“Paradoxo nas análises acerca da socrática figura” *

22-01-2011
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“Paradoxo nas análises acerca da socrática figura” *

«Confesso que nunca consegui superar o desconforto que o desconjuntado currículo pessoal de José Sócrates me infunde. Quando penso que se trata de alguém que se içou a primeiro-ministro sem nunca ter experimentado uma profissão, que se singularizou em saltitar de incumbência em incumbência política, mercê de todas as coisas visíveis e, sobretudo, invisíveis que a politiquice encerra, excepto, claro, o mérito; quando constato a sua falta de preparação, a sua irremediável incultura geral, política e ideológica; quando reparo no enxame de incompetentes com que recheou tantos cargos nos seus Governos e demais decorrências administrativas (com algumas honrosas excepções, claro); quando comprovo os péssimos resultados destes últimos cinco anos e meio, a forma como afundou o País no atoleiro da má governação, entalando a vida dos portugueses e comprometendo a dignidade das gerações futuras; quando confirmo que a sua exclusiva inquietação perante o descalabro a que nos levou se traduz em «sacudir a água do capote», falho de qualquer laivo de grandeza que o levasse a admitir uma parcela, ainda que ínfima, de responsabilidade na actual desgraça; quando concebo que Sócrates arrasta consigo uma série infindável de alvoroços, escândalos e enredos (muito) mal contados e pior explicados como nunca, nunca, nunca, algum líder português conheceu, pelo menos desde as circunstâncias que conduziram à deposição de D. Sancho II, O Capelo… Quando pondero tudo isto, por mais que o tente, é muito difícil analisar uma figura deste calibre com a distância que o exame requer e a neutralidade obriga.»

O êxito de alguém nestas condições diz-nos mais acerca de nós próprios, enquanto povo, em vez de nos elucidar acerca do personagem – o facto de Sócrates ter chegado a primeiro-ministro e aí se ter mantido durante tanto tempo expõe as antigas e gangrenosas chagas do nosso falhanço em virmos a ser um País que valha a pena.

Por outro lado, Sócrates, cativo de tantas carências, possui qualidades bastante raras entre nós. Há dias, no debate do Orçamento, não pude deixar de admirar o modo resistente e inteiriçado com que enfrentou a Oposição. Uma vez mais, Sócrates venceu o debate, empregando todos os truques do catálogo, sem argumentos válidos, fugindo às perguntas e desconversando sem pudor. Mas, julgo, desbaratou os adversários pela pertinácia e a força interior que alardeou. Essa é a grande qualidade deste político que tanto mal nos tem feito.

Não me interpretem mal: Sócrates está para a política como Vale e Azevedo já esteve para o futebol. Converteu-se num insólito exemplo educacional negativo – representa quase tudo o que me esforço por ensinar aos meus filhos que está errado e que não se deve fazer.

Mas num ambiente de descrença colectiva, num povo amolecido, quase apático, Sócrates destoa pela têmpera que revela mesmo nos momentos mais adversos. «Quem não tem vergonha todo o Mundo é seu», costumava dizer minha Mãe de pessoas assim. Do Mundo não sei, mas deste cada vez mais desconsolado País, infelizmente, tem sido verdade.

O PS tem gente boa

O partido socialista arrisca-se a pagar bem caro o preço do período socrático. O lameiro em que a governação embarrancou o País pode vir a ser pago em várias derrotas eleitorais. Poucos dirigentes do PS parecem desassossegar-se com o futuro – António Costa, por exemplo, tem-se deslustrado em defender os aspectos mais insubsistentes da governação e dificilmente se purgará quando o PS precisar de alguém capaz de virar esta página.

Subsiste António José Seguro. Sem nunca embarcar em modas, Seguro conseguiu restar como o mínimo ético de que o PS precisará quando se livrar da presente tenebrosidade socrática.

* Ontem, na Notícias Sábado

“Paradoxo nas análises acerca da socrática figura” *

«Confesso que nunca consegui superar o desconforto que o desconjuntado currículo pessoal de José Sócrates me infunde. Quando penso que se trata de alguém que se içou a primeiro-ministro sem nunca ter experimentado uma profissão, que se singularizou em saltitar de incumbência em incumbência política, mercê de todas as coisas visíveis e, sobretudo, invisíveis que a politiquice encerra, excepto, claro, o mérito; quando constato a sua falta de preparação, a sua irremediável incultura geral, política e ideológica; quando reparo no enxame de incompetentes com que recheou tantos cargos nos seus Governos e demais decorrências administrativas (com algumas honrosas excepções, claro); quando comprovo os péssimos resultados destes últimos cinco anos e meio, a forma como afundou o País no atoleiro da má governação, entalando a vida dos portugueses e comprometendo a dignidade das gerações futuras; quando confirmo que a sua exclusiva inquietação perante o descalabro a que nos levou se traduz em «sacudir a água do capote», falho de qualquer laivo de grandeza que o levasse a admitir uma parcela, ainda que ínfima, de responsabilidade na actual desgraça; quando concebo que Sócrates arrasta consigo uma série infindável de alvoroços, escândalos e enredos (muito) mal contados e pior explicados como nunca, nunca, nunca, algum líder português conheceu, pelo menos desde as circunstâncias que conduziram à deposição de D. Sancho II, O Capelo… Quando pondero tudo isto, por mais que o tente, é muito difícil analisar uma figura deste calibre com a distância que o exame requer e a neutralidade obriga.»

O êxito de alguém nestas condições diz-nos mais acerca de nós próprios, enquanto povo, em vez de nos elucidar acerca do personagem – o facto de Sócrates ter chegado a primeiro-ministro e aí se ter mantido durante tanto tempo expõe as antigas e gangrenosas chagas do nosso falhanço em virmos a ser um País que valha a pena.

Por outro lado, Sócrates, cativo de tantas carências, possui qualidades bastante raras entre nós. Há dias, no debate do Orçamento, não pude deixar de admirar o modo resistente e inteiriçado com que enfrentou a Oposição. Uma vez mais, Sócrates venceu o debate, empregando todos os truques do catálogo, sem argumentos válidos, fugindo às perguntas e desconversando sem pudor. Mas, julgo, desbaratou os adversários pela pertinácia e a força interior que alardeou. Essa é a grande qualidade deste político que tanto mal nos tem feito.

Não me interpretem mal: Sócrates está para a política como Vale e Azevedo já esteve para o futebol. Converteu-se num insólito exemplo educacional negativo – representa quase tudo o que me esforço por ensinar aos meus filhos que está errado e que não se deve fazer.

Mas num ambiente de descrença colectiva, num povo amolecido, quase apático, Sócrates destoa pela têmpera que revela mesmo nos momentos mais adversos. «Quem não tem vergonha todo o Mundo é seu», costumava dizer minha Mãe de pessoas assim. Do Mundo não sei, mas deste cada vez mais desconsolado País, infelizmente, tem sido verdade.

O PS tem gente boa

O partido socialista arrisca-se a pagar bem caro o preço do período socrático. O lameiro em que a governação embarrancou o País pode vir a ser pago em várias derrotas eleitorais. Poucos dirigentes do PS parecem desassossegar-se com o futuro – António Costa, por exemplo, tem-se deslustrado em defender os aspectos mais insubsistentes da governação e dificilmente se purgará quando o PS precisar de alguém capaz de virar esta página.

Subsiste António José Seguro. Sem nunca embarcar em modas, Seguro conseguiu restar como o mínimo ético de que o PS precisará quando se livrar da presente tenebrosidade socrática.

* Ontem, na Notícias Sábado

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