Democracia em Portugal?: Hospitais cobram até 17 vezes mais a vítimas de violência doméstica

03-08-2010
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O Estado português não assume o pagamento das urgências hospitalares quando os pacientes são vítimas de violência. Nos casos em que não é apresentada queixa, ou em que não fica provada a culpa do agressor, a despesa é assumida pela vítima, o que faz com que esta pague de 14 a 17 vezes mais do que o paciente comum. Uma situação que pode, no limite, inibir o agredido de ser visto por um médico.Num caso de que a agência Lusa teve conhecimento há cerca de duas semanas, Filomena Ferreira dirigiu-se, com uma familiar que havia sido vítima de violência doméstica, às urgências do Hospital de São Bernardo, em Setúbal. Contudo, quando se preparava para fazer a inscrição da vítima, foi alertada por uma funcionária para o facto de "sendo um caso de agressão, existir, além da taxa moderadora de 7,5 euros, um outro valor associado à consulta". Este valor, que ascende a 106 euros, deve ser pago pelo agressor ao hospital, embora - se a vítima não apresentar queixa ou o agressor for absolvido - recaia na pessoa agredida.Face a este cenário, a vítima optou por voltar para casa, "apesar das contusões no pescoço e das nódoas negras nas pernas, para que não fosse imputada ao marido uma despesa que ainda é elevada para a sua situação económica", explicou Filomena Ferreira, para quem a possibilidade de a conta por pagar "suscitar de novo a ira do agressor" constitui um factor que inibe a vítima de se "deslocar ao hospital para receber tratamento ou a leva a ocultar a agressão, o que falseia as estatísticas".Os responsáveis pelo Hospital de São Bernardo não teceram qualquer comentário sobre o assunto, mas Renato Nunes, médico do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - que reúne os hospitais de São José, Capuchos, Santa Marta e Estefânia - esclareceu a existência do valor cobrado ao agressor e explicou que "em caso de doença natural, o utente paga a taxa moderadora do episódio de urgência, que num hospital central é de 8,5 euros [7,5, num distrital] e o Estado encarrega-se do valor do episódio de urgência em si, que num hospital central está fixado em 143,5 euros" contra 106 num distrital.Contactado pelo DN, João Lázaro, secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, disse que "a regra faz sentido, para prevenir situações de fraude, mas não deve ser aplicada em situações de violência doméstica", em que as vítimas se encontram num estado de grande fragilidade. Para João Lázaro, a funcionária do Hospital de Setúbal errou: "As questões processuais devem sempre ser deixadas para mais tarde. O papel dela era apoiar aquela mulher e prestar-lhe um acompanhamento emocional e humano."As vítimas não devem nunca abdicar de procurar cuidados médicos por receio de pagar eventuais facturas, resume o dirigente da APAV. "Isso equivaleria a abdicarem de direitos que são inalienáveis." Já Renato Nunes garante que "a prioridade é tratar da pessoa, pelo que não se assusta a vítima com um valor que será cobrado muito a posteriori, pois o pagamento fica suspenso enquanto decorre o processo". *Jornalista da Lusa


O Estado português não assume o pagamento das urgências hospitalares quando os pacientes são vítimas de violência. Nos casos em que não é apresentada queixa, ou em que não fica provada a culpa do agressor, a despesa é assumida pela vítima, o que faz com que esta pague de 14 a 17 vezes mais do que o paciente comum. Uma situação que pode, no limite, inibir o agredido de ser visto por um médico.Num caso de que a agência Lusa teve conhecimento há cerca de duas semanas, Filomena Ferreira dirigiu-se, com uma familiar que havia sido vítima de violência doméstica, às urgências do Hospital de São Bernardo, em Setúbal. Contudo, quando se preparava para fazer a inscrição da vítima, foi alertada por uma funcionária para o facto de "sendo um caso de agressão, existir, além da taxa moderadora de 7,5 euros, um outro valor associado à consulta". Este valor, que ascende a 106 euros, deve ser pago pelo agressor ao hospital, embora - se a vítima não apresentar queixa ou o agressor for absolvido - recaia na pessoa agredida.Face a este cenário, a vítima optou por voltar para casa, "apesar das contusões no pescoço e das nódoas negras nas pernas, para que não fosse imputada ao marido uma despesa que ainda é elevada para a sua situação económica", explicou Filomena Ferreira, para quem a possibilidade de a conta por pagar "suscitar de novo a ira do agressor" constitui um factor que inibe a vítima de se "deslocar ao hospital para receber tratamento ou a leva a ocultar a agressão, o que falseia as estatísticas".Os responsáveis pelo Hospital de São Bernardo não teceram qualquer comentário sobre o assunto, mas Renato Nunes, médico do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - que reúne os hospitais de São José, Capuchos, Santa Marta e Estefânia - esclareceu a existência do valor cobrado ao agressor e explicou que "em caso de doença natural, o utente paga a taxa moderadora do episódio de urgência, que num hospital central é de 8,5 euros [7,5, num distrital] e o Estado encarrega-se do valor do episódio de urgência em si, que num hospital central está fixado em 143,5 euros" contra 106 num distrital.Contactado pelo DN, João Lázaro, secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, disse que "a regra faz sentido, para prevenir situações de fraude, mas não deve ser aplicada em situações de violência doméstica", em que as vítimas se encontram num estado de grande fragilidade. Para João Lázaro, a funcionária do Hospital de Setúbal errou: "As questões processuais devem sempre ser deixadas para mais tarde. O papel dela era apoiar aquela mulher e prestar-lhe um acompanhamento emocional e humano."As vítimas não devem nunca abdicar de procurar cuidados médicos por receio de pagar eventuais facturas, resume o dirigente da APAV. "Isso equivaleria a abdicarem de direitos que são inalienáveis." Já Renato Nunes garante que "a prioridade é tratar da pessoa, pelo que não se assusta a vítima com um valor que será cobrado muito a posteriori, pois o pagamento fica suspenso enquanto decorre o processo". *Jornalista da Lusa

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