Notícias Sábado, 26.II.2011

26-05-2011
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Notícias Sábado, 26.II.2011

O Procurador que nunca largou a futebolice

O permanecente PGR, Pinto Monteiro, gosta muito de dar entrevistas. No fim-de-semana passado, julgou assisado competir pelo espaço mediático com o ministro da Justiça, Alberto Martins: no mesmo dia, foram ambos entrevistados, o PGR no DN e o ministro no JN. Li as duas e fiquei perplexo. Parecia que aludiam a países e a ordens jurídicas diferentes. Ou, pelo menos, que teriam sido produzidas em momentos cronologicamente desfasados tal a discrepância das visões que delas brotavam. Alberto Martins optou por uma análise institucional. Abordou alguns apuros sem os dramatizar e defendeu as suas medidas mais recentes com solidez. Ao contrário, Pinto Monteiro preferiu falar de si e daquilo que os outros sobre si aludem, abusando de uma deplorável narrativa autojustificativa, isentando-se, perdoando-se e ilibando-se, de todos os incontáveis azares em que o seu nome tem sido envolvido. Já se disse escutado, agora insinua-se intensamente perseguido pelos que se recusam a perfilhar a sua tão auto-apregoada isenção face ao poder político. À medida que os meus olhos percorriam as pungentes confissões em que o ainda PGR se parecia regalar, não pude deixar de pensar na existência de misteriosas antipatias materiais entre o exercício de altos cargos na Justiça e no futebol – o estilo de Pinto Monteiro assemelha-se demasiado ao de um ex-presidente do Conselho de Justiça da FPF, função que exerceu e que o parece ter cunhado, revelando-se bastante menos à altura, tragicamente, daquilo que se esperaria de um Procurador-Geral num Estado de Direito civilizado.

O Estado em nossa casa

Qualquer esboço de pretexto serve ao Estado para limitar o já exíguo espaço de liberdade que ainda subsiste na esfera privada dos cidadãos. Pode ser através do fisco, dos identificadores electrónicos que vigiam por onde circulamos, das bases de dados que compilam toda a nossa vida ou de qualquer outro subterfúgio que a tirania do politicamente correcto consiga engendrar.

Agora, em Espanha, para disfarçar a má governação que assola os nossos vizinhos (também), lembraram-se de extremar a proibição de fumar em toda a parte. Mas não se ficaram à porta da casa de cada um – estenderam a interdição até ao âmago do lar, determinando que o cidadão não é livre de fumar na sua própria casa se nela trabalhar uma empregada. Em vez de protegerem as funcionárias domésticas são muito bem capazes de terem ocasionado mais desemprego. O pior é terem-se quebrado os últimos limites que impediam o Estado de regular o quotidiano existencial dos cidadãos dentro das suas casas – o que, até aqui, só era concebível em matéria criminal.

Já estou mesmo a ver o futuro da servidão que nos aguarda: o Estado-decorador que decidirá onde colocaremos os móveis que o Estado designou e nós pagamos, o Estado-costureiro que nos dirá como e o que vestir e o Estado-sexólogo que nos sentenciará os figurinos mais adequados para desempenharmos tudo aquilo em que o Estado nunca se deveria incluir.

Tudo pela Pátria…

Berlusconi parece um personagem burlesco de um filme chocarreiro de terceira categoria… italiano, claro está. Mas a virtude que lhe não falta é o humor – no caso da stripper marroquina menor de idade, Ruby, a sua justificação é inaudita: fez o que fez porque julgava que a miúda era sobrinha de Moubarak, o então líder do Egipto, e pretendia assegurar as boas relações entre essa nação e a Itália. Portanto, para Berlusconi, o melhor modo de alguém cair nas boas graças de um tio é embrulhar-se com a sua sobrinha menor…

O azar de Berlusconi é existirem em Itália magistrados que pensam a sua função de modo radicalmente distinto daquelas hierarquias judiciárias que tanto gostam de se aconchegar ao poder (de que é que estarei a falar?).

Notícias Sábado, 26.II.2011

O Procurador que nunca largou a futebolice

O permanecente PGR, Pinto Monteiro, gosta muito de dar entrevistas. No fim-de-semana passado, julgou assisado competir pelo espaço mediático com o ministro da Justiça, Alberto Martins: no mesmo dia, foram ambos entrevistados, o PGR no DN e o ministro no JN. Li as duas e fiquei perplexo. Parecia que aludiam a países e a ordens jurídicas diferentes. Ou, pelo menos, que teriam sido produzidas em momentos cronologicamente desfasados tal a discrepância das visões que delas brotavam. Alberto Martins optou por uma análise institucional. Abordou alguns apuros sem os dramatizar e defendeu as suas medidas mais recentes com solidez. Ao contrário, Pinto Monteiro preferiu falar de si e daquilo que os outros sobre si aludem, abusando de uma deplorável narrativa autojustificativa, isentando-se, perdoando-se e ilibando-se, de todos os incontáveis azares em que o seu nome tem sido envolvido. Já se disse escutado, agora insinua-se intensamente perseguido pelos que se recusam a perfilhar a sua tão auto-apregoada isenção face ao poder político. À medida que os meus olhos percorriam as pungentes confissões em que o ainda PGR se parecia regalar, não pude deixar de pensar na existência de misteriosas antipatias materiais entre o exercício de altos cargos na Justiça e no futebol – o estilo de Pinto Monteiro assemelha-se demasiado ao de um ex-presidente do Conselho de Justiça da FPF, função que exerceu e que o parece ter cunhado, revelando-se bastante menos à altura, tragicamente, daquilo que se esperaria de um Procurador-Geral num Estado de Direito civilizado.

O Estado em nossa casa

Qualquer esboço de pretexto serve ao Estado para limitar o já exíguo espaço de liberdade que ainda subsiste na esfera privada dos cidadãos. Pode ser através do fisco, dos identificadores electrónicos que vigiam por onde circulamos, das bases de dados que compilam toda a nossa vida ou de qualquer outro subterfúgio que a tirania do politicamente correcto consiga engendrar.

Agora, em Espanha, para disfarçar a má governação que assola os nossos vizinhos (também), lembraram-se de extremar a proibição de fumar em toda a parte. Mas não se ficaram à porta da casa de cada um – estenderam a interdição até ao âmago do lar, determinando que o cidadão não é livre de fumar na sua própria casa se nela trabalhar uma empregada. Em vez de protegerem as funcionárias domésticas são muito bem capazes de terem ocasionado mais desemprego. O pior é terem-se quebrado os últimos limites que impediam o Estado de regular o quotidiano existencial dos cidadãos dentro das suas casas – o que, até aqui, só era concebível em matéria criminal.

Já estou mesmo a ver o futuro da servidão que nos aguarda: o Estado-decorador que decidirá onde colocaremos os móveis que o Estado designou e nós pagamos, o Estado-costureiro que nos dirá como e o que vestir e o Estado-sexólogo que nos sentenciará os figurinos mais adequados para desempenharmos tudo aquilo em que o Estado nunca se deveria incluir.

Tudo pela Pátria…

Berlusconi parece um personagem burlesco de um filme chocarreiro de terceira categoria… italiano, claro está. Mas a virtude que lhe não falta é o humor – no caso da stripper marroquina menor de idade, Ruby, a sua justificação é inaudita: fez o que fez porque julgava que a miúda era sobrinha de Moubarak, o então líder do Egipto, e pretendia assegurar as boas relações entre essa nação e a Itália. Portanto, para Berlusconi, o melhor modo de alguém cair nas boas graças de um tio é embrulhar-se com a sua sobrinha menor…

O azar de Berlusconi é existirem em Itália magistrados que pensam a sua função de modo radicalmente distinto daquelas hierarquias judiciárias que tanto gostam de se aconchegar ao poder (de que é que estarei a falar?).

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