Fado Falado: Artur e Costa (RPS)

20-01-2011
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Tinham sido colegas na Académica, nos inícios de 70.Artur Correia, um tipo muito loiro, defesa-direito, saiu novo para o Benfica. De Jimmy Hagan. Mais tarde, jogou no Sporting e no Tea Men, dos Estados Unidos. Acabou a carreira relativamente novo, por causa, salvo erro, de um acidente vascular-cerebral. Presumo que é funcionário da Câmara de Lisboa.José Alberto Costa, extremo-esquerdo, precocemente careca e de bigodaça, saiu de Coimbra uns anos depois: para o Porto de Pedroto, já campeão, e ajudou ao "bi" de 79. Esteve uns bons anos nas Antas. Presumo que acabou a carreira no Vitória de Guimarães. Foi adjunto do inefável Professor Queirós, no Sporting. Não sei por onde anda.Era eu miúdo, depois adolescente, e lembro-me bem dos duelos Artur/Costa. Começaram em jogos entre Benfica e Académica e continuaram em Portos-Benfica e Portos-Sporting. Aquilo era dar pau a sério, sem que deixassem de jogar a bola, porque eram ambos bons futebolistas, jogadores de selecção, mais Artur do que Costa.Costa, um extremo "puro", tinha uma jogada típica: na esquerda parava a corrida e a bola, enfrentava, nos olhos, o adversário, simulava ir para dentro e colocava a bola por fora, mais para a frente, arrancando em velocidade para a linha de fundo. Dizia-se, na época, que, no momento do arranque, Costa escarrava a cara do adversário, preferencialmente nos olhos. Artur era a sua vítima preferida, o "escarrador de estimação".O defesa fazia-se, contudo, pagar bem, nomeadamente, com entradas violentas de carrinho e com faltas por trás, então imunes a procedimentos disciplinares. Entretinham-se ambos com a bola, é certo, mas também num jogo paralelo de golpes baixos e violência.Hoje, Costa e Artur estariam tramados. As câmaras de televisão iriam registar ao pormenor as entradas violentas, as chapadas subreptícias, os empurrões traiçoeiros, as escarradelas soezes, enfim, toda a sorte de golpes baixos a que recorriam ao longo dos noventa minutos. E levantar-se-ia logo o coro de moralistas, os Catões da nossa praça, com as habituais tiradas feitas:... Obviamente que a adjectivação seria muito mais gravosa para o jogador do Porto, mas isso são contas de outro rosário...Lembro-me, entretanto, de outro episódio com Artur, mas sem Costa, num Sporting-Porto, no ínício dos anos 80. Aos cinco minutos de jogo, Artur e Rodolfo protagonizaram uma cena épica de pugilato. Verdadeiro pugilato, murro a sério, por causa de uma falta banal a meio-campo. Gerou-se um enorme sururu (gosto de sururu) e o árbitro acabou por expulsar os dois. Faltavam 85 minutos para o fim do jogo...Caminhando cabisbaixo para os balneários, em plena pista de cinza de Alvalade (acho que ainda não havia tartan) Artur, mais adiantado, parou, à espera de Rodolfo. Temeu-se o pior, mas ocorreu o melhor: Artur e Rodolfo abraçaram-se longamente e assim, abraçados, caminharam para o túnel, debaixo de uma estrondosa ovação de 60 ou mais mil pessoas.Ocorre-me esta memória a propósito do coro pateta de indignação que levantou o gesto obsceno de Cristiano Ronaldo para o público da Luz, no Benfica-Manchester. E a propósito, também, de outro coro pateta (só menos ruidoso porque o sistema pró-Benfica montado na Comunicação Social o abafou) que se ergueu, há umas semanas, contra um gesto de Nuno Gomes para os jogadores do Braga, insinuando que estariam mamados. Dopados.Bolas! Que mal tem isso, senhores? O futebol não é um mundo de anjos. Acresce que lá dentro um gajo fica cego. Durante algum tempo joguei (sem talento nem glória, é certo) futebol de salão a um nível de alguma competição e sei como um tipo se transfigura lá dentro. O futebol é também isso: os nervos, a pressão, a cegueira mental em alguns momentos, o golpe baixo, a violência, a provocação para enervar o adversário, a traição, a escarredela e - chiça! - fazer piças para a assistência também! Porque não?É nojento este falso moralismo que se instalou no futebol. Tanto mais falso quanto se recorre mais a ele quando convém (os indignados com Cristiano Ronaldo estarão indignados com Nuno Gomes?...).Nenhum dos dois episódios me indigna. Fazem parte do futebol, são absolutamente compreensíveis, normais. Indignam-me, sim, os anjos fiscalizadores da moral que são as câmaras de televisão. E os Catões que a elas recorrem para pregarem moral. Estão a matar o futebol.Piças para eles.

Tinham sido colegas na Académica, nos inícios de 70.Artur Correia, um tipo muito loiro, defesa-direito, saiu novo para o Benfica. De Jimmy Hagan. Mais tarde, jogou no Sporting e no Tea Men, dos Estados Unidos. Acabou a carreira relativamente novo, por causa, salvo erro, de um acidente vascular-cerebral. Presumo que é funcionário da Câmara de Lisboa.José Alberto Costa, extremo-esquerdo, precocemente careca e de bigodaça, saiu de Coimbra uns anos depois: para o Porto de Pedroto, já campeão, e ajudou ao "bi" de 79. Esteve uns bons anos nas Antas. Presumo que acabou a carreira no Vitória de Guimarães. Foi adjunto do inefável Professor Queirós, no Sporting. Não sei por onde anda.Era eu miúdo, depois adolescente, e lembro-me bem dos duelos Artur/Costa. Começaram em jogos entre Benfica e Académica e continuaram em Portos-Benfica e Portos-Sporting. Aquilo era dar pau a sério, sem que deixassem de jogar a bola, porque eram ambos bons futebolistas, jogadores de selecção, mais Artur do que Costa.Costa, um extremo "puro", tinha uma jogada típica: na esquerda parava a corrida e a bola, enfrentava, nos olhos, o adversário, simulava ir para dentro e colocava a bola por fora, mais para a frente, arrancando em velocidade para a linha de fundo. Dizia-se, na época, que, no momento do arranque, Costa escarrava a cara do adversário, preferencialmente nos olhos. Artur era a sua vítima preferida, o "escarrador de estimação".O defesa fazia-se, contudo, pagar bem, nomeadamente, com entradas violentas de carrinho e com faltas por trás, então imunes a procedimentos disciplinares. Entretinham-se ambos com a bola, é certo, mas também num jogo paralelo de golpes baixos e violência.Hoje, Costa e Artur estariam tramados. As câmaras de televisão iriam registar ao pormenor as entradas violentas, as chapadas subreptícias, os empurrões traiçoeiros, as escarradelas soezes, enfim, toda a sorte de golpes baixos a que recorriam ao longo dos noventa minutos. E levantar-se-ia logo o coro de moralistas, os Catões da nossa praça, com as habituais tiradas feitas:... Obviamente que a adjectivação seria muito mais gravosa para o jogador do Porto, mas isso são contas de outro rosário...Lembro-me, entretanto, de outro episódio com Artur, mas sem Costa, num Sporting-Porto, no ínício dos anos 80. Aos cinco minutos de jogo, Artur e Rodolfo protagonizaram uma cena épica de pugilato. Verdadeiro pugilato, murro a sério, por causa de uma falta banal a meio-campo. Gerou-se um enorme sururu (gosto de sururu) e o árbitro acabou por expulsar os dois. Faltavam 85 minutos para o fim do jogo...Caminhando cabisbaixo para os balneários, em plena pista de cinza de Alvalade (acho que ainda não havia tartan) Artur, mais adiantado, parou, à espera de Rodolfo. Temeu-se o pior, mas ocorreu o melhor: Artur e Rodolfo abraçaram-se longamente e assim, abraçados, caminharam para o túnel, debaixo de uma estrondosa ovação de 60 ou mais mil pessoas.Ocorre-me esta memória a propósito do coro pateta de indignação que levantou o gesto obsceno de Cristiano Ronaldo para o público da Luz, no Benfica-Manchester. E a propósito, também, de outro coro pateta (só menos ruidoso porque o sistema pró-Benfica montado na Comunicação Social o abafou) que se ergueu, há umas semanas, contra um gesto de Nuno Gomes para os jogadores do Braga, insinuando que estariam mamados. Dopados.Bolas! Que mal tem isso, senhores? O futebol não é um mundo de anjos. Acresce que lá dentro um gajo fica cego. Durante algum tempo joguei (sem talento nem glória, é certo) futebol de salão a um nível de alguma competição e sei como um tipo se transfigura lá dentro. O futebol é também isso: os nervos, a pressão, a cegueira mental em alguns momentos, o golpe baixo, a violência, a provocação para enervar o adversário, a traição, a escarredela e - chiça! - fazer piças para a assistência também! Porque não?É nojento este falso moralismo que se instalou no futebol. Tanto mais falso quanto se recorre mais a ele quando convém (os indignados com Cristiano Ronaldo estarão indignados com Nuno Gomes?...).Nenhum dos dois episódios me indigna. Fazem parte do futebol, são absolutamente compreensíveis, normais. Indignam-me, sim, os anjos fiscalizadores da moral que são as câmaras de televisão. E os Catões que a elas recorrem para pregarem moral. Estão a matar o futebol.Piças para eles.

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