Mudar de rumo (2): cinco propostas para o ensino superior

17-06-2011
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O modelo binário assente numa dupla rede de institutos politécnicos e de universidades precisa de ser repensado

A universidade moderna foi um instrumento vital na edificação do Estado-nação. Às universidades (aqui entendidas genericamente como instituições de ensino superior) competia, para além da preparação dos quadros superiores do Estado, certificar a formação dos estudantes para que pudessem assumir as suas funções na sociedade, promover a mobilidade social dos mais competentes e ser um local de discussão livre e independente das questões críticas da sociedade.

Representada como centro de criação, transmissão e difusão da cultura, da ciência e da tecnologia, a universidade assumiu-se como uma forma superior de cidadania, que não pode ser destinada apenas a uma elite social, cultural e económica. As universidades, primeiro, massificaram-se; agora, caminham para a (quase) universalização.

Nas últimas décadas, as políticas dirigidas para o ensino superior foram aprisionadas pela ideologia neoliberal, que tudo transforma (e procura medir) em termos de performatividade e competitividade, transformando o conhecimento numa commodity transaccionável.

As cinco propostas a seguir apresentadas inserem-se neste contexto e procuram contribuir para um debate democrático, quase ausente na sociedade portuguesa.

Ultimado o processo de Bolonha, importa fazer uma rigorosa avaliação, nacional e institucional, das transformações operadas nas práticas docentes e de investigação, na estruturação dos currículos, na dinâmica das escolas, no processo de internacionalização (e europeização) das universidades e institutos politécnicos portugueses. O processo de Bolonha foi o mais amplo processo de mudança no ensino superior realizado desde a refundação das universidades no século XIX, conduzido, no essencial, de um modo top-down. Sendo um hábito salutar para todas as políticas a sua avaliação, no caso do processo de Bolonha torna-se um imperativo pelas suas profundas repercussões esperadas em todos os campos da actividade universitária, desde as práticas docentes à construção de um espaço europeu de ensino superior.

O modelo binário de ensino superior, assente numa dupla rede de institutos politécnicos e de universidades, precisa, mais do que nunca, de ser repensado. O pressuposto principal que presidiu à criação dos institutos politécnicos nos finais dos anos 1970 e nos anos 1980, se na época já eram questionáveis, hoje não fazem qualquer sentido. A formação superior tem de estar sempre ligada à investigação, enquanto produção de conhecimento e inovação. O terminar com este modelo binário é, também, uma condição (quase) prévia à reorganização da rede de ensino superior em Portugal.

A reorganização da rede de ensino superior público, para além de superar a estrutura dual do sistema, deve permitir criar universidades com dimensão e massa crítica capazes de, em vários campos científicos e globalmente, se inserirem no primeiro escalão do espaço europeu de ensino superior. A condução desse processo deve ter como centro as próprias universidades, competindo ao Governo estimular, mediar e criar as condições institucionais para que as necessárias parcerias e eventuais fusões resultem num acréscimo de eficiência e de exigência nas respostas formativas.

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A avaliação da aplicação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) deve ser considerada, sobretudo nas consequências que teve nas formas de participação democrática da comunidade académica na gestão das escolas e universidades. Nestes tempos de governação neoliberal, a introdução nas organizações públicas, entre as quais as universidades, de formas provenientes do new public management tornou-se o alfa e ómega de todo o discurso e prática política dos Governos conservadores e da chamada terceira via, que destruiu a matriz social-democrata que restava aos partidos socialistas. As universidades (e demais IES) são locais de construção de cidadania, com lógicas e finalidades de acção muito diferentes das empresas privadas de produção e serviços.

A adopção de novos modos de regulação do sistema de ensino superior, extinguindo a A3ES, constitui a última das propostas. Nos últimos anos, em que todos os domínios da vida social foram colonizados pela ideologia neoliberal, generalizou-se a ideia de que o Estado é um péssimo regulador e que tal missão deve ser entregue a entidades pretensamente independentes dos poderes públicos, que são facilmente corrompíveis. A A3ES foi criada nesta lógica. Em geral, estes reguladores têm sido presa fácil dos grupos dominantes, no campo económico. São os mercados e as corporações que os controlam. Veja-se a (não) intervenção do Banco de Portugal nos casos BPN e BPP, ou a (in)acção da entidade reguladora dos combustíveis. No caso do ensino superior, a A3ES tornou-se presa fácil de poderes sem escrutínio democrático mas que o têm controlado (e moldado) desde os anos 1980. Uma lufada de ar fresco, precisa-se.

Nota: Neste espaço, o ex-sindicalista e ex-reitor Alberto Amaral, presidente do Conselho de Administração da A3ES, publicou um texto de ataque pessoal e institucional, a propósito do que considera a "qualidade do sistema no ensino superior" (PÚBLICO, 24/5/2011), tomando como referência o anterior meu texto de opinião "Mudar de rumo: seis propostas para a Educação" (PÚBLICO, 13/5/2011). Não será neste espaço nobre do PÚBLICO que responderei a esse ataque pessoal e institucional, vindo de um titular de um cargo público que, pelas suas funções, se devia pautar pela discrição e isenção. O seu texto demonstra a urgência, em termos de salubridade democrática, de acabar com estes poderes arrogantes e inúteis. Professor. Coordenador científico do Centro de Estudos e Intervenção em Educação e Formação (CeiEF). (teodoro.antonio@gmail.com)

O modelo binário assente numa dupla rede de institutos politécnicos e de universidades precisa de ser repensado

A universidade moderna foi um instrumento vital na edificação do Estado-nação. Às universidades (aqui entendidas genericamente como instituições de ensino superior) competia, para além da preparação dos quadros superiores do Estado, certificar a formação dos estudantes para que pudessem assumir as suas funções na sociedade, promover a mobilidade social dos mais competentes e ser um local de discussão livre e independente das questões críticas da sociedade.

Representada como centro de criação, transmissão e difusão da cultura, da ciência e da tecnologia, a universidade assumiu-se como uma forma superior de cidadania, que não pode ser destinada apenas a uma elite social, cultural e económica. As universidades, primeiro, massificaram-se; agora, caminham para a (quase) universalização.

Nas últimas décadas, as políticas dirigidas para o ensino superior foram aprisionadas pela ideologia neoliberal, que tudo transforma (e procura medir) em termos de performatividade e competitividade, transformando o conhecimento numa commodity transaccionável.

As cinco propostas a seguir apresentadas inserem-se neste contexto e procuram contribuir para um debate democrático, quase ausente na sociedade portuguesa.

Ultimado o processo de Bolonha, importa fazer uma rigorosa avaliação, nacional e institucional, das transformações operadas nas práticas docentes e de investigação, na estruturação dos currículos, na dinâmica das escolas, no processo de internacionalização (e europeização) das universidades e institutos politécnicos portugueses. O processo de Bolonha foi o mais amplo processo de mudança no ensino superior realizado desde a refundação das universidades no século XIX, conduzido, no essencial, de um modo top-down. Sendo um hábito salutar para todas as políticas a sua avaliação, no caso do processo de Bolonha torna-se um imperativo pelas suas profundas repercussões esperadas em todos os campos da actividade universitária, desde as práticas docentes à construção de um espaço europeu de ensino superior.

O modelo binário de ensino superior, assente numa dupla rede de institutos politécnicos e de universidades, precisa, mais do que nunca, de ser repensado. O pressuposto principal que presidiu à criação dos institutos politécnicos nos finais dos anos 1970 e nos anos 1980, se na época já eram questionáveis, hoje não fazem qualquer sentido. A formação superior tem de estar sempre ligada à investigação, enquanto produção de conhecimento e inovação. O terminar com este modelo binário é, também, uma condição (quase) prévia à reorganização da rede de ensino superior em Portugal.

A reorganização da rede de ensino superior público, para além de superar a estrutura dual do sistema, deve permitir criar universidades com dimensão e massa crítica capazes de, em vários campos científicos e globalmente, se inserirem no primeiro escalão do espaço europeu de ensino superior. A condução desse processo deve ter como centro as próprias universidades, competindo ao Governo estimular, mediar e criar as condições institucionais para que as necessárias parcerias e eventuais fusões resultem num acréscimo de eficiência e de exigência nas respostas formativas.

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A avaliação da aplicação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) deve ser considerada, sobretudo nas consequências que teve nas formas de participação democrática da comunidade académica na gestão das escolas e universidades. Nestes tempos de governação neoliberal, a introdução nas organizações públicas, entre as quais as universidades, de formas provenientes do new public management tornou-se o alfa e ómega de todo o discurso e prática política dos Governos conservadores e da chamada terceira via, que destruiu a matriz social-democrata que restava aos partidos socialistas. As universidades (e demais IES) são locais de construção de cidadania, com lógicas e finalidades de acção muito diferentes das empresas privadas de produção e serviços.

A adopção de novos modos de regulação do sistema de ensino superior, extinguindo a A3ES, constitui a última das propostas. Nos últimos anos, em que todos os domínios da vida social foram colonizados pela ideologia neoliberal, generalizou-se a ideia de que o Estado é um péssimo regulador e que tal missão deve ser entregue a entidades pretensamente independentes dos poderes públicos, que são facilmente corrompíveis. A A3ES foi criada nesta lógica. Em geral, estes reguladores têm sido presa fácil dos grupos dominantes, no campo económico. São os mercados e as corporações que os controlam. Veja-se a (não) intervenção do Banco de Portugal nos casos BPN e BPP, ou a (in)acção da entidade reguladora dos combustíveis. No caso do ensino superior, a A3ES tornou-se presa fácil de poderes sem escrutínio democrático mas que o têm controlado (e moldado) desde os anos 1980. Uma lufada de ar fresco, precisa-se.

Nota: Neste espaço, o ex-sindicalista e ex-reitor Alberto Amaral, presidente do Conselho de Administração da A3ES, publicou um texto de ataque pessoal e institucional, a propósito do que considera a "qualidade do sistema no ensino superior" (PÚBLICO, 24/5/2011), tomando como referência o anterior meu texto de opinião "Mudar de rumo: seis propostas para a Educação" (PÚBLICO, 13/5/2011). Não será neste espaço nobre do PÚBLICO que responderei a esse ataque pessoal e institucional, vindo de um titular de um cargo público que, pelas suas funções, se devia pautar pela discrição e isenção. O seu texto demonstra a urgência, em termos de salubridade democrática, de acabar com estes poderes arrogantes e inúteis. Professor. Coordenador científico do Centro de Estudos e Intervenção em Educação e Formação (CeiEF). (teodoro.antonio@gmail.com)

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