o tempo das cerejas*

23-01-2011
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Horas de azarSob o curioso título «Falemos de Nada», na sua coluna de opinião semanal no Público, que maldosamente julgo dever-se mais ao facto de ter sido ministro das Finanças do que propriamente à «imprevisibilidade», fulgor e vivacidade das suas opiniões e prosas, o prof. Luís Campos e Cunha acaba hoje obviamente por falar de alguma coisa. Assim, numa daquelas generalizações que são sempre de efeito garantido embora não abonem da isenção e capacidade de discernimento dos seus autores, o referido professor e economista começa por perguntar «E o que é o Nada?» (sim, com maiúscula) logo respondendo que «É a oposição em Portugal. Diria mesmo que é a prova da existência do Nada».De seguida, havendo naturalmente a necessidade de fundamentar a cruel sentença, lá vai arrasando a actividade ou intervenção do CDS, do PSD e do BE até chegar ao PCP, ponto em que, com deslumbrante originalidade, afirma que « o PCP está cada vez mais na mesma, desde há muito que deixou de ter como correia de transmissão os sindicatos para passar a ser ele, o PCP, a correia de transmissão dos sindicatos no Parlamento».Acontece porém que o resto do artigo de Luís Campos e Cunha é essencialmente dedicado a expor, embora de forma cuidadosa, as suas patentes reservas e objecções à privatização de empresas como «a REN e EP (Rede Eléctrica Nacional [o nome agora é outro, senhor Professor!] e Estradas de Portugal)» invocando que «estamos a falar de empresas de infra-estruturas que ao longo de decénios foram públicas» mas que, apesar disso, numa referência à REN, «privatizou-se com a mesma naturalidade com que se privatizou uma siderurgia ou um pequeno banco ou um cabelereiro. O sucesso da dita foi apenas o critério e a primeira página dos jornais». E depois de descrever o desastre que foi idêntica privatização nos EUA, Campos e Cunha deixa no ar uma série de perguntas: «Como foi acautelado que tal estado de coisas não continue ou que o descalabro americano não venha a acontecer em Portugal?(...) Como é possível que ninguém se tenha interessado pela questão? Como é possível que nenhum grupo parlamentar se tenha interessado?».Aqui chegados, é tempo de concluir. Em primeiro lugar, para dizer secamente que o prof. Campos e Cunha acha que o PCP «está cada vez mais na mesma» mas isso não o impede de, com notável atraso em relação ao PCP, vir formular objecções e reservas a duas privatizações que o PCP tem combatido com indiscustivel persistência e firmeza e que não são propriamente uma típica matéria sindical (até eu, neste blogue, dediquei dois «posts» à privatização da REN, aqui e aqui ). E em segundo lugar, para dizer que, quando o prof. Campos e Cunha alega que ninguém se interessou pela questão, está apenas a demonstrar como o preconceito e a ligeireza podem cegar. Com efeito, basta, como meros exemplos, ir aqui e aqui para comprovar a atenção prestada pelo PCP à questão que agora o sobressalta. E, já agora, também aqui, onde poderá encontrar a intervenção, em 15.11.2006, do deputado do PCP, Agostinho Lopes, a propósito da criação de uma comissão eventual de inquérito à política energética do Governo.Moral da história: até para um ex-ministro e para um professor catedrático há horas de azar.


Horas de azarSob o curioso título «Falemos de Nada», na sua coluna de opinião semanal no Público, que maldosamente julgo dever-se mais ao facto de ter sido ministro das Finanças do que propriamente à «imprevisibilidade», fulgor e vivacidade das suas opiniões e prosas, o prof. Luís Campos e Cunha acaba hoje obviamente por falar de alguma coisa. Assim, numa daquelas generalizações que são sempre de efeito garantido embora não abonem da isenção e capacidade de discernimento dos seus autores, o referido professor e economista começa por perguntar «E o que é o Nada?» (sim, com maiúscula) logo respondendo que «É a oposição em Portugal. Diria mesmo que é a prova da existência do Nada».De seguida, havendo naturalmente a necessidade de fundamentar a cruel sentença, lá vai arrasando a actividade ou intervenção do CDS, do PSD e do BE até chegar ao PCP, ponto em que, com deslumbrante originalidade, afirma que « o PCP está cada vez mais na mesma, desde há muito que deixou de ter como correia de transmissão os sindicatos para passar a ser ele, o PCP, a correia de transmissão dos sindicatos no Parlamento».Acontece porém que o resto do artigo de Luís Campos e Cunha é essencialmente dedicado a expor, embora de forma cuidadosa, as suas patentes reservas e objecções à privatização de empresas como «a REN e EP (Rede Eléctrica Nacional [o nome agora é outro, senhor Professor!] e Estradas de Portugal)» invocando que «estamos a falar de empresas de infra-estruturas que ao longo de decénios foram públicas» mas que, apesar disso, numa referência à REN, «privatizou-se com a mesma naturalidade com que se privatizou uma siderurgia ou um pequeno banco ou um cabelereiro. O sucesso da dita foi apenas o critério e a primeira página dos jornais». E depois de descrever o desastre que foi idêntica privatização nos EUA, Campos e Cunha deixa no ar uma série de perguntas: «Como foi acautelado que tal estado de coisas não continue ou que o descalabro americano não venha a acontecer em Portugal?(...) Como é possível que ninguém se tenha interessado pela questão? Como é possível que nenhum grupo parlamentar se tenha interessado?».Aqui chegados, é tempo de concluir. Em primeiro lugar, para dizer secamente que o prof. Campos e Cunha acha que o PCP «está cada vez mais na mesma» mas isso não o impede de, com notável atraso em relação ao PCP, vir formular objecções e reservas a duas privatizações que o PCP tem combatido com indiscustivel persistência e firmeza e que não são propriamente uma típica matéria sindical (até eu, neste blogue, dediquei dois «posts» à privatização da REN, aqui e aqui ). E em segundo lugar, para dizer que, quando o prof. Campos e Cunha alega que ninguém se interessou pela questão, está apenas a demonstrar como o preconceito e a ligeireza podem cegar. Com efeito, basta, como meros exemplos, ir aqui e aqui para comprovar a atenção prestada pelo PCP à questão que agora o sobressalta. E, já agora, também aqui, onde poderá encontrar a intervenção, em 15.11.2006, do deputado do PCP, Agostinho Lopes, a propósito da criação de uma comissão eventual de inquérito à política energética do Governo.Moral da história: até para um ex-ministro e para um professor catedrático há horas de azar.

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