day after, ficaram todas as respostas a Cavaco. O próprio Sócrates explicou por quê. Quarta-feira foi dia da posse, para felicitar o Presidente, "desejar-lhe sorte" para o mandato e garantir, como fez, "a disponibilidade do Governo para uma cooperação institucional leal".

"Pacóvio", disse Lello

A verdade é que, durante o dia de ontem, o PS abandonou o tom bélico da véspera, quando Francisco Assis acusou Cavaco de fazer um discurso "sectário" e de "facção". Ontem de manhã, após a reunião da bancada, o líder parlamentar socialista evitou entrar na via do "conflito institucional" e voltou a falar na necessidade de consensos - com o PSD, entenda-se. Fora o Presidente a falar nesses consensos alargados. Assis concordou que serão necessários quando, "dentro de um ou dois meses", forem discutidas as medidas necessárias para a redução do défice em 2012 e 2013, no âmbito do Programa de Estabilidade e Crescimento: "Sou a favor desses consensos. É conveniente que os dois principais partidos promovam consensos".

Se Assis baixou o tom, à porta fechada, na reunião semanal, os deputados soltaram a língua. José Lello e Inês de Medeiros, por exemplo, concordaram num qualificativo para o discurso: "Pacóvio". O ex-ministro ironizou que a primeira parte do discurso até pode ter sido escrita pelo Presidente, mas a segunda não: "Rasteirinho e pacóvio", admitindo que tivesse sido escrito pela mulher, Maria. Aos jornalistas, falou depois num discurso "ressabiado" e "zangado".

Ao longo da reunião, também Vitalino Canas, Eduardo Cabrita, Maria de Belém, Defensor Moura ou João Galamba e Inês Medeiros (estes dois independentes) criticaram a intervenção de Cavaco. Assis fez um apelo à cooperação entre os órgãos de soberania, mas também disse que o discurso presidencial foi "impulsivo-rancoroso".

"Não há mais bónus"

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À mesma hora, no outro lado do Palácio de S. Bento, estava reunido o grupo parlamentar do PSD. A discussão também foi acesa e à volta do mesmo assunto: Cavaco e o que esperar do seu segundo mandato. José Eduardo Martins, por exemplo, defendeu que o PSD não deve dar mais a mão ao Governo e que o partido já poderia ter feito cair o Executivo. Arménio Santos alertou para os riscos do apelo de Cavaco ao sobressalto cívico.

A Guilherme Silva coube a interpretação sui generis das palavras presidenciais: antes de pensar em dissolver o Parlamento, Cavaco quer que se esgotem todas as soluções parlamentares. E, apesar de não ser favorável, não excluiu a necessidade de um Bloco Central (PS-PSD).

Na sede do PSD, Passos Coelho reuniu com os presidentes das distritais e também ali o discurso do Presidente foi analisado sem consenso. Se há quem considere que o discurso foi muito bom, não terão sido poucos os que o ouviram com preocupação. Por considerarem que Cavaco "saiu do pedestal" e entrou no jogo político, colocando o seu discurso acima do discurso do PSD. O que pode prejudicar o partido.

Em pano de fundo, as duas cimeiras europeias em que se pode jogar o recurso à ajuda externa e o futuro de Portugal. Se não correrem bem, podem gerar um primeiro-ministro ainda mais acossado. E a hipótese de eleições antecipadas pode não ser favorável ao PSD. Tanto pelo risco de não ganhar com maioria absoluta como pelo facto de não ser por haver um novo governo que os mercados acalmam e as taxas de juro baixam. Se houve uma conclusão nesta reunião, é que o PSD não dará mais bónus ao PS. "Acabou a brincadeira", resumiu um dirigente ao PÚBLICO. com S.R.

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