Da Literatura: À ATENÇÃO DE ANA JORGE

30-06-2011
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Portugal tem 600 mil desempregados. Em termos percentuais, há quem esteja muito pior do que nós, dentro e fora da Europa. Para não ir mais longe, a Espanha. Mas isso não pode servir de consolo. 600 mil desempregados é muita gente. E, até agora, do CDS-PP ao BE só ouvi sugestões de natureza fiscal a favor do empregador. Se contratar não paga isto, se não despedir não paga aquilo, e assim sucessivamente. Moral da história: pagamos todos.E que tal triar uns milhares de desempregados, em princípio os mais jovens, pondo-os ao serviço dos hospitais civis? Provocação? Nem por sombras. Falo muito a sério. O SNS atingiu o ponto de ruptura em matéria de recursos humanos. O número de auxiliares de enfermagem é extremamente reduzido para as necessidades dos grandes hospitais. Quem nunca passou seis horas seguidas em Santa Maria ou São José, fosse das 7 da manhã à uma da tarde, fosse das 9 da noite às 3 da madrugada, não sabe do que falo.As urgências dos hospitais permitem a entrada de acompanhantes (um por doente) porque são os acompanhantes quem guia a maca pelo labirinto dos corredores, tendo de perguntar a quem encontram de calças azul-turquesa em que direcção fica a sala A ou a sala B. Sem acompanhante, os doentes ficam esquecidos, encostados a uma parede. Um doente transportado pelo INEM é depositado na entrada da triagem, em zona de correntes de ar, e ali fica até que chegue o acompanhante. Fica 20, 40 ou 60 minutos. Fica o que for preciso, em função do trânsito caótico ou qualquer outro imprevisto. E não, não estou a falar de cor. Nem sequer de pessoas que se vão queixar de uma dor difusa no dedo mindinho do pé esquerdo.Antes de meter o doente na ambulância, o INEM — cuja eficiência é de realçar — presta os primeiros cuidados, sujeitando o doente ou a família a um rigoroso inquérito, que põe por escrito. Inútil. Os funcionários da triagem (médicos? enfermeiros?) perguntam tudo outra vez, sem disfarçar o tédio, quando não a má-educação. Se não houver acompanhante, o doente espera. A ficha do INEM volatilizou-se no sistema.O busílis não está no guiar a maca. O busílis está em gerir a situação de um doente de 90 anos, diabético, em maca, que saiu de casa numa ambulância, sem tempo para a dose de insulina, sem ter comido, e ao fim de três ou quatro horas ao frio está alucinado de sede e fome, ou de vontade de urinar, ou tudo ao mesmo tempo, mais as dores excruciantes, e o acompanhante não tem como resolver a situação, e não há auxiliares de enfermagem para acudir ao problema. E ao fim de seis ou sete horas sai do hospital a gritar, com sede, fome e vontade de urinar, tendo o acompanhante de telefonar aos bombeiros voluntários [«O mais que posso fazer é dar-lhe o número do telefone»] da sua área de residência, para que tragam uma ambulância que cobra 30 euros para levar o doente de Santa Maria para Entrecampos.Estando os desempregados a receber subsídio, essa verba seria canalizada para os remunerar enquanto voluntários do SNS. (E quem diz no SNS diz noutra actividade qualquer, numa lógica de serviço à comunidade. Nestes casos, o subsídio de desemprego seria por prazo nunca inferior a 60 meses.) Cinco dias úteis de formação profissional chegavam e bastavam para os tornar aptos no apoio básico, fosse nos hospitais ou na assistência domiciliária aos doentes abrangidos pelos cuidados continuados integrados de saúde.Custa assim tanto?Etiquetas: Saúde, Segurança Social

Portugal tem 600 mil desempregados. Em termos percentuais, há quem esteja muito pior do que nós, dentro e fora da Europa. Para não ir mais longe, a Espanha. Mas isso não pode servir de consolo. 600 mil desempregados é muita gente. E, até agora, do CDS-PP ao BE só ouvi sugestões de natureza fiscal a favor do empregador. Se contratar não paga isto, se não despedir não paga aquilo, e assim sucessivamente. Moral da história: pagamos todos.E que tal triar uns milhares de desempregados, em princípio os mais jovens, pondo-os ao serviço dos hospitais civis? Provocação? Nem por sombras. Falo muito a sério. O SNS atingiu o ponto de ruptura em matéria de recursos humanos. O número de auxiliares de enfermagem é extremamente reduzido para as necessidades dos grandes hospitais. Quem nunca passou seis horas seguidas em Santa Maria ou São José, fosse das 7 da manhã à uma da tarde, fosse das 9 da noite às 3 da madrugada, não sabe do que falo.As urgências dos hospitais permitem a entrada de acompanhantes (um por doente) porque são os acompanhantes quem guia a maca pelo labirinto dos corredores, tendo de perguntar a quem encontram de calças azul-turquesa em que direcção fica a sala A ou a sala B. Sem acompanhante, os doentes ficam esquecidos, encostados a uma parede. Um doente transportado pelo INEM é depositado na entrada da triagem, em zona de correntes de ar, e ali fica até que chegue o acompanhante. Fica 20, 40 ou 60 minutos. Fica o que for preciso, em função do trânsito caótico ou qualquer outro imprevisto. E não, não estou a falar de cor. Nem sequer de pessoas que se vão queixar de uma dor difusa no dedo mindinho do pé esquerdo.Antes de meter o doente na ambulância, o INEM — cuja eficiência é de realçar — presta os primeiros cuidados, sujeitando o doente ou a família a um rigoroso inquérito, que põe por escrito. Inútil. Os funcionários da triagem (médicos? enfermeiros?) perguntam tudo outra vez, sem disfarçar o tédio, quando não a má-educação. Se não houver acompanhante, o doente espera. A ficha do INEM volatilizou-se no sistema.O busílis não está no guiar a maca. O busílis está em gerir a situação de um doente de 90 anos, diabético, em maca, que saiu de casa numa ambulância, sem tempo para a dose de insulina, sem ter comido, e ao fim de três ou quatro horas ao frio está alucinado de sede e fome, ou de vontade de urinar, ou tudo ao mesmo tempo, mais as dores excruciantes, e o acompanhante não tem como resolver a situação, e não há auxiliares de enfermagem para acudir ao problema. E ao fim de seis ou sete horas sai do hospital a gritar, com sede, fome e vontade de urinar, tendo o acompanhante de telefonar aos bombeiros voluntários [«O mais que posso fazer é dar-lhe o número do telefone»] da sua área de residência, para que tragam uma ambulância que cobra 30 euros para levar o doente de Santa Maria para Entrecampos.Estando os desempregados a receber subsídio, essa verba seria canalizada para os remunerar enquanto voluntários do SNS. (E quem diz no SNS diz noutra actividade qualquer, numa lógica de serviço à comunidade. Nestes casos, o subsídio de desemprego seria por prazo nunca inferior a 60 meses.) Cinco dias úteis de formação profissional chegavam e bastavam para os tornar aptos no apoio básico, fosse nos hospitais ou na assistência domiciliária aos doentes abrangidos pelos cuidados continuados integrados de saúde.Custa assim tanto?Etiquetas: Saúde, Segurança Social

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