Nicolau Santos

15-03-2011
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Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. Os principais factos e figuras de 2010 Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 30 de Dezembro de 2010 Não há volta a dar: a crise do euro e a chanceler alemã Angela Merkel são indiscutivelmente o facto e a figura internacionais do ano no plano económico. No primeiro caso, foram poucos os que admitiriam, oito anos após a sua entrada em vigor, que a moeda única estivesse hoje a passar por um transe que a pode levar a implodir. Com efeito, a afirmação do euro como moeda internacional de pagamento foi um sucesso retumbante, batendo-se hoje taco a taco com o dólar e tendo ultrapassado há muito o valor da moeda norte-americana. Contudo, a crise imobiliária e financeira nascida nos Estados Unidos em 2008 tem tido repercussões violentíssimas na Europa, com vários Estados-membros, que alargaram os cordões à bolsa em 2009 para minorar os efeitos do tsunami, a ficarem agora à beira do colapso sob a pressão dos mercados, que exigem violentas medidas de austeridade para equilibrar as contas públicas, ao mesmo tempo que clamam por crescimento económico, sem o qual não haverá riqueza para pagar os financiamentos entretanto contraídos e os que serão necessários para manter as economias em financiamento. É verdade que houve países que falsificaram dados estatísticos, outros que viram implodir os seus sistemas financeiros, outros ainda que estão a contas com gigantescas bolhas imobiliárias, outros que não conseguem crescer. Mas também é verdade que os governos destes países foram apanhados na rápida mudança de sensibilidade dos mercados, que num primeiro momento de pânico exigiram que as autoridades injetassem milhões e milhões na economia para salvar os sistemas financeiros do colapso; e assim que sentiram os bancos a salvo, passaram a exigir uma drástica e rapidíssima resolução dos défices para voltar a financiar a taxas aceitáveis as economias. A chanceler alemã, Angela Merkel, é a voz europeia desta estratégia. Ao longo deste ano, demonstrou uma total insensibilidade e falta de solidariedade para com o projeto europeu. Deixou que a crise grega alastrasse como uma fagulha na pradaria para tentar ganhar as eleições na Renânia-Vestefália. Perdeu as eleições e lançou a Europa num caos. Finalmente, deitou a mão à Grécia quando percebeu que a banca alemã cairia a pique se os helénicos deixassem de pagar os seus compromissos. Seguiu-se a Irlanda e mais uma vez Merkel impôs a lei de cada um por si - e os irlandeses acabaram a pedir ajuda ao fundo europeu de emergência e ao FMI. Pelo meio, Merkel foi fazendo declarações, como, por exemplo, a de que os investidores privados deveriam ser penalizados no caso de algum dos países da eurolândia entrar em incumprimento, que incendiaram ainda mais os mercados. No último Conselho Europeu, Merkel impôs de novo as regras: fundo europeu de emergência passar a permanente só em 2013; falar de eurobonds nem pensar; e os países em dificuldade têm de aplicar mais medidas de austeridade se for necessário. A Europa está assim: governada pelo eixo franco-alemão (mas os franceses são a sombra dos alemães porque sabem que têm demasiados telhados de vidro); num espaço onde desapareceram as palavras 'solidariedade' e 'coesão'; e com dois países a definhar violentamente (Grécia e Irlanda) e outros dois à beira de ser atacados (Portugal e Espanha), perante a indiferença e o desprezo da líder alemã. Está a chegar o tempo de perguntar se vale a pena pertencer a esta Europa. No plano interno, é fundamental relevar as grandes conquistas e o reconhecimento internacional que a Ciência e a Inovação portuguesas alcançaram. Para isso, muito tem contribuído o papel persistente desempenhado pelo ministro da Ciência e Ensino Superior, Mariano Gago, do secretário de Estado da Energia e da Inovação, Carlos Zorrinho e pela COTEC, em prol da inovação das pequenas e médias empresas. Com mais de 75 mil investigadores em 2008, um aumento de 46% em relação ao ano anterior e quase o dobro desde 2005, Portugal regista uma das maiores percentagens europeias de mulheres a trabalhar nesta área (43%). Além disso, o número de investigadores estrangeiros a trabalhar em Portugal também quase duplicou entre 2005 e 2008, atingindo as 4015 pessoas. O país tem agora 7,2 investigadores em permilagem da população ativa, o que lhe permitiu atingir a média da OCDE e ficar a par da Alemanha e acima da Irlanda (6,1), Espanha (5,8), Holanda (5,7) e Itália (4,1). Mais importante, o número de investigadores a trabalhar nas empresas aumentou 22% entre 2007 e 2008, ascendendo a 10.312. A Rede PME Inovação da COTEC passou a integrar 140 empresas, cujo desempenho em todos os indicadores económicos e financeiros se situa em média cerca de 20% acima dos respetivos sectores. E não por acaso, o Instituto Pedro Nunes da Universidade de Coimbra foi considerado a melhor incubadora mundial para start-ups na área das tecnologias de informação. O facto nacional do ano é sem dúvida o sucesso crescente do calçado português, que é neste momento o maior contribuinte líquido para a balança comercial do país, com um saldo positivo de €733 milhões nos primeiros dez meses do ano. É o resultado de uma aposta nos segmentos de maior valor acrescentado e de uma estratégia de vender caro e comprar barato. O preço médio do calçado importado pelo país baixou para €7,02 o par, menos 77 cêntimos que no ano passado, enquanto o preço do calçado produzido em Portugal e vendido no exterior cresceu 11% entre janeiro e outubro de 2010, atingindo €22,57 o par. Mais caro só o calçado italiano. Mais: o sector, que perdeu a Rodhe e a Aerosoles, as maiores empresas de calçado de capital estrangeiro, recuperou da quebra de 16% das exportações no primeiro trimestre e já exportou este ano 50 milhões de pares de sapatos, cuja responsabilidade é em mais de 90% de pequenas e médias empresas de capital nacional. Últimos destaques: para Fernando Ulrich, presidente do BPI, que foi o primeiro a dizer que o país ia bater contra a parede em matéria de financiamento internacional. E para tantos e bons empresários e gestores: Paulo Pereira da Silva, José Manuel Fernandes, Carlos Moreira da Silva, Jorge Guimarães, Luís Portela, Vítor Marques, Rui Paiva, Vera Pires Coelho, Esmeralda Dourado, Carlos Oliveira, Luís Alves Costa, Gastão Taveira, João Miranda, Rui Nabeiro e muitos outros. Finalmente, um lamento para os que faleceram e tanta falta fazem ao país: José Luís Saldanha Sanches, Horácio Roque, Ernâni Lopes e Carlos Pinto Coelho.

A desgraça do BPN

O BPN vai ter de aumentar o capital em €500 milhões para manter as portas abertas. Ou seja, desde que foi salvo pelo Estado, o BPN não cessou de ver a sua situação agravar-se, apesar de ter recebido mais de €4500 milhões da Caixa Geral de Depósitos. Mais: o Estado não consegue vender o banco nas condições que propôs. Por isso, ou revê as condições, ou fecha o BPN ou obriga a CGD a absorvê-lo. E assim um caso de polícia vai tornar-se um forte encargo para os contribuintes. Cada vez se torna mais evidente que o BPN não deveria ter sido nacionalizado. E que tendo sido, a administração nomeada mostrou-se incapaz de resolver o problema a tempo e horas. À fraude juntou-se a incompetência. Pior era impossível. A culpa é toda do trabalho

De repente, o capital tomou a ofensiva. Os patrões recusam o aumento do salário mínimo para €500 em 2011, conforme tinha sido acordado na Concertação Social. Querem já a flexibilização do despedimento individual e a redução do valor das indemnizações a pagar. Como disse genialmente um dos envolvidos no processo, os patrões querem flexibilizar os despedimentos para aumentar a segurança no emprego. Supõe-se que se tudo se passar como o patronato deseja, a economia vai florescer. E porque não trocar trabalhadores por servos da gleba? Nessa altura, é seguro, o tigre lusitano espantará o mundo!

Texto publicado na edição do Expresso de 23 de dezembro de 2010 O contrarrelógio de Sócrates Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 23 de Dezembro de 2010 O "Financial Times" dizia-o esta semana: durante um mês os países cuja dívida soberana tem estado sob ataque podem estar descansados. Motivo: os operadores dos mercados tiraram férias e estão todos a esquiar nos Alpes suíços. Qualquer que seja a razão, é verdade que existe agora uma janela de oportunidade. Estreita, fugaz, mas que José Sócrates tenta aproveitar em pleno. O primeiro-ministro está a fazer um enorme esforço para convencer Bruxelas, os Estados europeus e, por tabela, os mercados, de que Portugal vai conseguir resolver sozinho os seus problemas. É uma corrida contra o tempo, para tentar passar para o outro lado da linha do comboio, antes da cancela cair. O plano de Sócrates contém dois elementos essenciais: 1) encontrar junto de países amigos fora da zona euro o compromisso de compra de dívida pública durante o próximo ano; 2) mostrar em Bruxelas que estamos a fazer o trabalho de casa e que, por isso, não precisamos de recorrer ao fundo europeu de emergência e ao FMI. E assim, no primeiro caso, o Governo português tem desenvolvido contactos com vários países, uns mais visíveis (China), outros menos (Brasil, Líbia, Venezuela), que poderão comprar parte da dívida pública nacional que teremos de emitir no próximo ano, já que os mercados continuam fechados para a banca nacional e assim se devem manter durante todo o ano de 2011. No segundo, o Governo tirou da cartola o programa Competitividade e Emprego, que aprova 50 medidas em cinco áreas e consubstancia uma agenda para o crescimento, fator-chave para que as fortíssimas medidas de austeridade que vão ser impostas a partir de 1 de janeiro tenham um contraponto que evitem uma longa recessão. Deste programa, o primeiro ponto é óbvio e fundamental: colocar toda a artilharia disponível para apoiar as exportações, dando incentivos, desburocratizando, criando um 'simplex exportações' e estimulando a criação de empresas inovadoras. O segundo ponto visa convencer Bruxelas, o FMI e a OCDE que estamos a fazer o que nos recomendam. E assim parte do pacote visa flexibilizar o mercado de trabalho. Insisto: não é por flexibilizar o despedimento individual e diminuir as indemnizações que a economia portuguesa passa a ser mais competitiva ou a exportar muitíssimo mais. Não por acaso esta semana a Conferência Portugal Global - Empresas Exportadoras mostrou o que as empresas nacionais de sucesso que vendem muito no exterior querem. E não é a flexibilização do despedimento individual, a redução das indemnizações ou a contratação empresa a empresa em vez da contratação coletiva que as preocupa, mas sim energia mais barata e competitiva, uma justiça que seja rápida, eficaz e previsível e uma fiscalidade que não mude como um cata-vento. Do pacote consta também o investimento na reabilitação urbana e a dinamização do mercado do arrendamento. Já foi prometido diversas vezes nos últimos 30 anos. Será desta? Uma coisa é certa: Sócrates está a fazer um forcing para que o país escape ao FMI. Esperemos que tenha sucesso. E quem prefere o contrário ou é tonto ou está a pensar noutras coisas que não o melhor para Portugal e os portugueses. É verdade que já muita coisa não está nas nossas mãos. Mas há que reconhecer que Sócrates está a fazer tudo para aproveitar a pequena janela de oportunidade que existe. Fusão ou confusão?

Supõe-se que quando um Governo toma decisões no sentido de extinguir ou fundir organismos e serviços públicos elas visam 1) melhorar a eficácia da máquina do Estado; 2) cumprir melhor os objetivos de servir a sociedade; 3) garantir alguma economia de meios na sua missão. Foi certamente por estas razões mas também para dar o exemplo que o ministro das Finanças anunciou, entre outras, a fusão entre a Direção-Geral de Impostos e a Direção-Geral das Alfândegas. Fê-lo porque tutela diretamente as duas. A questão, contudo, é a de saber se estas fusões devem obedecer a uma lógica vertical ou envolver organismos com lógicas próximas mas tutelados por diferentes ministérios. As duas agências cobram impostos, mas a DGA tem uma missão bem mais alargada no controlo de produtos que entram e saem pelas fronteiras portuguesas. A sua lógica estará, por isso, mais próxima do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do que da DGCI. A criação de um modelo de Agência Tributária, como a que existe em Espanha, seria talvez a melhor solução, mantendo a DGA e a DGCI a sua autonomia. Não é esse o modelo que está em cima da mesa porque a pressa é má conselheira. Esperemos não estar a poupar na farinha para gastar no farelo. A boa prenda do Montepio

Já todos percebemos que o Estado terá cada vez menos capacidade para acorrer a todas as situações de aflição social que se vão multiplicando por toda a parte. Também já todos percebemos que serão instituições ligadas à Igreja, à sociedade civil e a ONG que poderão minorar o crescente fracasso do Estado nestas áreas. Contudo, elas próprias enfrentam sérias dificuldades. Nesse sentido, é particularmente relevante a decisão do Montepio Geral e do seu presidente, Tomás Correia, de atribuir nesta quadra €200 mil a 20 destas instituições. É uma prática que poderia e deveria ser seguida por outras instituições financeiras e empresariais porque o que temos pela frente é o aumento das desigualdades, o esgaçamento da coesão social e o provável aumento da criminalidade e da violência. E tudo o que se faça para combater estas tendências não é seguramente demais. O filme que todos os banqueiros deviam ver

Inside Job - A Verdade da Crise" é um filme que todos os banqueiros deviam ser obrigados a ver. E todos os bancários. E todos os que trabalham em instituições financeiras. E todos os que vendem produtos financeiros. É um filme que devia passar obrigatoriamente em todas as escolas, sobretudo nas escolas de gestão e economia. "Inside Job - A Verdade da Crise" mostra como a desregulamentação desenfreada esteve na base desta crise. Mostra como Alain Greenspan e Larry Summers são dois dos maiores responsáveis pelo que aconteceu. Mostra como o sistema financeiro, deixado à solta, faz as coisas mais reprováveis com a maior cara de pau - aquela de os bancos que mais embalaram e exportaram derivativos para todo o mundo, a partir de certa altura passarem a especular contra eles, apostando na sua queda e ganhando milhões com isso é a prova da perversidade e falta de honestidade dos reputados banqueiros da Goldman Sachs, da Merryl Lynch e doutros. "Inside Job - A Verdade da Crise" mostra como as agências de rating - a Standard & Poor, Moody's e Fitch - receberam milhões em comissões ao atribuir ratings AA ou AAA a produtos e instituições que um mês depois não valiam nada ou estavam na falência. "Inside Job - A Verdade da Crise" mostra o papel catastrófico que o secretário de Estado do Tesouro, Henry Paulson, teve no despoletar da crise, ao deixar falir a Lehman Brothers e ao salvar a Goldman Sachs, de que tinha sido anteriormente presidente. Mostra ainda a falta de vergonha de diversos presidentes de instituições financeiras, que se retiraram com milhões de dólares nos bolsos, apesar de elas só terem sido salvas pelo dinheiro dos contribuintes. Mostra como a ganância ultrapassou tudo: quem tinha cinco casas queria dez, quem tinha dez jatos queria mais. Mostra como dirigentes europeus viram os seus avisos sobre o tsunami que se aproximava permanentemente desvalorizados. Mostra a hipocrisia absoluta desses senhores, quando disseram a Dominique Strauss-Kahn, presidente do FMI, que deveriam ter sido mais regulados para conter a sua ganância. "Inside Job - A Verdade da Crise" mostra como milhões de pessoas em todo mundo perderam as suas poupanças e os seus empregos por causa de muitos destes senhores importantes que não passam de uns bandalhos sem ética nem moral. A pílula amarga que o filme nos deixa é que muitos deles foram chamados pela Administração Obama para darem os seus conselhos. O negócio segue dentro de momentos. Texto publicado na edição do Expresso de 18 de dezembro de 2010 Dividendos, Açores e hipocrisia Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 16 de Dezembro de 2010 As justificações podem ser as melhores. Mas são atitudes destas que minam a coesão nacional e criam o caldo de cultura para aventuras políticas. Chego tarde ao debate, mas ele vale bem mais um artigo: a antecipação dos dividendos por parte de empresas para escaparem ao novo regime fiscal que os penalizará a partir de Janeiro de 2011. Há dois tipos de argumentos para não aplicar a medida desde já: a alteração das regras a meio do jogo e o receio de que as empresas deslocalizem as suas sedes para o exterior. Os dois argumentos são irrisórios. Primeiro, porque o Governo não teve pejo em alterar durante 2010 e de forma sucessiva o IVA, o IRS e outras taxas, sem um sobressalto de consciência por estar a mudar as regras a meio para milhões de pessoas (e não é seguro que elas também não mudem de país - pelo contrário, os mais novos e talentosos vão-se mesmo embora). Segundo, porque se as empresas vão mudar as sedes por causa desta decisão fiscal, então fá-lo-ão na mesma no próximo ano, porque ela estará em vigor a partir de 1 de janeiro de 2011. As explicações são, portanto, outras. Uma tem a ver exclusivamente com a PT. Alguns dos acionistas da operadora de telecomunicações estão a precisar desesperadamente de liquidez para compor rácios e diminuir o elevado endividamento. Por isso, reagiram histericamente quando se colocou a possibilidade de o Governo taxar desde já os dividendos extraordinários relativos à venda da Vivo. E o Governo, que está obviamente fragilizado, cedeu, porque não quer ter de pôr a mão por baixo de mais algum banco ou grupo económico. A segunda explicação terá a ver com os cálculos políticos de José Sócrates. O primeiro-ministro percebeu que banqueiros e empresários se começam a mudar de armas e bagagens para o líder do PSD, que pensam que será o futuro primeiro-ministro de Portugal. Com a sua tenacidade e capacidade de luta, Sócrates não dá por perdida essa batalha e, com esta decisão - foi ele que travou a intenção do grupo parlamentar do PS de apresentar um diploma para taxar os dividendos antecipados -, pretende reganhar as boas graças dos homens do dinheiro. Está enganado, claro. Mas ainda acredita. Há casos e casos nas empresas que assim decidiram. No da Jerónimo Martins fico completamente estupefacto: Alexandre Soares dos Santos tem dado mostras de ser uma pessoa de enorme integridade e verticalidade. O que decidiu não o honra. Quanto ao líder da Portucel e Semapa, Pedro Queirós Pereira, que recebeu €175 milhões de incentivos no âmbito da ampliação da fábrica de Setúbal (além de, na conferência da "Exame", ter defendido publicamente o primeiro-ministro), o mínimo que se pode dizer é que está a ser bastante ingrato. Em resumo, numa altura em que todos os portugueses estão a ser chamados a fazer um enorme esforço fiscal e a aceitar um corte abrupto do seu nível de vida, há quem se dessolidarize desse esforço. As justificações podem ser as melhores. Mas são atitudes destas que minam a coesão nacional e criam o caldo de cultura para aventuras políticas perigosas. Quando ao presidente do Governo Regional dos Açores, também deu um 'belo' exemplo ao não fazer cortes salariais na região. Espero que quando voltar a ter necessidade do apoio do continente, os cidadãos do retângulo lhe paguem na mesma moeda. Mas pior que a decisão de Carlos César é a constatação pelo Governo de que não tem poder para impor as suas decisões em todo o território nacional. É a isto que conduziu o caminho de autonomia regional sem fim nem restrições. A vitória de Lurdes Rodrigues

Um estranho silêncio caiu sobre a notícia mais relevante desta semana: a espetacular melhoria dos resultados dos alunos portugueses segundo o PISA (Programme for International Student Assessment), que avalia o desempenho escolar dos jovens de 15 anos em 65 países. Se tivermos apenas em conta os 33 países da OCDE, os estudantes portugueses foram os que mais progrediram na literacia de leitura, matemática e científica. Portugal teve a melhor evolução global de resultados entre todos os países, a segunda melhor a Ciências e a quarta a Matemática e Leitura - e integra agora o grupo de países que estão dentro da média da OCDE. A melhoria nas três áreas científicas deve-se, segundo o PISA, às políticas aplicadas desde 2005. O investimento feito em computadores portáteis, acesso à banda larga, refeições escolares, aumento do apoio social escolar, a formação dos professores em Matemáticas e Ciências e a criação de novas ofertas educativas, como os cursos profissionais contribuíram para este sucesso. E a isto se podem juntar o Plano Nacional de Leitura, o Plano de Ação para a Matemática, as bibliotecas escolares, a modernização do parque escolar e a cultura de avaliação, das provas de aferição e exames nacionais até à avaliação dos professores e das escolas. Chegados aqui, convém lembrar que este sucesso tem um nome e um rosto: Maria de Lurdes Rodrigues. Foi a ex-ministra da Educação que conduziu e executou a maior parte destas mudanças e os resultados estão aí para o provar. Mário Nogueira, líder da FENPROF, veio logo desvalorizar o sucesso, dizendo que "é positivo, mas comparámo-nos com países com margens de progressão muito menores". É falso. A comparação é com mais de 60 países de todo o mundo, em estágios de desenvolvimento muito diferentes. Ele é um dos grandes derrotados por estes resultados, assim como Santana Castilho, outra Cassandra da educação e o candidato presidencial Manuel Alegre, que tanto criticou a ex-ministra. E no PS não se sabe o que pensam agora António Vitorino e António Costa. O que se sabe é que José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues foram deixados sozinhos nesta batalha decisiva para o país - pelo PS e mesmo pelos restantes membros do Governo. Vê-se agora que eram eles que estavam no caminho certo e que o país ganhou com o rumo que imprimiram à Educação. Ao menos que se lhes reconheça esse mérito, agora que tudo parece ter desandado e os Nogueiras voltam a reinar. A UE à beira da implosão

A Europa passa por estes dias por enormes riscos de implosão - pelo menos da zona euro. Na verdade, a Alemanha está praticamente isolada nas suas posições relativamente à forma de responder à crise que não larga as economias periféricas, apesar dos medidas de enorme austeridade que entretanto tomaram. Jean Claude Junker, presidente do Eurogrupo, deixou claro que é necessário criar mecanismos europeus para apoiar os países em dificuldade, a saber: a Agência Europeia da Dívida, a par do reforço da capacidade de emissão de eurobonds e do fundo europeu de emergência. A todas as propostas, a chanceler alemã Angela Merkel voltou a dizer não. Para Merkel, palavras como solidariedade e coesão não existem na Europa que imagina (?). Como bem lembra Maria João Rodrigues em artigo de 27 de Novembro no Expresso Online, "o problema central é o facto dos fundamentos dos instrumentos europeus, criados em maio para assegurar a inexistência de falhas no pagamento das dívidas nacionais estarem a ser questionados pelo seu principal tesoureiro". Na prática, Merkel quer satisfazer a sua opinião pública, criando condições para que saiam do euro um conjunto de países que os alemães pensam que não deviam lá estar. Só que o risco dessa estratégia é tão elevado que, no final, também a Alemanha perderá e muito: economica, mas sobretudo politicamente. E essas feridas demorarão a esquecer. Inútil e indispensável

No século XIX, existiu em Portugal uma geração de brilhantes escritores e artistas, onde pontificavam Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro e Eça de Queirós, que se reunia no restaurante Tavares e se autointitulava "Os Vencidos da Vida". No século XXI, está aparentemente a nascer uma geração, que se começa a intitular de "Os Inúteis" porque se reúne em torno de uma revista de poesia e fotografia, que vai no seu terceiro número e se chama "Inútil". Os seus fundadores são Maria Quintans, Ana Lacerda e João Concha e se é possível três pessoas lançarem uma revista com estas características neste país, então Portugal tem um grande futuro e toda a esperança é possível. O convidado deste número é Maria Teresa Horta, que responde em verso à entrevista que lhe foi feita e que no lançamento da revista foi de uma enorme frontalidade, inteligência e humor.

Olha os meus olhos morena

porque a aventura é ficar

se a minha terra é pequena

eu quero morrer no mar. Lençóis de algas e peixes

de barcos a menear

no dia em que tu me deixes

eu quero morrer no mar. E se o negro é a tua cor

respirando devagar

depois do amor meu amor

eu quero morrer no mar. António Lobo Antunes, Eu Quero Morrer no Mar Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 11 de dezembro de 2010 A armadilha em que caímos Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 9 de Dezembro de 2010 A compra de dívida pública dos países em dificuldades pelo BCE é o único caminho que evita longos anos de dor aos cidadãos desses países. Em longa entrevista ao "Diário Económico", Nouriel Roubini, uma conhecidíssima Cassandra económica que previu a crise que estamos a viver, veio dizer o que devemos fazer: pedir já ajuda ao Fundo Monetário Internacional. Porquê?... Porque Portugal, para reduzir o défice orçamental, "vai ter de aumentar impostos e cortar nas despesas. Só que, a curto prazo, estas medidas vão agravar o clima de recessão e dificultar ainda mais a estabilização da dívida. É uma missão impossível". Por outras palavras, Roubini diz-nos que a redução do défice de 7,3% este ano para 4,6% em 2011 vai exigir um ajustamento tão brutal que levará a economia a entrar em recessão. Neste quadro, "os investidores ficam nervosos, as taxas de juro (da dívida soberana) não param de subir, a dívida e o défice aumentam de tal forma que força um país a cair nos braços do FMI e do Fundo Europeu de Emergência (FEE), quer queira quer não". Bom, mas o Orçamento do Estado para 2011 já foi aprovado e traz com ele uma enorme punção fiscal, bem como um corte severo nas despesas e o adiamento dos grandes projetos públicos. Não chega? Resposta de Nouriel: "O problema é que, primeiro, o mercado pode não acreditar que vai conseguir fazê-lo, porque já antes não conseguiu; segundo, mesmo que o faça, é possível que não consiga manter o ajustamento fiscal. E, por fim, por mais necessário que seja subir impostos e cortar despesas, a curto prazo isso tem um impacto deflacionário e de recessão na economia. Está encurralado. O mercado diz que, enquanto está a tratar do equilíbrio orçamental, vai castigar o país puxando as taxas até ao limite, retirando assim acesso ao mercado e gerando uma crise." Como é que se sai disto? "É preciso crescimento", diz Roubini. Ah, sim? Grande novidade! Mas como? Ora, deflacionando a economia ("se reduzir os preços e os salários em 30% nos próximos três ou cinco anos vai ter uma verdadeira desvalorização da moeda e recuperar competitividade", diz Roubini, admitindo contudo que isto significa uma recessão contínua e não há nenhum país que consiga aceitar cinco anos de recessão para recuperar a competitividade) ou então fazer as famosas reformas estruturais. Só que esta solução alemã, como reconhece Nouriel, levou 15 anos a conseguir na pátria de Angela Merkel. Assim, se Portugal, Espanha ou Grécia começassem hoje a seguir esse caminho, "só fariam a recessão ficar pior. Por isso, se as reformas estruturais demorarem muito, então a única opção, já no limite, será deixar a União Europeia e voltar ao dracma, ao escudo, à peseta". Por outras palavras, estamos numa armadilha e todas as soluções parecem más. Sair do euro seria catastrófico para 80% das famílias portuguesas, que pediram crédito para compra de habitação; pedir a reestruturação da dívida é o mais provável, mas também terá consequências negativas. Resta a solução que Roubini não invocou, não se percebe porquê: a compra de dívida pública dos países em dificuldades por parte do Banco Central Europeu. É este o único caminho (que, aliás, a Reserva Federal tem seguido nos Estados Unidos em relação a bancos e empresas) que evita longuíssimos anos de dor aos países que já pediram ajuda ao FMI e ao FEE e aos que ainda virão a pedir - e que, em última instância, evitará a implosão do euro. E isto agora sou eu a fazer de Cassandra. Um homem ao serviço de Portugal

Quando, em 1983, Mário Soares o convidou para ministro das Finanças do Governo do Bloco Central aceitou o desafio, porque colocou a Pátria acima da família. Quando, no verão de 1985, Soares lhe pediu para descer os preços dos combustíveis devido às eleições que ocorreriam pouco depois, disse-lhe que não faria tal coisa por a situação orçamental ainda não estar consolidada. No dia 28 de março de 1985, por volta das três da manhã, saiu de uma sala do edifício Berlaymont da Comissão Europeia em Bruxelas, tendo ao seu lado o ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, Fernando Móran, para anunciar que as negociações de adesão de Portugal e Espanha à então Comunidade Económica Europeia estavam concluídas - tarefa que tinha conduzido entre 1979 e 1983 como chefe da missão de Portugal junto das Comunidades Europeias. Logo nessa madrugada disse que o mais fácil estava feito - a partir daí é que iria começar o verdadeiro desafio para Portugal. Professor "há uma eternidade", como diz na sua última entrevista à revista do Montepio, nunca perdeu esse jeito de explicar de forma ilustrada o que pretendia dizer. Os textos que publicava na SaeR, empresa que fundou, são de uma enorme profundidade e previsão. Lutou denodadamente pela criação de uma elite nacional, que considerava decisiva para conduzir o país por bons caminhos. O triângulo da lusofonia Portugal-Brasil-Angola era, para ele, o Santo Graal que nos poderá dar um papel no século XXI. E foi ele que apontou o cluster do mar como decisivo para o nosso futuro, a par do aproveitamento de oportunidades no turismo, ambiente, serviços de valor acrescentado e cidades. A par da sua intervenção pública, era um homem de uma enorme integridade, verticalidade e exigência - mas também de grande afabilidade. Quando há quatro anos descobriu que tinha um linfoma, deu uma notável entrevista ao jornalista Virgílio Azevedo, do Expresso, onde afirmava: "A doença foi, a nível espiritual, uma das maiores bênçãos de Deus que tive na minha vida". Definia-se como "um cidadão honesto que estuda e trabalha, um pai de família que ama Portugal". E tinha uma receita, com sete regras, para sermos melhores: estudar, estudar, estudar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar. Ao contrário do que se diz, há pessoas insubstituíveis. Ernâni Lopes era uma delas. O país deve-lhe um enorme agradecimento por tudo o que fez por Portugal. E eu agradeço-lhe o enorme privilégio de ter aprendido tanto consigo. A questão laboral

FMI e OCDE deram em recomendar recentemente que Portugal faça uma profunda reforma no mercado laboral, flexibilizando o despedimento individual e baixando as indemnizações a pagar. Fernando Ulrich, que tem a grande vantagem sobre outros gestores bancários de não ter papas na língua, disse o que tinha de ser dito na Hora H do "Jornal de Negócios": essas entidades não fazem a mínima ideia de como funciona a economia portuguesa e por isso não lhes presta atenção nestas matérias. Dito isto, defendeu que devia ser totalmente liberalizado o despedimento em Portugal com compensações acrescidas, sublinhando ao mesmo tempo que o despedimento coletivo é muito fácil. Acrescento eu que: 1) liberalizar o despedimento individual torna mais fácil a gestão das organizações mas não é a panaceia para resolver o problema da competitividade da economia portuguesa, que depende de muitos outros fatores, entre os quais a liderança e a boa gestão empresarial; 2) pode servir para trocar trabalhadores mais velhos e caros por mais novos e baratos mas também não é por aí que se resolve o problema da elevada taxa de desemprego nacional. O que precisamos é de uma agenda para o crescimento. Mas isso é outra história. Uma nova agência?!

No âmbito da aprovação do Orçamento do Estado para 2011, Governo e PSD acordaram em criar uma equipa conjunta para reavaliar todas as parcerias público-privadas e os grandes projetos de obras públicas. Ainda não se criou a dita cuja comissão e sabe-se que o Governo está a criar uma Agência para o Investimento Público e Parcerias, que terá por funções gerir o sistema de acompanhamento e controlo das grandes obras públicas, das parcerias público-privadas e contratos superiores a €25 milhões. E a gente espanta-se. Então ninguém fazia isso? E agora, na atual situação, é que vão criar uma nova agência? Agora em que têm um acordo com o PSD para analisar exatamente essas situações? Uma agência que, ainda por cima, não é independente, porque vai ter de responder ao ministro das Finanças? Não é só um escândalo. É uma afronta aos cidadãos. E alguém tem que a travar rapidamente. Nicolau Santos Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 4 de dezembro de 2010 Cinco mitos sobre a crise Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 2 de Dezembro de 2010 A Europa do Norte governa muito melhor que a do Sul? Bom, o primeiro país a falir foi a Islândia e o terceiro a ajoelhar perante o FMI foi a Irlanda. Acabemos com os mitos. O primeiro é que a Europa do Norte governa muito melhor do que a do Sul. Bom, o primeiro país a falir com grande estrondo foi uma tal de Islândia, que não fica no Mediterrâneo e cujo sistema financeiro jogou em pleno na economia de casino, pagando juros elevadíssimos para captar dinheiro de vários pontos do mundo. E o terceiro a pedir ajuda ao fundo europeu de emergência e ao FMI foi a Irlanda, que durante anos e anos foi apregoada por hordas de gurus como o modelo que os países do Sul deveriam seguir para obter sucesso. O segundo mito é que países como Portugal atuaram tardiamente em relação à crise. Ora muito bem: a Irlanda, assim que sentiu o perigo, aplicou severos cortes nos salários dos políticos e da função pública e atacou em força as despesas do Estado para reduzir o défice. Por isso, foi saudada por múltiplos analistas e pelas capitais europeias. Tenho um segredo para partilhar: não foi por atuar mais cedo nem por fazer o que devia que a Irlanda resistiu aos mercados. Pelo contrário, ajoelhou no passado fim de semana. Antes de Portugal, cujo Governo atuou tarde e a más horas. Outro mito que vai ao fundo. Terceiro mito, que decorre deste: se a Irlanda recorresse ao fundo europeu de emergência e ao FMI, os mercados iriam acalmar e deixar em paz os outros países. Basta ver o que se está a passar esta semana, com a subida dos juros da dívida pública de Portugal e Espanha, para perceber que este é outro mito que não resiste à realidade. Quarto mito: se os países em dificuldades tomassem medidas orçamentais duríssimas para reduzir os seus défices, atingindo assim gravemente o nível de vida e de bem-estar dos cidadãos, os mercados entenderiam a mensagem e deixariam de pressionar esses países. A resposta está aí: vamos aplicar a mais brutal redução do défice público em quase quatro décadas de democracia e estamos a caminho de ser obrigados a pedir a ajuda internacional, talvez antes do final do ano. E a Espanha, que também fez severos cortes orçamentais atempadamente, vai exatamente pelo mesmo caminho. Quinto mito: é muito melhor que venha o FMI impor as medidas que deveremos adotar em vez de sermos nós a resolver os nossos problemas. Pois bem: o FMI recomenda cortes salariais (estão feitos), redução nas prestações sociais (está concretizada) e reformas, nomeadamente na segurança social (ignoram que fizemos uma das mais radicais reformas da segurança social a nível europeu) e no mercado de trabalho (já fizemos parte do trabalho). Mas o FMI quer mais: quer que o despedimento individual seja flexibilizado e que os processos de despedimento sejam mais baratos, levando as empresas a pagar indemnizações mais reduzidas, sobretudo nas rescisões com trabalhadores do quadro e muitos anos de casa. Ou seja, num país em que o salário médio per capita é de €800, o FMI considera que a raiz dos nossos problemas reside na legislação sobre o despedimento individual e nas indemnizações pagas. Com a devida vénia, é um autêntico disparate. Este arrazoado não evitará, com grande probabilidade, que tenhamos de recorrer aos apoios europeus e do FMI. Mas sempre podemos dizer a dezenas de gurus, economistas e analistas que a sua argumentação tem sido completamente desmentida pela realidade e que não nos comem por parvos. E por falar em culpados

Anda a fazer caminho a tese de que todos somos responsáveis pela crise. É uma forma de branquear a responsabilidade fundamental que o sistema financeiro norte-americano e a Reserva Federal, durante o consulado de Alan Greenspan, têm nesta desgraça. Perante a complacência do último e a ganância dos primeiros, foram disseminados por todo o mundo produtos tóxicos que minaram os sistemas financeiros de outros países. À crise imobiliária dos EUA, seguiu-se a crise financeira, e depois a crise económica, e começam agora a ocorrer as crises políticas. É claro que nós também temos as nossas culpas. O Estado social cresceu muito para além da nossa capacidade de o financiar. As famílias endividaram-se para lá do que podiam suportar. E as empresas vivem há anos sem os capitais próprios que deveriam ter. Contudo, o monstro da despesa pública tem pais: Cavaco Silva (que pôs em prática o novo sistema retributivo da função pública e deu aos reformados o 14º mês), António Guterres e Jorge Coelho (que integraram milhares de pessoas a recibos verdes nos quadros da função pública e puseram a massa salarial a crescer a taxas médias de 10% ao ano) e João Cravinho, o pai das SCUT. Todos somos culpados? Sim, mas há uns que são bem mais culpados do que outros. A melhor incubadora do mundo

Qual é o país que tem a melhor incubadora de base tecnológica do mundo? Estados Unidos? Japão? Não. É Portugal. A IPN Incubadora, de Coimbra, alcançou o primeiro lugar no concurso mundial "Best Science Based Incubator". A IPN Incubadora destacou-se entre as 50 incubadoras de 23 países, pelos seus resultados em matéria de modelo de negócio autossustentado com forte retorno do investimento público, taxa de sobrevivência das empresas incubadas superior a 80%, volume de negócios agregado destas empresas superior a €70 milhões em 2009 e a criação de mais de 1500 postos de trabalho diretos muito qualificados. Desde 1996, a IPN Incubadora já apoiou a criação de mais de 140 empresas de base tecnológica, como a Critical Software, Crioestaminal, CWJ - Componentes Eletrónicos, Wit-Software, Active Space Technologies, HIS - Health Information Systems, Medicine One e a ENEIDA, entre outras. Por outras palavras, há vida (e excelente) para lá da crise que sufoca o país. Merkel volta a atacar

A chanceler alemã disse terça-feira em Berlim que a perspetiva de intervenção do fundo europeu de emergência e do FMI noutros países da Eurolândia é "excecionalmente sério". Coincidência ou consequência, as taxas de juro da dívida pública da Irlanda, Portugal e Espanha dispararam, ultrapassando respetivamente os 9%, 7% e 5%. A atuação e as palavras de Angela Merkel em todo este processo têm servido para incendiar a fogueira que está a devorar os países periféricos e a colocar em perigo o euro. Primeiro, foi o longo processo de ajuda aos gregos, que se arrastou por mais de quatro meses. Depois, foi a declaração de que os investidores privados também deveriam suportar parte dos custos de ajustamento dos países que entrassem em incumprimento. Agora, é Merkel ainda a sinalizar aos mercados que há outros países (e não apenas um, Portugal) que podem ser obrigados a pedir ajuda de emergência à Europa e ao FMI. Sim, a Grécia fez enormes disparates na área social e falsificou as contas, a Irlanda deixou à solta o sistema financeiro, nós endividámo-nos violentamente. Mas o que Merkel está a fazer não é só impor fortes ajustamentos aos países periféricos. Está a contribuir para que isso seja feito com a maior dor social possível. E isso é imperdoável. A fatura da eletricidade

Vale a pena debater a proposta da Deco para reduzir os custos da fatura de eletricidade. Do total dos €5,5 mil milhões, 2,5 mil milhões correspondem aos custos de políticas públicas, que em 2001 eram quase nulos. O que aconteceu entretanto? Bruxelas desenvolveu um conjunto de políticas ambientais e de energia, que Portugal também adotou. E assim daqueles 2,5 mil milhões, 700 milhões correspondem a apoios às energias renováveis, mais de 100 milhões são para a convergência tarifária com as regiões autónomas, 250 milhões vão para os municípios, por onde passam as redes de baixa tensão, 700 milhões apoiam a co-geração e 430 milhões são canalizados para as centrais da EDP, que têm contratos de longo prazo indexados ao custo do carvão. O que fazer? Tudo tem a sua justificação política e social. Mas a crise exige que sejam renegociados estes compromissos para aliviar o esforço fiscal brutal que está a ser pedido aos cidadãos. Já vi matar um homem

é terrível a desolação que um corpo deixa

sobre a terra

uma coisa a menos para adorar (...)

entendes por isso o meu pânico

nessas noites em que volto

sem razão nenhuma

a correr pelo pontão de madeira

onde um homem foi morto (...)

há quem diga

a vida é um pau de fósforo

escasso de mais

para o milagre do fogo

hoje estive tão triste

que ardi centenas de fósforos

pela tarde fora

enquanto pensava no homem

que vi matar

e de quem não soube nada

nem o nome José Tolentino Mendonça, "Uma coisa a menos para durar"

Nicolau Santos Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 27 de novembro de 2010 Não precisamos do FMI Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 25 de Novembro de 2010 Não estamos perante uma inevitabilidade e mesmo num quadro muito difícil podemos e devemos ser nós a colocar a casa em ordem. O ministro das Finanças anda manifestamente cansado. Só assim se percebe que tenha dito ao "Financial Times" que o recurso do país ao Fundo Monetário Internacional era praticamente uma inevitabilidade, para depois desmentir à Reuters que tal possibilidade pudesse vir a ocorrer. E também só assim se compreende que a explicação sobre o corte adicional de 500 milhões na despesa pública tenha sido fornecida no final do debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado, já sem a possibilidade de ser sujeita a contraditório, quando efetivamente as medidas em causa estão muito longe de convencer que cumprirão o objetivo desejado. Talvez por isso - e sobretudo pelas declarações de Teixeira dos Santos ao "Financial Times" - sente-se que começa a existir alguma resignação quanto à vinda do FMI para colocar na ordem a situação orçamental e financeira portuguesa. Ora é bom que se diga que não estamos perante uma inevitabilidade e que mesmo num quadro muito difícil podemos e devemos ser nós a colocar a casa em ordem. O primeiro passo para isso foi a elaboração e aprovação do Orçamento do Estado para 2011, que contempla a maior redução de sempre na história das finanças públicas portuguesas (de 7,3% para 4,6%). O segundo terá de ser a aplicação firme das medidas que nele estão contidas. E como passo intermédio é óbvio que é essencial cumprir o défice do Estado de 7,3% previsto para este ano. É certo que a envolvente não ajuda. Após a Irlanda ter aceite a ajuda europeia e do FMI para salvar o sistema financeiro, os mercados olham agora para nós como a próxima vítima. Por isso não temos muito tempo, talvez duas semanas, para os convencer que vamos mesmo cumprir os compromissos que assumimos. É claro que não temos tempo para encontrar um consenso político que reforce a nossa posição externa, através de uma grande coligação governamental. Mas podemos tomar mais algumas decisões que reforcem a nossa credibilidade externa. O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, enunciou-as: além de um reforço institucional que garanta uma execução rigorosa do Orçamento para 2011, é necessário que a proposta de OE para o próximo ano seja considerada como parte de uma estratégia, efetiva e credível, de consolidação das finanças públicas e da disciplina orçamental no longo prazo. A primeira parte exige uma avaliação técnica independente e transparente do impacto financeiro, imediato e diferido, das escolhas políticas (Carlos Costa defendeu a criação de uma agência independente, um Conselho de Política Orçamental). A segunda implica a definição de tetos plurianuais para o défice, para a dívida e para a despesa, uma proposta que também Eduardo Catroga já tinha feito (em relação à despesa). O remédio é amargo e estas limitações também não são agradáveis para nenhum Governo. No entanto, se forem necessárias para escaparmos à intervenção do FMI, talvez valha muito a pena colocá-las em prática. É claro que se o Fundo vier também continuará a haver vida em Portugal. Mas ficaremos numa situação de protetorado e perderemos por mais alguns anos a pouca credibilidade que nos resta, além do que as medidas não serão muito diferentes daquelas que estão contempladas no OE 2011. A vinda do FMI será o fim do mundo? Não. Mas há futuros melhores. O preço dos combustíveis

Porque é que o preço dos combustíveis é mais barato nos hipermercados? Porque não lhes são exigidas certas regras de segurança e ambientais que são obrigatórias nos postos de abastecimento regulares. Mas há também postos independentes que vendem combustível mais barato. Fazem-no porque precisam de ganhar clientela. Bom, mas a Galp abriu uma bomba em Setúbal onde vende a preços mais baratos. Só que são combustíveis não-aditivados e a bomba não dispõe de estruturas de apoio. O Automóvel Clube de Portugal diz que a gasolina aí vendida tem os mesmos aditivos das bombas regulares. Aliás, 95% dos combustíveis consumidos em Portugal são produzidos nas duas refinarias nacionais. Bom, mas não se pode negar que a investigação que as companhias desenvolvem há de ter algum reflexo nos combustíveis que vendem. No meio disto tudo, os consumidores querem ter o direito de optar entre os combustíveis muito caros, caros ou de baixo custo, mesmo que estes últimos desgastem mais os motores. E isso não lhes deveria ser negado. Assim, o Governo vai regulamentar a lei dos combustíveis, que supostamente obrigará as companhias a oferecer combustíveis de baixo custo. Um debate que esteve no centro do Expresso do Meio-Dia . A vida em Angola 35 anos depois

Trinta e cinco anos depois da independência, Angola é hoje uma terra de violentos contrastes, como mostra a reportagem de Alexandra Correia na "Visão ". Há uma pequena nomenclatura que acumula milhões, passa férias na Europa, no Brasil ou nos Estados Unidos e é dona de propriedades em Angola e no estrangeiro. E há a maioria dos 18 milhões de habitantes (54,3%, segundo a ONU), que vive abaixo do limiar da pobreza. Luanda é a cidade mais cara do mundo, mas é também aquela onde todos são obrigados a entrar no esquema da "gasosa", ou seja, pagamentos por baixo da mesa para resolver problemas. Angola é a terra das oportunidades para diplomados ou carpinteiros, empresários da restauração ou da noite. Mas é também o país onde a esperança de vida não ultrapassa os 48,1 anos e metade da população não tem acesso a água corrente. Angola é uma terra de esperança e de futuro, que só pode melhorar, apesar de ser uma cleptocracia. Depende de quem e como se olha para ela. O exemplo da Barbot

A Barbot, empresa nacional de tintas, crescia 18% ao ano nos anos 80. Contudo, conta Carlos Barbot, presidente da companhia: "A partir de 2003, foi como se uma parede nos tivesse aparecido à frente". As taxas de crescimento esfumaram-se e a Barbot teve de se internacionalizar. Começaram pela Galiza. Não funcionou. Fizeram uma associação com uma empresa espanhola. Não funcionou. Pensaram em comprar uma empresa em Espanha. Também não funcionou porque a empresa estava sobrevalorizada. Arranjaram um parceiro em Angola. Mas o controlo à distância é diferente de estar no local. Finalmente, as coisas começaram a correr melhor: em França, em Angola (onde se justificou montar uma fábrica), em Espanha (onde adquiriram uma empresa mais em conta), em Cabo Verde (onde cooperam com uma empresa gerida por um português). E olham para Marrocos, Líbia e Tunísia. Contudo, Carlos Barbot frisa que a internacionalização teria sido muito mais simples e não teriam cometido tantos erros se tivessem podido contar com o apoio de grandes empresas portuguesas que estão nesses mercados, abrindo portas, facilitando conhecimentos, hábitos, etc. É esse apoio que Galp, Jerónimo Martins, EDP, PT, etc., já dão às PME nacionais que se querem internacionalizar, que deve ser aprofundado e que deveria ser absolutamente normal. No final, ganham todos: as pequenas e as grandes empresas, mas também o país. Uma questão de liderança

Sim, o jogo era a feijões. Mas ganhar por 4-0 aos campeões da Europa e do mundo, mesmo num jogo a feijões, não é normal. Portugal conseguiu-o, através de uma exibição brilhante e com um empenho fora do normal dos seus jogadores num jogo particular. Ora como foi possível transformar a seleção abúlica e medrosa, que vegetou no campeonato do mundo da África do Sul, nesta seleção, que volta a praticar excelente futebol, a ser temida pelos adversários e a melhorar a nossa autoestima? A resposta chama-se liderança. Paulo Bento é o responsável por esta extraordinária mudança da seleção nacional. E prova, mais uma vez, que é o fraco rei que faz fraca a forte gente. Dá a surpresa de ser.

É alta, de um louro escuro.

Faz bem só pensar em ver

Seu corpo meio maduro. Seus seios altos parecem

(Se ela estivesse deitada)

Dois montinhos que amanhecem

Sem ter que haver madrugada. (...) Apetece como um barco.

Tem qualquer coisa de gomo.

Meu Deus, quando é que eu embarco?

Ó fome, quando é que eu como? Fernando Pessoa, 1888-1935 Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 20 de novembro de 2010 Hoje também há boas notícias Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 18 de Novembro de 2010 Se todas as PME do país tivessem o mesmo desempenho das PME da Rede COTEC, o défice orçamental estaria próximo dos 3%. Os Encontros Rede PME Inovação COTEC são sempre excelentes momentos para lavar a alma das desgraças do país. Com o 4º Encontro, que decorreu esta semana, voltou a acontecer o mesmo. A empresa vencedora do prémio PME Inovação COTEC-BPI 2010 foi a Polisport. O leitor nunca tinha ouvido falar nela certamente? Não se preocupe. Eu tenho mais obrigações e também não a conhecia. E, no entanto, a Polisport, empresa de equipamentos para veículos de duas rodas (bicicletas ou motos) sediada em Oliveira de Azeméis, é uma companhia altamente inovadora (conta com 11 registos de patentes, quatro patentes já concedidas e cinco registos de design comunitário). Inventou as cadeiras porta-bebés para bicicletas, liderando o mercado europeu neste sector, e patenteou a tecnologia de injeção de plástico, que permite produzir peças decoradas por fusão entre o grafismo e o plástico. A empresa desenvolve os processos de inovação em articulação com universidades portuguesas e exporta 97% da sua produção para 60 países. A Nautilus, uma empresa de Gondomar que associa novas tecnologias de informação ao mobiliário escolar tradicional, tendo criado secretárias e quadros de sala de aula com computadores integrados, foi distinguida com uma menção honrosa, que se junta aos três últimos prémios internacionais da Inovação para a Educação da Woldidac, a associação mundial para a indústria da educação. É a descoberta destas pequenas e médias portuguesas, altamente inovadoras, que a ação da COTEC permite. E isso é muitíssimo importante por três ordens de razões. Em primeiro lugar, porque é o reconhecimento público do trabalho altamente meritório desenvolvido por pequenos empresários, que são desconhecidos do grande público, constituindo um incentivo adicional para prosseguirem o caminho que vêm trilhando. Em segundo, é a constatação de que, dentro das mais de 360 mil PME nacionais, há muitas profundamente inovadoras em matéria de produtos, serviços e métodos de gestão, ao contrário do que normalmente se pensa. E, em terceiro, é a prova de que muitas destas PME estão essencialmente viradas para a exportação e podem ser fundamentais naquilo que o país mais necessita: exportar como a principal via para sairmos da crise em que nos encontramos. São estas empresas, inovadoras e exportadoras, que merecem e que devem ser apoiadas pelos fundos públicos em detrimento das grandes companhias instaladas confortavelmente na área dos bens não transacionáveis. Por duas razões. Em primeiro, porque o nosso tecido industrial é esmagadoramente constituído por PME, que são as grandes criadoras de emprego do país. E, em segundo, porque as 141 empresas que pertencem agora à Rede COTEC mostram níveis de rentabilidade económica e de robustez financeira muito acima da generalidade das outras PME; e apresentam indicadores económico-financeiros substancialmente superiores aos do conjunto das empresas nacionais, tanto em termos globais como sectoriais. De tal modo que Rogério Carapuça, presidente não-executivo da Novabase, não hesitou em afirmar que se todas as PME do país tivessem o mesmo desempenho das PME da Rede COTEC, o crescimento do PIB que daí decorreria poderia colocar o défice orçamental nos 3%, mantendo-se a despesa constante. Mesmo exigindo cálculos mais finos, é um objetivo que vale a pena tentar alcançar. Apanhados no meio do jogo alemão

Não é pelos nossos bonitos olhos que Jacques de Larosière, ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, ou o embaixador norte-americano em Portugal, Allan Katz, mostraram recentemente a sua incompreensão perante a atitude dos mercados para com o nosso país. Em entrevista ao Expresso, Larosière criticou mesmo as agências de rating por não avaliarem adequadamente os esforços que o país está a fazer, no sentido de reduzir o défice orçamental em quase três pontos percentuais no próximo ano, de 7,3% para 4,6%, um esforço brutal que será pedido aos portugueses em 2011. Pois mesmo assim, Portugal só conseguiu colocar a última emissão de dívida pública deste ano a uma taxa de 6,8% e, no mercado secundário, os títulos andavam já nos 7,4% na quinta-feira. O que justifica esta escalada, se entretanto o Orçamento do Estado para 2011 foi aprovado na generalidade e contempla a tal fortíssima redução do défice? Nenhuma razão interna e apenas razões externas. E as razões externas vêm, por um lado, da degradação da situação irlandesa, com a oposição a recusar um entendimento com o Governo e a exigir eleições. Mas vem por outro, e sobretudo, da nova posição alemã face à União Europeia. Decididamente, a Alemanha deixou de querer estar no centro da construção europeia para passar a estar na sua vanguarda. Por outras palavras, a Alemanha acha que já pagou toda a fatura da II Guerra Mundial e que chegou a hora de definir o seu futuro sem estar dependente de outros. E assim resolveu unilateralmente o seu problema energético com a Rússia. Resolveu unilateralmente o seu relacionamento comercial com a China, que está a sustentar fortemente as suas exportações. E pensa manifestamente que se um país como Portugal, que representa cerca de 1% da economia europeia, sair do euro, isso não representará um risco sistémico para a moeda única (no que tem razão). Pelo caminho, resolveu segurar a Grécia, não pelos gregos, mas pela enorme exposição que os bancos alemães e franceses tinham naquele país. Voltamos assim ao lema "Deutschland ubber alles" (a Alemanha acima de tudo). Uma Alemanha que quer uma Europa à sua imagem e semelhança e que não se preocupa com o que possa acontecer com os países periféricos, mesmo que estes estejam a fazer um esforço brutal para reduzir os seus desequilíbrios orçamentais. O que daqui vai resultar é um euro a duas velocidades ou a saída de um ou mais países da moeda única. Para Portugal será obviamente dramático. Mas para a Alemanha, a soberba de hoje será a sua desgraça futura, como já foi no passado. A ajuda chinesa

De repente, eis que descobrimos que o Império do Meio pode ser a nossa salvação. Ora comprando a nossa dívida pública (pois se já compraram tanto aos Estados Unidos e se compraram à Grécia, porque não hão de fazer o mesmo à nossa?), ora entrando no capital das nossas empresas (EDP) e dos nossos bancos (BCP), ora estreitando a relação com outros (BPI), ora explorando as nossas reservas de lítio, ora abrindo o seu enorme mercado às exportações portuguesas. Este cenário idílico convém ser filtrado através da máxima maoísta: não confundir a árvore com a floresta. A China é hoje a segunda maior potência mundial e será a primeira em meados deste século. Para isso, necessita de aceder a matérias-primas indispensáveis ao crescimento da sua economia. Necessita de tomar posições estratégicas a nível global. E necessita de apoio político nas organizações internacionais. Em troca do que fizerem por nós, os chineses esperam que os apoiemos (ou, pelo menos, sejamos neutrais) no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que esqueçamos esse pequeno problema dos direitos humanos e que sejamos um aliado em África e no Brasil. Por isso, temos de repetir todos os dias: os países não têm amigos, têm interesses. Ricos e mal agradecidos

O Governo bateu-se para que a Vivo não fosse vendida à Telefónica. Não evitou esse triste destino, mas conseguiu que a proposta subisse €350 milhões em relação ao último lance espanhol. Mas se esperava alguma gratidão desenganou-se. O conselho de administração da PT aprovou a distribuição de um dividendo extraordinário, de um euro por ação este ano e 0,65 em 2011. Nem a Caixa Geral de Depósitos se opôs. E assim se prova mais uma vez que os privados adoram socializar os problemas (e os prejuízos) e privatizar os lucros - já que no próximo ano as regras fiscais mudam e este dividendo pagaria um imposto de 29%, que daria um apoio não despiciendo para reduzir o défice para 4,6%. Com esta decisão, os acionistas nacionais e internacionais da PT tratam da sua vidinha e fazem um gesto muito vernáculo aos portugueses para que tratem da sua.

(...) Os amigos intensos se fazem vénias

é por brincadeira, eu com eles concluo

do péssimo estado do mundo. Era bom, era,

que fosse apenas Portugal. Os amigos

intensos não têm uma receita para me dar,

sabem que não há duas passagens iguais

da paixão ao amor, mas que é preciso

passar. Quando estão juntos os amigos intensos

são terra e ar, e água e fogo, palha e prata,

luz e oiro, murmúrio das folhas, eterna

canção, jura infantil, pêndulo forte, morna

parede, jardim selvagem, desdém que pensa,

ritmo que vem lá de muito longe, paixão

que soube passar ao amor, encontro e calor. Helder Moura Pereira, "A Tua Cara Não Me É Estranha"

Nicolau Santos Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 13 de novembro de 2010 Merkel quer dar cabo do Sul? Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 11 de Novembro de 2010 A Alemanha tem uma estratégia para forçar a saída do euro dos países do sul? Se não tem, parece. As declarações da chanceler alemã no Conselho Europeu, que fizeram manchete no "Financial Times", no sentido de, a partir de 2013, comprometer os financiadores dos países que recorram ao fundo de emergência a suportar parte dos prejuízos de eventuais reestruturações das dívidas públicas levou de novo ao disparo das taxas de juro de países como Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e Bélgica. Mas levou também a que dois dos maiores fundos soberanos mundiais, da Noruega e da Rússia, anunciassem que deixariam de comprar dívida soberana de Espanha (no primeiro caso) e de Irlanda e Espanha (no segundo) - o que se estende a todos os países periféricos da eurolândia. A consequência destes dois movimentos foi imediata. No dia 4, a taxa de juro para a dívida pública irlandesa a 10 anos subiu 24 pontos-base, atingindo o recorde de 7,53% desde a entrada no euro. Na Grécia, o pulo foi de 38 pontos, fixando-se em 11,10%, enquanto cá pelo burgo subida idêntica levou os juros para 6,81%. Em Espanha a subida foi de 8 pontos, para 4,35%. E assim Portugal, que a duras penas lá conseguiu garantir a aprovação de um violentíssimo Orçamento do Estado para 2011, viu esfumar-se nos mercados as vantagens que supostamente decorreriam dessa exigência que nos era feita. Por outras palavras, toda a austeridade que nos está a ser pedida foi por água abaixo com as declarações de Angela Merkel. E a pergunta é: o que teremos de fazer mais para obter crédito internacional a taxas aceitáveis, já que estas estão num nível claramente insuportável? E a resposta é: pouco. Além de cumprir o défice deste ano, aprovar um Orçamento para o próximo e cumprir o respetivo défice, o resto já não está nas nossas mãos, pelo menos no curto prazo. A nossa credibilidade financeira é pouco fiável, somos uma das economias mais fragilizadas da União Europeia e os mercados metem-nos no pacote da Grécia e Irlanda, os países com mais dificuldades em sobreviver a esta tormenta. Além disso, esta instabilidade financeira não vai abrandar. Os mercados estão já a pedir taxas de juro mais elevadas pela dívida pública destes países devido à proposta alemã. Mas, como se viu, o problema que se vai colocar é haver investidores interessados em comprar essa dívida, mesmo a taxas bem mais elevadas. E, como é evidente, não é suportável que sejam apenas os bancos nacionais a comprar a dívida pública dos seus próprios países. Posto isto, temos de nos interrogar sobre dois temas: um, como vamos garantir o financiamento à economia; dois, como vamos conseguir que a economia cresça nesta década. A resposta à primeira questão parece óbvia: vamos ter mesmo de recorrer ao FMI, por muito que não queiramos. As propostas de Merkel obrigam-nos a pagar juros insuportáveis pela dívida pública. A resposta à segunda também é óbvia: só apostando tudo nas exportações poderemos fazer a economia crescer. Em qualquer caso, vai ser uma década penosa para os portugueses. A impossível remodelação

Para José Sócrates o tempo está a esgotar-se. O país está no olho do furacão da crise internacional. Mas o plano inclinado começou quando o primeiro-ministro escolheu para esta legislatura uma equipa bem mais fraca que a primeira. Dos 15 ministros do atual Governo, seis são não existências. São os casos dos ministros da Economia, Vieira da Silva, da Justiça, Alberto Martins, das Obras Públicas, António Mendonça, do Ambiente, Dulce Pássaro, do Trabalho, Helena André, da Educação, Isabel Alçada. Estarem ou não no Executivo é o mesmo. Ora se nos lembrarmos que no anterior Governo pastas tão importantes como as da Economia, Obras Públicas, Trabalho e Educação tiveram ministros particularmente marcantes, constata-se que há uma degradação clara. Era pois necessária uma remodelação para dar um novo fôlego ao Executivo. Só que o primeiro-ministro já não encontra neste momento pessoas de grande qualidade que aceitem o desafio pela pura e simples razão que toda a gente está convencida que haverá eleições em 2011 e que Sócrates as perderá. É claro que convém não vender a pele do urso antes de o matar. Mas que as coisas não estão boas para Sócrates, lá isso não estão. Não se ouve Bandeira

António Horta Osório já foi por estes dias suficientemente elogiado pela sua escolha, pelo ministro das Finanças britânico, para futuro presidente do Lloyds, o maior banco da ilha de Sua Majestade. Coíbo-me, portanto, de chover no molhado. Mas escolho a frase-chave da entrevista que deu ao "Jornal de Negócios": "Quero devolver com lucro o dinheiro aos contribuintes". Ou seja, Horta Osório estabelece como primeira opção colocar o banco a lucrar para devolver aos contribuintes britânicos o dinheiro que lá depositaram para evitar que o Lloyds fechasse as portas. Ora é esta afirmação que eu ainda não ouvi da parte de Francisco Bandeira, presidente do Banco Português de Negócios, apesar da Caixa Geral de Depósitos já lá ter colocado €4,6 mil milhões, dinheiro que, em última instância, é dos contribuintes. Mas, por cá, há sempre a ideia que o dinheiro cai do céu. O valor económico da língua portuguesa

O Conselho de Ministros de 28 de outubro aprovou a adesão de Portugal ao Acordo de Londres, que suprime as exigências de tradução integral das patentes europeias para diferentes línguas. E assim deixa de ser necessário a tradução para português das patentes europeias que tenham sido concedidas em inglês pelo Instituto Europeu de Patentes. A medida visa a promoção do investimento estrangeiro em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), uma justificação surpreendente. Por três razões. A primeira é que se o acordo de Londres é assim tão fundamental para potenciar o investimento estrangeiro não se percebe como Itália, Espanha, Polónia, Finlândia e outros não aderiram a um entendimento que está em cima da mesa há mais de dez anos. A segunda é que é demagógico sustentar que a tradução de uma patente é um fator decisivo para uma empresa investir ou não em Portugal. E a terceira é que ficamos na insólita situação de sermos o único país de língua oficial portuguesa que prescinde do depósito dos pedidos de patente traduzidos para português. Até agora temos perdido soberania a nível económico. Com esta decisão, vamos perder voluntariamente soberania a nível linguístico. E ao contrário do que o INPI defende, daqui não resultará nem mais investimento estrangeiro nem mais competitividade para o país. Vai resultar, sim, na redução do valor económico da língua portuguesa, na diminuição das solicitações de trabalho a muitos tradutores licenciados e doutorados em diversas áreas científicas e na introdução de novos termos anglo-saxónicos na língua portuguesa que ficarão para sempre sem tradução. É uma inevitabilidade? Não, não é. Se há área onde o inglês domina esmagadoramente é a petrolífera. E, no entanto, em 2009, o Instituto Brasileiro de Petróleo, a Sonangol, a Petrobras e a Partex Oil and Gas reuniram esforços e publicaram o "Dicionário em petróleo da língua portuguesa". Ali escreve Guilherme Estrella, diretor da Petrobras, que "a comunicação e difusão de conhecimentos utilizando o idioma do país são desafios de um povo que valoriza a sua cultura, entendendo-a como elemento de afirmação da sua soberania". A nossa pátria é a nossa língua, disse Pessoa. Ao decidir aderir ao Acordo de Londres, Governo e INPI mostram que não entendem a relevância estratégica e económica da língua portuguesa e tornam Portugal bem mais pequeno. P.S. - Cavaco Silva pode impedir a adesão de Portugal a este acordo. Espero que o faça.

Alexandre O'Neill, o 'Princípio da Utopia'

Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,

que o absurdo, mesmo em curtas doses,

defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!

Se é verdade o aforismo faca afia faca (...) então que a faca do absurdo

venha afiar a faca da nossa embotada vontade,

venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado

e o dia a dia será nosso e diferente (...)

Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.

Mas nós não queremos ser um povo feliz (...)

Nós queremos a maleita do suíno, a noiva que vê fugir o noivo,

a mulher que vê fugir o marido, o órfão que é entregue à caridade pública,

o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital

onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma (...)

Queremos ser o pai desempregado que não sabe que Natal há-de dar aos seus.

Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia,

um pequeno absurdo às vezes chega para salvar. nsantos@expresso.impresa.pt Texto publicado no caderno de economia na edição do Expresso de 6 de novembro de 2010

OE-2011 é um rinoceronte cego Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 4 de Novembro de 2010 O Orçamento do Estado propõe um défice impossível de concretizar, dá cabo do processo de avaliação dos funcionários públicos e toma medidas completamente estúpidas. A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2011 é um rinoceronte cego, que esmaga tudo à sua passagem. No meio da pressão dos mercados, impõe-se uma redução brutal e excessiva do défice, que vai atingir drasticamente famílias e empresas. Para os serviços, institutos e empresas do Estado, estabeleceram-se regras únicas quando houve nos últimos anos quem tivesse feito o trabalho de casa e não mereça a penalização. O resultado é a desmobilização total e a degradação em termos de funcionamento. No que toca ao processo de avaliação dos serviços públicos, deita-se por terra em poucos meses um trabalho que estava a ser feito há cinco ou mais anos. Como lembrava o economista Paulo Trigo Pereira no domingo no "Público", o SIADAP (Serviço Integrado de Avaliação da Administração Pública) "tem obviamente limitações, mas tem servido para orientar a gestão pública para resultados em vez de recursos e para premiar o esforço e o mérito. Conjugar o corte de salários, sobretudo para quadros superiores, com a suspensão do SIADAP é dar uma machadada forte na moral dos funcionários e levar à saída de bons quadros do Estado". Mutatis mutandis, o mesmo se vai passar nas empresas públicas de transporte, onde as administrações ficam sem instrumentos de gestão imprescindíveis para motivar os trabalhadores. Na verdade, se o Governo quer reduzir a massa salarial deve fazê-lo cortando nos salários, como está a propor. Mas é completamente irracional proibir a atribuição de prémios, porque isso limita drasticamente a capacidade de gestão das administrações e conduz à desmotivação dos trabalhadores. E o que dizer da proibição de instituições universitárias poderem contratar professores para 2011, porque há quem se reforme ou por outras razões? E o que dizer da proibição nas empresas de transporte de contratar novos motoristas para substituir quem se reforma ou quem está doente? Na verdade, esta proposta de OE resolve um problema imediato de tesouraria, mas não os problemas da economia portuguesa e, sobretudo, é um enorme retrocesso na gestão dos recursos humanos que trabalham para o Estado. Desautoriza as estruturas de comando, desmobiliza os trabalhadores e dá força aos sindicatos. Mais. Cria desconfiança entre o Governo e os trabalhadores do sector público. Com efeito, o Executivo garantiu que nenhum trabalhador que ganhasse menos de €1500 brutos seria afetado. Não é isso que se verifica. Ao estabelecer que os subsídios de refeição das empresas públicas passem a alinhar todos pelo subsídio da Função Pública, o Governo está, na prática, a reduzir, também por esta via, os salários dos trabalhadores das empresas tuteladas pelo Estado. Com a agravante dos mais atingidos serem os que ganham menos. O subsídio de refeição é de €10,25 no Metropolitano de Lisboa, de €9,54 na Carris. Na Função Pública é de €4,27. O que quer dizer que um trabalhador do Metro vai perder €131,5 por mês e da Carris €115,9. Como há trabalhadores que ganham abaixo dos €750, a quebra para eles, só por esta via, ultrapassa os 12%. Em resumo: o OE/2011 propõe uma redução do défice impossível de concretizar, dá cabo do processo de avaliação dos funcionários públicos e toma medidas completamente estúpidas. Pior só mesmo os erros que nos conduziram a este estado de coisas. Branquinho e a RTP

Que um deputado renuncie ao mandato e se mude de armas e bagagens para um grupo privado não é grande escândalo para os nossos brandos costumes. Há ministros que fizeram o mesmo. Que esse deputado o faça agora depois de ter sido um dos mais cáusticos críticos da linha editorial do grupo que agora o contrata durante a comissão de inquérito à interferência do Governo no negócio PT/TVI já é bastante mais estranho. Mas tudo se clarifica quando se sabe que no PSD esse deputado teve a seu cargo o dossiê dos media e é um acérrimo defensor da privatização da RTP. E que a atual direção do PSD é tendencialmente a favor da privatização da estação pública de televisão. É para isto que as empresas contratam políticos: para fazerem pressão em defesa dos seus (delas) interesses quando o partido em causa chega ao poder. O curioso é que o grupo que agora contrata Agostinho Branquinho tem um jornal cuja linha editorial é frequentemente conotada como muito próxima do atual Governo. Mas já se sabe: o poder económico não tem partido. Ou melhor, tem o partido que está no poder. E como o vento começou a mudar, há que procurar novos interlocutores para pressionar o eventual futuro poder. Agostinho Branquinho não foi contratado. Vendeu a alma, o que é diferente. O desacordo que não se compreende

Contra todas as expectativas, Governo e PSD romperam as negociações sobre o Orçamento do Estado para 2011. De um lado, Teixeira dos Santos, do outro Eduardo Catroga. Dois respeitáveis economistas. Insinua o segundo que havia um acordo feito que foi rasgado depois do ministro das Finanças se ter reunido com o primeiro-ministro. Diz o primeiro que nunca houve acordo e que a proposta final apresentada ao PSD foi escrita pelo seu punho. Catroga refere que o impacto adicional das medidas propostas pelo PSD era de €450 milhões (0,25% do PIB), uma gota de água no total da despesa pública primária (€74.000 milhões). Teixeira retorque que as medidas do PSD agravavam o défice em 0,3 pontos do PIB e que para ele é inegociável o défice de 4,6% em 2011. O PSD trocava a descida do IVA pela redução da taxa social única em 0,25 pontos. O Governo diz que sim, mas agora não. O que o país não percebe é como dois respeitáveis economistas não se entendem quando a diferença que os afasta é de €230 milhões. Fazer o que tem de ser

No meio da turbulência, há quem continue a fazer o que tem de ser feito. É o caso da AICEP, que reuniu esta semana no Porto centenas de representantes de pequenas e médias empresas. O programa Internacionalizar para Crescer faz o óbvio, mas que precisa de ser feito: estimular as PME que exportam a exportar mais; e incentivar PME que não exportam a fazê-lo. Para as primeiras o objetivo é aumentar as exportações no mínimo em 20% em dois anos; e em ir no mínimo para dois novos mercados. Se os objetivos forem cumpridos, a empresa terá um prémio de realização. Para as segundas, pretende-se que 50 empresas que nunca exportaram o passem a fazer. Mas há mais: estão a ser convidados os grandes compradores mundiais a visitar empresas portuguesas. Está a ser estimulada a colaboração nos mercados externos entre as grandes empresas e as PME. Estão a ser estudados novos mercados. Vão ser também identificados os grandes investidores mundiais e convidá-los a vir ao nosso país. E vamos dar a conhecer as nossas empresas mais inovadoras em mercados como os EUA e o Brasil. Se precisamos desesperadamente de exportar, o ICEP, liderado por Basílio Horta, está a dar um forte contributo. O espírito do mar

A conferência "Portugal e o Mar, a nossa aposta no séc. XXI", organizada pelo Expresso e pela CGD teve um orador que nos arrasou. Disse Niko Wijnolst, presidente da Rede Europeia de Clusters Marítimos, que o que fizemos desde 2005 tem sido sobretudo um exercício intelectual. Porquê? "Há muita burocracia e outros problemas, mas a questão fundamental é a falta de espírito empreendedor". Com efeito, muitos se têm empenhado em chamar a atenção dos políticos para o mar. Mais que todos Tiago Pitta e Cunha, que colocou o tema na agenda europeia de Durão Barroso e na de Cavaco Silva. Sem o seu entusiasmo e impulso, o mar não seria hoje uma preocupação em Bruxelas e em Portugal. Mas depois falta ao sector privado a visão e a coragem para assumir riscos que teve o Infante D. Henrique. Esse é um defeito atávico que nem Tiago consegue resolver. já não necessito de ti tenho a companhia nocturna dos animais e a peste tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras galáxias, e o remorso um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração não, não preciso mais de mim possuo a doença dos espaços incomensuráveis e os secretos poços dos nómadas ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto deixei de estar disponível, perdoa-me se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo Al Berto (1948-1997) Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 30 de outubro de 2010 Excelência e avaliação na AP Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 28 de Outubro de 2010 Para reduzir o défice, o OE-2011 põe em causa a reforma da administração pública. O bem que consegue não compensa o mal que faz. A avaliação dos serviços e organismos da Administração Central do Estado foi uma das bandeiras do primeiro Governo de José Sócrates. Um comunicado de 26 de abril deste ano dava conta de que, de um universo global de 229 serviços e organismos, tinham sido avaliados nos termos do SIADAP (Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública) 224 serviços dos onze ministérios. Desses, 31 obtiveram a distinção de mérito, ou seja, a classificação máxima. Um dos efeitos previstos na lei para a atribuição aos serviços que obtêm esta distinção é o aumento das percen tagens máximas legais para as menções SIADAP dos respetivos trabalhadores de "relevante" e "excelente" respetivamente de 20% para 35% e de 5% para 10%, "o que se efetivará este ano quando os serviços e organismos concluam a avaliação de desempenho dos trabalhadores em 2009", segundo a referida nota oficial. Ora tudo isto é agora posto em causa com a proposta de Orçamento do Estado para 2011, já que o ministro das Finanças assumiu, em resposta a uma questão do Expresso, que todo o processo de atribuição de prémios aos trabalhadores será suspenso durante o próximo ano tendo em conta a situação orçamental. É lamentável que assim seja. Em primeiro lugar, porque o peso destes prémios no orçamento é reduzidíssimo. Mas muito mais importante porque coloca em causa todo o processo de avaliação que tanto custou a pôr de pé. Na verdade, não é possível avaliar sem depois premiar - porque se não se castiga e premeia não faz sentido avaliar. E para muitas chefias e trabalhadores da Função Pública que se empenharam no processo é um enorme balde de água fria. A mensagem que se passa é que o melhor mesmo é ninguém se incomodar em melhorar a eficiência e a eficácia dos serviços, em definir objetivos e avaliar funcionários, porque quer os que se importam quer os que não se importam são recompensados da mesma maneira - com nada. E outras perplexidades surgem quando o Governo, na listagem dos organismos públicos que serão fundidos ou desaparecerão, atinge três que obtiveram a distinção por mérito: Direção-Geral dos Impostos (que se funde com a Direção-Geral das Alfândegas), Direção-Geral de Reinserção Social (que se funde com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais) e o Estádio Universitário de Lisboa, cuja propriedade será externalizada. O caso da DG de Reinserção Social merece ser assinalado pelo trajeto que desenvolveu nos últimos dois anos e que lhe tem valido a atenção dos seus congéneres europeus, interessados na experiência portuguesa. Acompanha 17.000 pessoas condenadas, dos quais 1188 jovens a cumprir pena. Segue também 560 pessoas que se encontram a cumprir pena em casa no sistema de vigilância eletrónica (e uma pessoa nesta situação custa ¤16/dia ao Estado e numa prisão custa ¤60/dia). Segue igualmente 204 jovens internados em seis centros educativos. É este serviço que vai agora ser objeto de fusão com a DG dos Serviços Prisionais. Conclusão: para reduzir o défice, o OE-2011 põe em causa a implementação em curso da reforma da administração pública. É um enorme passo atrás, que não se justifica. O bem que consegue (redução de alguns gastos) não compensa o mal que faz (a desmobilização dos funcionários públicos e dos serviços em torno da avaliação). O lado negro da crise

Lê-se, esfrega-se os olhos e não se acredita. O livro "Labirintos da Crise Financeira (2007-2010)" de José Manuel Rolo, além de ser um exaustivo levantamento de tudo o que se passou nestes três anos de brasa dos dois lados do Atlântico, revela (ou relembra) alguns factos extraordinários. Um deles tem a ver com a Grécia, o país que, na zona euro, mais esteve sob ataque dos mercados e que acabou por não resistir, tendo sido obrigado a pedir o auxílio do fundo europeu de emergência e, por tabela, do Fundo Monetário Internacional, sendo obrigado a aplicar medidas duríssimas de austeridade. Pois bem: José Manuel Rolo assinala uma coincidência e lembra uma notícia. A coincidência tem a ver com o pacote financeiro de €110 mil milhões de ajuda à Grécia que foi aprovado pelos ministros das Finanças da zona euro. E não é que esse é, mutatis mutandis, o valor da exposição dos sistemas bancários alemão e francês à Grécia? A notícia, ainda mais extraordinária, é que o pacote europeu de apoio à Grécia pode ter sido misturado com o negócio de venda de 6 fragatas, 15 helicópteros e 40 caças Rafale (por parte de Paris) e de um submarino (por parte de Berlim). Quem o escreve são dois analistas da Reuters, Paul Taylor e Renée Maltezou, num artigo de 23 de março. Realmente, a realidade ultrapassa sempre a ficção. Mas quem julga estes juízes?

O presidente da Associação Sindical dos Juízes, António Martins, disse que há "má fé" no OE-2011 e acrescentou: "Estamos a pagar a fatura de ter incomodado, nas investigações e no trabalho jurisdicional que fazemos, os boys do Partido Socialista. Estamos a pagar a fatura do 'processo Face Oculta' e de outros processos anteriores". Um cidadão ouve e não acredita. Como é que uma pessoa no seu pleno juízo pode dizer que estas medidas são contra um grupo profissional? Como é que um juiz pode utilizar uma linguagem tão baixa e tão vulgar contra o Governo legitimamente eleito do país? E como é que um juiz pode atirar areia para os olhos dos cidadãos ao dizer que só aos juízes são cortadas as remunerações acessórias em 20%, ignorando que até agora estas não eram tributadas em IRS, ao contrário de outros subsídios de residência para os quais se prevê uma taxa inferior, mas já são tributados? Se depois disto ressurgir o 'processo Freeport', já sabemos porque é. E ninguém julga estes juízes? O banqueiro diferente

A revista "Exame" atribuiu a título póstumo o Prémio Carreira a Horácio Roque, visando distinguir os que se destacam pelo seu empreendedorismo. Nada mais justo. De uma família humilde e subindo pelo seu próprio pulso, Horácio Roque é um exemplo de empreendedorismo que, pelo menos duas vezes, começou tudo do zero, atingindo sempre o sucesso. No discurso de agradecimento, a filha, Teresa Roque, sublinhou uma das ideias-chave do pai, a de que os sucessos que obteve assentaram sempre numa regra de ouro, o respeito autêntico pelos seus colaboradores. E ao agradecer a distinção que lhe foi atribuída pelo rei de Espanha, sublinhou que a homenagem era o resultado do apoio da família, dos amigos e de todos os colaboradores das empresas que liderava. Era assim Horácio Roque, uma pessoa com quem, como disse Francisco Pinto Balsemão, existia uma fácil empatia e que sabia rir-se de si próprio, num país em que muita gente se toma demasiado a sério. Era, por isso, um banqueiro diferente, sem inimigos no sector, o que é raro e que fazia a diferença na sua relação com a comunicação social. Infelizmente, partiu demasiado cedo. Felizmente, as suas herdeiras demonstram estar em condições de dar asas ao que ele lhes deixou. O regresso da economia

Se há coisa que esta crise conseguiu foi trazer de novo para a frente da discussão a macroeconomia. A ideia de que gerir um país é como gerir uma empresa caiu pela base. Os debates sucedem-se e Portugal é palco, por estes dias, de sucessivos debates, em que os macroeconomistas são as estrelas. Um dos mais recentes ocorreu na Assembleia da República e Ricardo Reis, que vive nos Estados Unidos, admitiu a possibilidade de Portugal propor um reescalonamento da sua dívida externa. Esta é a alternativa, como explicou, à subida dos impostos que cria recessão e obriga a nova subida de impostos, o que aumenta a recessão, até ao colapso final. Outra alternativa é a saída (pelo menos temporária) do euro. O resto são soluções parcelares, que nos honram mas não nos livram de dez anos de estagnação e pobreza. A não ser que haja um milagre. São raros, mas às vezes acontecem. Há muito tempo que não me calha um café

pela chávena esquinada (...) Dia após dia rodei

a pequena asa branca, na pressa de reconhecer no perímetro da cerâmica aquela ferida antiga. A última vez que a usara, uns lábios tinham-na beijado com tanto afago pela manhã que pelo final do dia trazia ainda indeléveis as marcas daquele afecto. Não é fácil lavar um beijo.

De quando em vez o acaso rasga o espaço

do Café e chega-nos desde o balcão a voz inconfundível de cacos espalhando-se em descuido contra o mosaico do chão. Desconfio seriamente que a chávena tenha morrido. João Luís Barreto Guimarães, '26 de Outubro' in "Lugares Comuns", 2000 Nicolau Santos Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 23 de outubro de 2010 Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. Os principais factos e figuras de 2010 Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 30 de Dezembro de 2010 Não há volta a dar: a crise do euro e a chanceler alemã Angela Merkel são indiscutivelmente o facto e a figura internacionais do ano no plano económico. No primeiro caso, foram poucos os que admitiriam, oito anos após a sua entrada em vigor, que a moeda única estivesse hoje a passar por um transe que a pode levar a implodir. Com efeito, a afirmação do euro como moeda internacional de pagamento foi um sucesso retumbante, batendo-se hoje taco a taco com o dólar e tendo ultrapassado há muito o valor da moeda norte-americana. Contudo, a crise imobiliária e financeira nascida nos Estados Unidos em 2008 tem tido repercussões violentíssimas na Europa, com vários Estados-membros, que alargaram os cordões à bolsa em 2009 para minorar os efeitos do tsunami, a ficarem agora à beira do colapso sob a pressão dos mercados, que exigem violentas medidas de austeridade para equilibrar as contas públicas, ao mesmo tempo que clamam por crescimento económico, sem o qual não haverá riqueza para pagar os financiamentos entretanto contraídos e os que serão necessários para manter as economias em financiamento. É verdade que houve países que falsificaram dados estatísticos, outros que viram implodir os seus sistemas financeiros, outros ainda que estão a contas com gigantescas bolhas imobiliárias, outros que não conseguem crescer. Mas também é verdade que os governos destes países foram apanhados na rápida mudança de sensibilidade dos mercados, que num primeiro momento de pânico exigiram que as autoridades injetassem milhões e milhões na economia para salvar os sistemas financeiros do colapso; e assim que sentiram os bancos a salvo, passaram a exigir uma drástica e rapidíssima resolução dos défices para voltar a financiar a taxas aceitáveis as economias. A chanceler alemã, Angela Merkel, é a voz europeia desta estratégia. Ao longo deste ano, demonstrou uma total insensibilidade e falta de solidariedade para com o projeto europeu. Deixou que a crise grega alastrasse como uma fagulha na pradaria para tentar ganhar as eleições na Renânia-Vestefália. Perdeu as eleições e lançou a Europa num caos. Finalmente, deitou a mão à Grécia quando percebeu que a banca alemã cairia a pique se os helénicos deixassem de pagar os seus compromissos. Seguiu-se a Irlanda e mais uma vez Merkel impôs a lei de cada um por si - e os irlandeses acabaram a pedir ajuda ao fundo europeu de emergência e ao FMI. Pelo meio, Merkel foi fazendo declarações, como, por exemplo, a de que os investidores privados deveriam ser penalizados no caso de algum dos países da eurolândia entrar em incumprimento, que incendiaram ainda mais os mercados. No último Conselho Europeu, Merkel impôs de novo as regras: fundo europeu de emergência passar a permanente só em 2013; falar de eurobonds nem pensar; e os países em dificuldade têm de aplicar mais medidas de austeridade se for necessário. A Europa está assim: governada pelo eixo franco-alemão (mas os franceses são a sombra dos alemães porque sabem que têm demasiados telhados de vidro); num espaço onde desapareceram as palavras 'solidariedade' e 'coesão'; e com dois países a definhar violentamente (Grécia e Irlanda) e outros dois à beira de ser atacados (Portugal e Espanha), perante a indiferença e o desprezo da líder alemã. Está a chegar o tempo de perguntar se vale a pena pertencer a esta Europa. No plano interno, é fundamental relevar as grandes conquistas e o reconhecimento internacional que a Ciência e a Inovação portuguesas alcançaram. Para isso, muito tem contribuído o papel persistente desempenhado pelo ministro da Ciência e Ensino Superior, Mariano Gago, do secretário de Estado da Energia e da Inovação, Carlos Zorrinho e pela COTEC, em prol da inovação das pequenas e médias empresas. Com mais de 75 mil investigadores em 2008, um aumento de 46% em relação ao ano anterior e quase o dobro desde 2005, Portugal regista uma das maiores percentagens europeias de mulheres a trabalhar nesta área (43%). Além disso, o número de investigadores estrangeiros a trabalhar em Portugal também quase duplicou entre 2005 e 2008, atingindo as 4015 pessoas. O país tem agora 7,2 investigadores em permilagem da população ativa, o que lhe permitiu atingir a média da OCDE e ficar a par da Alemanha e acima da Irlanda (6,1), Espanha (5,8), Holanda (5,7) e Itália (4,1). Mais importante, o número de investigadores a trabalhar nas empresas aumentou 22% entre 2007 e 2008, ascendendo a 10.312. A Rede PME Inovação da COTEC passou a integrar 140 empresas, cujo desempenho em todos os indicadores económicos e financeiros se situa em média cerca de 20% acima dos respetivos sectores. E não por acaso, o Instituto Pedro Nunes da Universidade de Coimbra foi considerado a melhor incubadora mundial para start-ups na área das tecnologias de informação. O facto nacional do ano é sem dúvida o sucesso crescente do calçado português, que é neste momento o maior contribuinte líquido para a balança comercial do país, com um saldo positivo de €733 milhões nos primeiros dez meses do ano. É o resultado de uma aposta nos segmentos de maior valor acrescentado e de uma estratégia de vender caro e comprar barato. O preço médio do calçado importado pelo país baixou para €7,02 o par, menos 77 cêntimos que no ano passado, enquanto o preço do calçado produzido em Portugal e vendido no exterior cresceu 11% entre janeiro e outubro de 2010, atingindo €22,57 o par. Mais caro só o calçado italiano. Mais: o sector, que perdeu a Rodhe e a Aerosoles, as maiores empresas de calçado de capital estrangeiro, recuperou da quebra de 16% das exportações no primeiro trimestre e já exportou este ano 50 milhões de pares de sapatos, cuja responsabilidade é em mais de 90% de pequenas e médias empresas de capital nacional. Últimos destaques: para Fernando Ulrich, presidente do BPI, que foi o primeiro a dizer que o país ia bater contra a parede em matéria de financiamento internacional. E para tantos e bons empresários e gestores: Paulo Pereira da Silva, José Manuel Fernandes, Carlos Moreira da Silva, Jorge Guimarães, Luís Portela, Vítor Marques, Rui Paiva, Vera Pires Coelho, Esmeralda Dourado, Carlos Oliveira, Luís Alves Costa, Gastão Taveira, João Miranda, Rui Nabeiro e muitos outros. Finalmente, um lamento para os que faleceram e tanta falta fazem ao país: José Luís Saldanha Sanches, Horácio Roque, Ernâni Lopes e Carlos Pinto Coelho.

A desgraça do BPN

O BPN vai ter de aumentar o capital em €500 milhões para manter as portas abertas. Ou seja, desde que foi salvo pelo Estado, o BPN não cessou de ver a sua situação agravar-se, apesar de ter recebido mais de €4500 milhões da Caixa Geral de Depósitos. Mais: o Estado não consegue vender o banco nas condições que propôs. Por isso, ou revê as condições, ou fecha o BPN ou obriga a CGD a absorvê-lo. E assim um caso de polícia vai tornar-se um forte encargo para os contribuintes. Cada vez se torna mais evidente que o BPN não deveria ter sido nacionalizado. E que tendo sido, a administração nomeada mostrou-se incapaz de resolver o problema a tempo e horas. À fraude juntou-se a incompetência. Pior era impossível. A culpa é toda do trabalho

De repente, o capital tomou a ofensiva. Os patrões recusam o aumento do salário mínimo para €500 em 2011, conforme tinha sido acordado na Concertação Social. Querem já a flexibilização do despedimento individual e a redução do valor das indemnizações a pagar. Como disse genialmente um dos envolvidos no processo, os patrões querem flexibilizar os despedimentos para aumentar a segurança no emprego. Supõe-se que se tudo se passar como o patronato deseja, a economia vai florescer. E porque não trocar trabalhadores por servos da gleba? Nessa altura, é seguro, o tigre lusitano espantará o mundo!

Texto publicado na edição do Expresso de 23 de dezembro de 2010 O contrarrelógio de Sócrates Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 23 de Dezembro de 2010 O "Financial Times" dizia-o esta semana: durante um mês os países cuja dívida soberana tem estado sob ataque podem estar descansados. Motivo: os operadores dos mercados tiraram férias e estão todos a esquiar nos Alpes suíços. Qualquer que seja a razão, é verdade que existe agora uma janela de oportunidade. Estreita, fugaz, mas que José Sócrates tenta aproveitar em pleno. O primeiro-ministro está a fazer um enorme esforço para convencer Bruxelas, os Estados europeus e, por tabela, os mercados, de que Portugal vai conseguir resolver sozinho os seus problemas. É uma corrida contra o tempo, para tentar passar para o outro lado da linha do comboio, antes da cancela cair. O plano de Sócrates contém dois elementos essenciais: 1) encontrar junto de países amigos fora da zona euro o compromisso de compra de dívida pública durante o próximo ano; 2) mostrar em Bruxelas que estamos a fazer o trabalho de casa e que, por isso, não precisamos de recorrer ao fundo europeu de emergência e ao FMI. E assim, no primeiro caso, o Governo português tem desenvolvido contactos com vários países, uns mais visíveis (China), outros menos (Brasil, Líbia, Venezuela), que poderão comprar parte da dívida pública nacional que teremos de emitir no próximo ano, já que os mercados continuam fechados para a banca nacional e assim se devem manter durante todo o ano de 2011. No segundo, o Governo tirou da cartola o programa Competitividade e Emprego, que aprova 50 medidas em cinco áreas e consubstancia uma agenda para o crescimento, fator-chave para que as fortíssimas medidas de austeridade que vão ser impostas a partir de 1 de janeiro tenham um contraponto que evitem uma longa recessão. Deste programa, o primeiro ponto é óbvio e fundamental: colocar toda a artilharia disponível para apoiar as exportações, dando incentivos, desburocratizando, criando um 'simplex exportações' e estimulando a criação de empresas inovadoras. O segundo ponto visa convencer Bruxelas, o FMI e a OCDE que estamos a fazer o que nos recomendam. E assim parte do pacote visa flexibilizar o mercado de trabalho. Insisto: não é por flexibilizar o despedimento individual e diminuir as indemnizações que a economia portuguesa passa a ser mais competitiva ou a exportar muitíssimo mais. Não por acaso esta semana a Conferência Portugal Global - Empresas Exportadoras mostrou o que as empresas nacionais de sucesso que vendem muito no exterior querem. E não é a flexibilização do despedimento individual, a redução das indemnizações ou a contratação empresa a empresa em vez da contratação coletiva que as preocupa, mas sim energia mais barata e competitiva, uma justiça que seja rápida, eficaz e previsível e uma fiscalidade que não mude como um cata-vento. Do pacote consta também o investimento na reabilitação urbana e a dinamização do mercado do arrendamento. Já foi prometido diversas vezes nos últimos 30 anos. Será desta? Uma coisa é certa: Sócrates está a fazer um forcing para que o país escape ao FMI. Esperemos que tenha sucesso. E quem prefere o contrário ou é tonto ou está a pensar noutras coisas que não o melhor para Portugal e os portugueses. É verdade que já muita coisa não está nas nossas mãos. Mas há que reconhecer que Sócrates está a fazer tudo para aproveitar a pequena janela de oportunidade que existe. Fusão ou confusão?

Supõe-se que quando um Governo toma decisões no sentido de extinguir ou fundir organismos e serviços públicos elas visam 1) melhorar a eficácia da máquina do Estado; 2) cumprir melhor os objetivos de servir a sociedade; 3) garantir alguma economia de meios na sua missão. Foi certamente por estas razões mas também para dar o exemplo que o ministro das Finanças anunciou, entre outras, a fusão entre a Direção-Geral de Impostos e a Direção-Geral das Alfândegas. Fê-lo porque tutela diretamente as duas. A questão, contudo, é a de saber se estas fusões devem obedecer a uma lógica vertical ou envolver organismos com lógicas próximas mas tutelados por diferentes ministérios. As duas agências cobram impostos, mas a DGA tem uma missão bem mais alargada no controlo de produtos que entram e saem pelas fronteiras portuguesas. A sua lógica estará, por isso, mais próxima do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do que da DGCI. A criação de um modelo de Agência Tributária, como a que existe em Espanha, seria talvez a melhor solução, mantendo a DGA e a DGCI a sua autonomia. Não é esse o modelo que está em cima da mesa porque a pressa é má conselheira. Esperemos não estar a poupar na farinha para gastar no farelo. A boa prenda do Montepio

Já todos percebemos que o Estado terá cada vez menos capacidade para acorrer a todas as situações de aflição social que se vão multiplicando por toda a parte. Também já todos percebemos que serão instituições ligadas à Igreja, à sociedade civil e a ONG que poderão minorar o crescente fracasso do Estado nestas áreas. Contudo, elas próprias enfrentam sérias dificuldades. Nesse sentido, é particularmente relevante a decisão do Montepio Geral e do seu presidente, Tomás Correia, de atribuir nesta quadra €200 mil a 20 destas instituições. É uma prática que poderia e deveria ser seguida por outras instituições financeiras e empresariais porque o que temos pela frente é o aumento das desigualdades, o esgaçamento da coesão social e o provável aumento da criminalidade e da violência. E tudo o que se faça para combater estas tendências não é seguramente demais. O filme que todos os banqueiros deviam ver

Inside Job - A Verdade da Crise" é um filme que todos os banqueiros deviam ser obrigados a ver. E todos os bancários. E todos os que trabalham em instituições financeiras. E todos os que vendem produtos financeiros. É um filme que devia passar obrigatoriamente em todas as escolas, sobretudo nas escolas de gestão e economia. "Inside Job - A Verdade da Crise" mostra como a desregulamentação desenfreada esteve na base desta crise. Mostra como Alain Greenspan e Larry Summers são dois dos maiores responsáveis pelo que aconteceu. Mostra como o sistema financeiro, deixado à solta, faz as coisas mais reprováveis com a maior cara de pau - aquela de os bancos que mais embalaram e exportaram derivativos para todo o mundo, a partir de certa altura passarem a especular contra eles, apostando na sua queda e ganhando milhões com isso é a prova da perversidade e falta de honestidade dos reputados banqueiros da Goldman Sachs, da Merryl Lynch e doutros. "Inside Job - A Verdade da Crise" mostra como as agências de rating - a Standard & Poor, Moody's e Fitch - receberam milhões em comissões ao atribuir ratings AA ou AAA a produtos e instituições que um mês depois não valiam nada ou estavam na falência. "Inside Job - A Verdade da Crise" mostra o papel catastrófico que o secretário de Estado do Tesouro, Henry Paulson, teve no despoletar da crise, ao deixar falir a Lehman Brothers e ao salvar a Goldman Sachs, de que tinha sido anteriormente presidente. Mostra ainda a falta de vergonha de diversos presidentes de instituições financeiras, que se retiraram com milhões de dólares nos bolsos, apesar de elas só terem sido salvas pelo dinheiro dos contribuintes. Mostra como a ganância ultrapassou tudo: quem tinha cinco casas queria dez, quem tinha dez jatos queria mais. Mostra como dirigentes europeus viram os seus avisos sobre o tsunami que se aproximava permanentemente desvalorizados. Mostra a hipocrisia absoluta desses senhores, quando disseram a Dominique Strauss-Kahn, presidente do FMI, que deveriam ter sido mais regulados para conter a sua ganância. "Inside Job - A Verdade da Crise" mostra como milhões de pessoas em todo mundo perderam as suas poupanças e os seus empregos por causa de muitos destes senhores importantes que não passam de uns bandalhos sem ética nem moral. A pílula amarga que o filme nos deixa é que muitos deles foram chamados pela Administração Obama para darem os seus conselhos. O negócio segue dentro de momentos. Texto publicado na edição do Expresso de 18 de dezembro de 2010 Dividendos, Açores e hipocrisia Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 16 de Dezembro de 2010 As justificações podem ser as melhores. Mas são atitudes destas que minam a coesão nacional e criam o caldo de cultura para aventuras políticas. Chego tarde ao debate, mas ele vale bem mais um artigo: a antecipação dos dividendos por parte de empresas para escaparem ao novo regime fiscal que os penalizará a partir de Janeiro de 2011. Há dois tipos de argumentos para não aplicar a medida desde já: a alteração das regras a meio do jogo e o receio de que as empresas deslocalizem as suas sedes para o exterior. Os dois argumentos são irrisórios. Primeiro, porque o Governo não teve pejo em alterar durante 2010 e de forma sucessiva o IVA, o IRS e outras taxas, sem um sobressalto de consciência por estar a mudar as regras a meio para milhões de pessoas (e não é seguro que elas também não mudem de país - pelo contrário, os mais novos e talentosos vão-se mesmo embora). Segundo, porque se as empresas vão mudar as sedes por causa desta decisão fiscal, então fá-lo-ão na mesma no próximo ano, porque ela estará em vigor a partir de 1 de janeiro de 2011. As explicações são, portanto, outras. Uma tem a ver exclusivamente com a PT. Alguns dos acionistas da operadora de telecomunicações estão a precisar desesperadamente de liquidez para compor rácios e diminuir o elevado endividamento. Por isso, reagiram histericamente quando se colocou a possibilidade de o Governo taxar desde já os dividendos extraordinários relativos à venda da Vivo. E o Governo, que está obviamente fragilizado, cedeu, porque não quer ter de pôr a mão por baixo de mais algum banco ou grupo económico. A segunda explicação terá a ver com os cálculos políticos de José Sócrates. O primeiro-ministro percebeu que banqueiros e empresários se começam a mudar de armas e bagagens para o líder do PSD, que pensam que será o futuro primeiro-ministro de Portugal. Com a sua tenacidade e capacidade de luta, Sócrates não dá por perdida essa batalha e, com esta decisão - foi ele que travou a intenção do grupo parlamentar do PS de apresentar um diploma para taxar os dividendos antecipados -, pretende reganhar as boas graças dos homens do dinheiro. Está enganado, claro. Mas ainda acredita. Há casos e casos nas empresas que assim decidiram. No da Jerónimo Martins fico completamente estupefacto: Alexandre Soares dos Santos tem dado mostras de ser uma pessoa de enorme integridade e verticalidade. O que decidiu não o honra. Quanto ao líder da Portucel e Semapa, Pedro Queirós Pereira, que recebeu €175 milhões de incentivos no âmbito da ampliação da fábrica de Setúbal (além de, na conferência da "Exame", ter defendido publicamente o primeiro-ministro), o mínimo que se pode dizer é que está a ser bastante ingrato. Em resumo, numa altura em que todos os portugueses estão a ser chamados a fazer um enorme esforço fiscal e a aceitar um corte abrupto do seu nível de vida, há quem se dessolidarize desse esforço. As justificações podem ser as melhores. Mas são atitudes destas que minam a coesão nacional e criam o caldo de cultura para aventuras políticas perigosas. Quando ao presidente do Governo Regional dos Açores, também deu um 'belo' exemplo ao não fazer cortes salariais na região. Espero que quando voltar a ter necessidade do apoio do continente, os cidadãos do retângulo lhe paguem na mesma moeda. Mas pior que a decisão de Carlos César é a constatação pelo Governo de que não tem poder para impor as suas decisões em todo o território nacional. É a isto que conduziu o caminho de autonomia regional sem fim nem restrições. A vitória de Lurdes Rodrigues

Um estranho silêncio caiu sobre a notícia mais relevante desta semana: a espetacular melhoria dos resultados dos alunos portugueses segundo o PISA (Programme for International Student Assessment), que avalia o desempenho escolar dos jovens de 15 anos em 65 países. Se tivermos apenas em conta os 33 países da OCDE, os estudantes portugueses foram os que mais progrediram na literacia de leitura, matemática e científica. Portugal teve a melhor evolução global de resultados entre todos os países, a segunda melhor a Ciências e a quarta a Matemática e Leitura - e integra agora o grupo de países que estão dentro da média da OCDE. A melhoria nas três áreas científicas deve-se, segundo o PISA, às políticas aplicadas desde 2005. O investimento feito em computadores portáteis, acesso à banda larga, refeições escolares, aumento do apoio social escolar, a formação dos professores em Matemáticas e Ciências e a criação de novas ofertas educativas, como os cursos profissionais contribuíram para este sucesso. E a isto se podem juntar o Plano Nacional de Leitura, o Plano de Ação para a Matemática, as bibliotecas escolares, a modernização do parque escolar e a cultura de avaliação, das provas de aferição e exames nacionais até à avaliação dos professores e das escolas. Chegados aqui, convém lembrar que este sucesso tem um nome e um rosto: Maria de Lurdes Rodrigues. Foi a ex-ministra da Educação que conduziu e executou a maior parte destas mudanças e os resultados estão aí para o provar. Mário Nogueira, líder da FENPROF, veio logo desvalorizar o sucesso, dizendo que "é positivo, mas comparámo-nos com países com margens de progressão muito menores". É falso. A comparação é com mais de 60 países de todo o mundo, em estágios de desenvolvimento muito diferentes. Ele é um dos grandes derrotados por estes resultados, assim como Santana Castilho, outra Cassandra da educação e o candidato presidencial Manuel Alegre, que tanto criticou a ex-ministra. E no PS não se sabe o que pensam agora António Vitorino e António Costa. O que se sabe é que José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues foram deixados sozinhos nesta batalha decisiva para o país - pelo PS e mesmo pelos restantes membros do Governo. Vê-se agora que eram eles que estavam no caminho certo e que o país ganhou com o rumo que imprimiram à Educação. Ao menos que se lhes reconheça esse mérito, agora que tudo parece ter desandado e os Nogueiras voltam a reinar. A UE à beira da implosão

A Europa passa por estes dias por enormes riscos de implosão - pelo menos da zona euro. Na verdade, a Alemanha está praticamente isolada nas suas posições relativamente à forma de responder à crise que não larga as economias periféricas, apesar dos medidas de enorme austeridade que entretanto tomaram. Jean Claude Junker, presidente do Eurogrupo, deixou claro que é necessário criar mecanismos europeus para apoiar os países em dificuldade, a saber: a Agência Europeia da Dívida, a par do reforço da capacidade de emissão de eurobonds e do fundo europeu de emergência. A todas as propostas, a chanceler alemã Angela Merkel voltou a dizer não. Para Merkel, palavras como solidariedade e coesão não existem na Europa que imagina (?). Como bem lembra Maria João Rodrigues em artigo de 27 de Novembro no Expresso Online, "o problema central é o facto dos fundamentos dos instrumentos europeus, criados em maio para assegurar a inexistência de falhas no pagamento das dívidas nacionais estarem a ser questionados pelo seu principal tesoureiro". Na prática, Merkel quer satisfazer a sua opinião pública, criando condições para que saiam do euro um conjunto de países que os alemães pensam que não deviam lá estar. Só que o risco dessa estratégia é tão elevado que, no final, também a Alemanha perderá e muito: economica, mas sobretudo politicamente. E essas feridas demorarão a esquecer. Inútil e indispensável

No século XIX, existiu em Portugal uma geração de brilhantes escritores e artistas, onde pontificavam Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro e Eça de Queirós, que se reunia no restaurante Tavares e se autointitulava "Os Vencidos da Vida". No século XXI, está aparentemente a nascer uma geração, que se começa a intitular de "Os Inúteis" porque se reúne em torno de uma revista de poesia e fotografia, que vai no seu terceiro número e se chama "Inútil". Os seus fundadores são Maria Quintans, Ana Lacerda e João Concha e se é possível três pessoas lançarem uma revista com estas características neste país, então Portugal tem um grande futuro e toda a esperança é possível. O convidado deste número é Maria Teresa Horta, que responde em verso à entrevista que lhe foi feita e que no lançamento da revista foi de uma enorme frontalidade, inteligência e humor.

Olha os meus olhos morena

porque a aventura é ficar

se a minha terra é pequena

eu quero morrer no mar. Lençóis de algas e peixes

de barcos a menear

no dia em que tu me deixes

eu quero morrer no mar. E se o negro é a tua cor

respirando devagar

depois do amor meu amor

eu quero morrer no mar. António Lobo Antunes, Eu Quero Morrer no Mar Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 11 de dezembro de 2010 A armadilha em que caímos Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 9 de Dezembro de 2010 A compra de dívida pública dos países em dificuldades pelo BCE é o único caminho que evita longos anos de dor aos cidadãos desses países. Em longa entrevista ao "Diário Económico", Nouriel Roubini, uma conhecidíssima Cassandra económica que previu a crise que estamos a viver, veio dizer o que devemos fazer: pedir já ajuda ao Fundo Monetário Internacional. Porquê?... Porque Portugal, para reduzir o défice orçamental, "vai ter de aumentar impostos e cortar nas despesas. Só que, a curto prazo, estas medidas vão agravar o clima de recessão e dificultar ainda mais a estabilização da dívida. É uma missão impossível". Por outras palavras, Roubini diz-nos que a redução do défice de 7,3% este ano para 4,6% em 2011 vai exigir um ajustamento tão brutal que levará a economia a entrar em recessão. Neste quadro, "os investidores ficam nervosos, as taxas de juro (da dívida soberana) não param de subir, a dívida e o défice aumentam de tal forma que força um país a cair nos braços do FMI e do Fundo Europeu de Emergência (FEE), quer queira quer não". Bom, mas o Orçamento do Estado para 2011 já foi aprovado e traz com ele uma enorme punção fiscal, bem como um corte severo nas despesas e o adiamento dos grandes projetos públicos. Não chega? Resposta de Nouriel: "O problema é que, primeiro, o mercado pode não acreditar que vai conseguir fazê-lo, porque já antes não conseguiu; segundo, mesmo que o faça, é possível que não consiga manter o ajustamento fiscal. E, por fim, por mais necessário que seja subir impostos e cortar despesas, a curto prazo isso tem um impacto deflacionário e de recessão na economia. Está encurralado. O mercado diz que, enquanto está a tratar do equilíbrio orçamental, vai castigar o país puxando as taxas até ao limite, retirando assim acesso ao mercado e gerando uma crise." Como é que se sai disto? "É preciso crescimento", diz Roubini. Ah, sim? Grande novidade! Mas como? Ora, deflacionando a economia ("se reduzir os preços e os salários em 30% nos próximos três ou cinco anos vai ter uma verdadeira desvalorização da moeda e recuperar competitividade", diz Roubini, admitindo contudo que isto significa uma recessão contínua e não há nenhum país que consiga aceitar cinco anos de recessão para recuperar a competitividade) ou então fazer as famosas reformas estruturais. Só que esta solução alemã, como reconhece Nouriel, levou 15 anos a conseguir na pátria de Angela Merkel. Assim, se Portugal, Espanha ou Grécia começassem hoje a seguir esse caminho, "só fariam a recessão ficar pior. Por isso, se as reformas estruturais demorarem muito, então a única opção, já no limite, será deixar a União Europeia e voltar ao dracma, ao escudo, à peseta". Por outras palavras, estamos numa armadilha e todas as soluções parecem más. Sair do euro seria catastrófico para 80% das famílias portuguesas, que pediram crédito para compra de habitação; pedir a reestruturação da dívida é o mais provável, mas também terá consequências negativas. Resta a solução que Roubini não invocou, não se percebe porquê: a compra de dívida pública dos países em dificuldades por parte do Banco Central Europeu. É este o único caminho (que, aliás, a Reserva Federal tem seguido nos Estados Unidos em relação a bancos e empresas) que evita longuíssimos anos de dor aos países que já pediram ajuda ao FMI e ao FEE e aos que ainda virão a pedir - e que, em última instância, evitará a implosão do euro. E isto agora sou eu a fazer de Cassandra. Um homem ao serviço de Portugal

Quando, em 1983, Mário Soares o convidou para ministro das Finanças do Governo do Bloco Central aceitou o desafio, porque colocou a Pátria acima da família. Quando, no verão de 1985, Soares lhe pediu para descer os preços dos combustíveis devido às eleições que ocorreriam pouco depois, disse-lhe que não faria tal coisa por a situação orçamental ainda não estar consolidada. No dia 28 de março de 1985, por volta das três da manhã, saiu de uma sala do edifício Berlaymont da Comissão Europeia em Bruxelas, tendo ao seu lado o ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, Fernando Móran, para anunciar que as negociações de adesão de Portugal e Espanha à então Comunidade Económica Europeia estavam concluídas - tarefa que tinha conduzido entre 1979 e 1983 como chefe da missão de Portugal junto das Comunidades Europeias. Logo nessa madrugada disse que o mais fácil estava feito - a partir daí é que iria começar o verdadeiro desafio para Portugal. Professor "há uma eternidade", como diz na sua última entrevista à revista do Montepio, nunca perdeu esse jeito de explicar de forma ilustrada o que pretendia dizer. Os textos que publicava na SaeR, empresa que fundou, são de uma enorme profundidade e previsão. Lutou denodadamente pela criação de uma elite nacional, que considerava decisiva para conduzir o país por bons caminhos. O triângulo da lusofonia Portugal-Brasil-Angola era, para ele, o Santo Graal que nos poderá dar um papel no século XXI. E foi ele que apontou o cluster do mar como decisivo para o nosso futuro, a par do aproveitamento de oportunidades no turismo, ambiente, serviços de valor acrescentado e cidades. A par da sua intervenção pública, era um homem de uma enorme integridade, verticalidade e exigência - mas também de grande afabilidade. Quando há quatro anos descobriu que tinha um linfoma, deu uma notável entrevista ao jornalista Virgílio Azevedo, do Expresso, onde afirmava: "A doença foi, a nível espiritual, uma das maiores bênçãos de Deus que tive na minha vida". Definia-se como "um cidadão honesto que estuda e trabalha, um pai de família que ama Portugal". E tinha uma receita, com sete regras, para sermos melhores: estudar, estudar, estudar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar. Ao contrário do que se diz, há pessoas insubstituíveis. Ernâni Lopes era uma delas. O país deve-lhe um enorme agradecimento por tudo o que fez por Portugal. E eu agradeço-lhe o enorme privilégio de ter aprendido tanto consigo. A questão laboral

FMI e OCDE deram em recomendar recentemente que Portugal faça uma profunda reforma no mercado laboral, flexibilizando o despedimento individual e baixando as indemnizações a pagar. Fernando Ulrich, que tem a grande vantagem sobre outros gestores bancários de não ter papas na língua, disse o que tinha de ser dito na Hora H do "Jornal de Negócios": essas entidades não fazem a mínima ideia de como funciona a economia portuguesa e por isso não lhes presta atenção nestas matérias. Dito isto, defendeu que devia ser totalmente liberalizado o despedimento em Portugal com compensações acrescidas, sublinhando ao mesmo tempo que o despedimento coletivo é muito fácil. Acrescento eu que: 1) liberalizar o despedimento individual torna mais fácil a gestão das organizações mas não é a panaceia para resolver o problema da competitividade da economia portuguesa, que depende de muitos outros fatores, entre os quais a liderança e a boa gestão empresarial; 2) pode servir para trocar trabalhadores mais velhos e caros por mais novos e baratos mas também não é por aí que se resolve o problema da elevada taxa de desemprego nacional. O que precisamos é de uma agenda para o crescimento. Mas isso é outra história. Uma nova agência?!

No âmbito da aprovação do Orçamento do Estado para 2011, Governo e PSD acordaram em criar uma equipa conjunta para reavaliar todas as parcerias público-privadas e os grandes projetos de obras públicas. Ainda não se criou a dita cuja comissão e sabe-se que o Governo está a criar uma Agência para o Investimento Público e Parcerias, que terá por funções gerir o sistema de acompanhamento e controlo das grandes obras públicas, das parcerias público-privadas e contratos superiores a €25 milhões. E a gente espanta-se. Então ninguém fazia isso? E agora, na atual situação, é que vão criar uma nova agência? Agora em que têm um acordo com o PSD para analisar exatamente essas situações? Uma agência que, ainda por cima, não é independente, porque vai ter de responder ao ministro das Finanças? Não é só um escândalo. É uma afronta aos cidadãos. E alguém tem que a travar rapidamente. Nicolau Santos Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 4 de dezembro de 2010 Cinco mitos sobre a crise Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 2 de Dezembro de 2010 A Europa do Norte governa muito melhor que a do Sul? Bom, o primeiro país a falir foi a Islândia e o terceiro a ajoelhar perante o FMI foi a Irlanda. Acabemos com os mitos. O primeiro é que a Europa do Norte governa muito melhor do que a do Sul. Bom, o primeiro país a falir com grande estrondo foi uma tal de Islândia, que não fica no Mediterrâneo e cujo sistema financeiro jogou em pleno na economia de casino, pagando juros elevadíssimos para captar dinheiro de vários pontos do mundo. E o terceiro a pedir ajuda ao fundo europeu de emergência e ao FMI foi a Irlanda, que durante anos e anos foi apregoada por hordas de gurus como o modelo que os países do Sul deveriam seguir para obter sucesso. O segundo mito é que países como Portugal atuaram tardiamente em relação à crise. Ora muito bem: a Irlanda, assim que sentiu o perigo, aplicou severos cortes nos salários dos políticos e da função pública e atacou em força as despesas do Estado para reduzir o défice. Por isso, foi saudada por múltiplos analistas e pelas capitais europeias. Tenho um segredo para partilhar: não foi por atuar mais cedo nem por fazer o que devia que a Irlanda resistiu aos mercados. Pelo contrário, ajoelhou no passado fim de semana. Antes de Portugal, cujo Governo atuou tarde e a más horas. Outro mito que vai ao fundo. Terceiro mito, que decorre deste: se a Irlanda recorresse ao fundo europeu de emergência e ao FMI, os mercados iriam acalmar e deixar em paz os outros países. Basta ver o que se está a passar esta semana, com a subida dos juros da dívida pública de Portugal e Espanha, para perceber que este é outro mito que não resiste à realidade. Quarto mito: se os países em dificuldades tomassem medidas orçamentais duríssimas para reduzir os seus défices, atingindo assim gravemente o nível de vida e de bem-estar dos cidadãos, os mercados entenderiam a mensagem e deixariam de pressionar esses países. A resposta está aí: vamos aplicar a mais brutal redução do défice público em quase quatro décadas de democracia e estamos a caminho de ser obrigados a pedir a ajuda internacional, talvez antes do final do ano. E a Espanha, que também fez severos cortes orçamentais atempadamente, vai exatamente pelo mesmo caminho. Quinto mito: é muito melhor que venha o FMI impor as medidas que deveremos adotar em vez de sermos nós a resolver os nossos problemas. Pois bem: o FMI recomenda cortes salariais (estão feitos), redução nas prestações sociais (está concretizada) e reformas, nomeadamente na segurança social (ignoram que fizemos uma das mais radicais reformas da segurança social a nível europeu) e no mercado de trabalho (já fizemos parte do trabalho). Mas o FMI quer mais: quer que o despedimento individual seja flexibilizado e que os processos de despedimento sejam mais baratos, levando as empresas a pagar indemnizações mais reduzidas, sobretudo nas rescisões com trabalhadores do quadro e muitos anos de casa. Ou seja, num país em que o salário médio per capita é de €800, o FMI considera que a raiz dos nossos problemas reside na legislação sobre o despedimento individual e nas indemnizações pagas. Com a devida vénia, é um autêntico disparate. Este arrazoado não evitará, com grande probabilidade, que tenhamos de recorrer aos apoios europeus e do FMI. Mas sempre podemos dizer a dezenas de gurus, economistas e analistas que a sua argumentação tem sido completamente desmentida pela realidade e que não nos comem por parvos. E por falar em culpados

Anda a fazer caminho a tese de que todos somos responsáveis pela crise. É uma forma de branquear a responsabilidade fundamental que o sistema financeiro norte-americano e a Reserva Federal, durante o consulado de Alan Greenspan, têm nesta desgraça. Perante a complacência do último e a ganância dos primeiros, foram disseminados por todo o mundo produtos tóxicos que minaram os sistemas financeiros de outros países. À crise imobiliária dos EUA, seguiu-se a crise financeira, e depois a crise económica, e começam agora a ocorrer as crises políticas. É claro que nós também temos as nossas culpas. O Estado social cresceu muito para além da nossa capacidade de o financiar. As famílias endividaram-se para lá do que podiam suportar. E as empresas vivem há anos sem os capitais próprios que deveriam ter. Contudo, o monstro da despesa pública tem pais: Cavaco Silva (que pôs em prática o novo sistema retributivo da função pública e deu aos reformados o 14º mês), António Guterres e Jorge Coelho (que integraram milhares de pessoas a recibos verdes nos quadros da função pública e puseram a massa salarial a crescer a taxas médias de 10% ao ano) e João Cravinho, o pai das SCUT. Todos somos culpados? Sim, mas há uns que são bem mais culpados do que outros. A melhor incubadora do mundo

Qual é o país que tem a melhor incubadora de base tecnológica do mundo? Estados Unidos? Japão? Não. É Portugal. A IPN Incubadora, de Coimbra, alcançou o primeiro lugar no concurso mundial "Best Science Based Incubator". A IPN Incubadora destacou-se entre as 50 incubadoras de 23 países, pelos seus resultados em matéria de modelo de negócio autossustentado com forte retorno do investimento público, taxa de sobrevivência das empresas incubadas superior a 80%, volume de negócios agregado destas empresas superior a €70 milhões em 2009 e a criação de mais de 1500 postos de trabalho diretos muito qualificados. Desde 1996, a IPN Incubadora já apoiou a criação de mais de 140 empresas de base tecnológica, como a Critical Software, Crioestaminal, CWJ - Componentes Eletrónicos, Wit-Software, Active Space Technologies, HIS - Health Information Systems, Medicine One e a ENEIDA, entre outras. Por outras palavras, há vida (e excelente) para lá da crise que sufoca o país. Merkel volta a atacar

A chanceler alemã disse terça-feira em Berlim que a perspetiva de intervenção do fundo europeu de emergência e do FMI noutros países da Eurolândia é "excecionalmente sério". Coincidência ou consequência, as taxas de juro da dívida pública da Irlanda, Portugal e Espanha dispararam, ultrapassando respetivamente os 9%, 7% e 5%. A atuação e as palavras de Angela Merkel em todo este processo têm servido para incendiar a fogueira que está a devorar os países periféricos e a colocar em perigo o euro. Primeiro, foi o longo processo de ajuda aos gregos, que se arrastou por mais de quatro meses. Depois, foi a declaração de que os investidores privados também deveriam suportar parte dos custos de ajustamento dos países que entrassem em incumprimento. Agora, é Merkel ainda a sinalizar aos mercados que há outros países (e não apenas um, Portugal) que podem ser obrigados a pedir ajuda de emergência à Europa e ao FMI. Sim, a Grécia fez enormes disparates na área social e falsificou as contas, a Irlanda deixou à solta o sistema financeiro, nós endividámo-nos violentamente. Mas o que Merkel está a fazer não é só impor fortes ajustamentos aos países periféricos. Está a contribuir para que isso seja feito com a maior dor social possível. E isso é imperdoável. A fatura da eletricidade

Vale a pena debater a proposta da Deco para reduzir os custos da fatura de eletricidade. Do total dos €5,5 mil milhões, 2,5 mil milhões correspondem aos custos de políticas públicas, que em 2001 eram quase nulos. O que aconteceu entretanto? Bruxelas desenvolveu um conjunto de políticas ambientais e de energia, que Portugal também adotou. E assim daqueles 2,5 mil milhões, 700 milhões correspondem a apoios às energias renováveis, mais de 100 milhões são para a convergência tarifária com as regiões autónomas, 250 milhões vão para os municípios, por onde passam as redes de baixa tensão, 700 milhões apoiam a co-geração e 430 milhões são canalizados para as centrais da EDP, que têm contratos de longo prazo indexados ao custo do carvão. O que fazer? Tudo tem a sua justificação política e social. Mas a crise exige que sejam renegociados estes compromissos para aliviar o esforço fiscal brutal que está a ser pedido aos cidadãos. Já vi matar um homem

é terrível a desolação que um corpo deixa

sobre a terra

uma coisa a menos para adorar (...)

entendes por isso o meu pânico

nessas noites em que volto

sem razão nenhuma

a correr pelo pontão de madeira

onde um homem foi morto (...)

há quem diga

a vida é um pau de fósforo

escasso de mais

para o milagre do fogo

hoje estive tão triste

que ardi centenas de fósforos

pela tarde fora

enquanto pensava no homem

que vi matar

e de quem não soube nada

nem o nome José Tolentino Mendonça, "Uma coisa a menos para durar"

Nicolau Santos Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 27 de novembro de 2010 Não precisamos do FMI Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 25 de Novembro de 2010 Não estamos perante uma inevitabilidade e mesmo num quadro muito difícil podemos e devemos ser nós a colocar a casa em ordem. O ministro das Finanças anda manifestamente cansado. Só assim se percebe que tenha dito ao "Financial Times" que o recurso do país ao Fundo Monetário Internacional era praticamente uma inevitabilidade, para depois desmentir à Reuters que tal possibilidade pudesse vir a ocorrer. E também só assim se compreende que a explicação sobre o corte adicional de 500 milhões na despesa pública tenha sido fornecida no final do debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado, já sem a possibilidade de ser sujeita a contraditório, quando efetivamente as medidas em causa estão muito longe de convencer que cumprirão o objetivo desejado. Talvez por isso - e sobretudo pelas declarações de Teixeira dos Santos ao "Financial Times" - sente-se que começa a existir alguma resignação quanto à vinda do FMI para colocar na ordem a situação orçamental e financeira portuguesa. Ora é bom que se diga que não estamos perante uma inevitabilidade e que mesmo num quadro muito difícil podemos e devemos ser nós a colocar a casa em ordem. O primeiro passo para isso foi a elaboração e aprovação do Orçamento do Estado para 2011, que contempla a maior redução de sempre na história das finanças públicas portuguesas (de 7,3% para 4,6%). O segundo terá de ser a aplicação firme das medidas que nele estão contidas. E como passo intermédio é óbvio que é essencial cumprir o défice do Estado de 7,3% previsto para este ano. É certo que a envolvente não ajuda. Após a Irlanda ter aceite a ajuda europeia e do FMI para salvar o sistema financeiro, os mercados olham agora para nós como a próxima vítima. Por isso não temos muito tempo, talvez duas semanas, para os convencer que vamos mesmo cumprir os compromissos que assumimos. É claro que não temos tempo para encontrar um consenso político que reforce a nossa posição externa, através de uma grande coligação governamental. Mas podemos tomar mais algumas decisões que reforcem a nossa credibilidade externa. O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, enunciou-as: além de um reforço institucional que garanta uma execução rigorosa do Orçamento para 2011, é necessário que a proposta de OE para o próximo ano seja considerada como parte de uma estratégia, efetiva e credível, de consolidação das finanças públicas e da disciplina orçamental no longo prazo. A primeira parte exige uma avaliação técnica independente e transparente do impacto financeiro, imediato e diferido, das escolhas políticas (Carlos Costa defendeu a criação de uma agência independente, um Conselho de Política Orçamental). A segunda implica a definição de tetos plurianuais para o défice, para a dívida e para a despesa, uma proposta que também Eduardo Catroga já tinha feito (em relação à despesa). O remédio é amargo e estas limitações também não são agradáveis para nenhum Governo. No entanto, se forem necessárias para escaparmos à intervenção do FMI, talvez valha muito a pena colocá-las em prática. É claro que se o Fundo vier também continuará a haver vida em Portugal. Mas ficaremos numa situação de protetorado e perderemos por mais alguns anos a pouca credibilidade que nos resta, além do que as medidas não serão muito diferentes daquelas que estão contempladas no OE 2011. A vinda do FMI será o fim do mundo? Não. Mas há futuros melhores. O preço dos combustíveis

Porque é que o preço dos combustíveis é mais barato nos hipermercados? Porque não lhes são exigidas certas regras de segurança e ambientais que são obrigatórias nos postos de abastecimento regulares. Mas há também postos independentes que vendem combustível mais barato. Fazem-no porque precisam de ganhar clientela. Bom, mas a Galp abriu uma bomba em Setúbal onde vende a preços mais baratos. Só que são combustíveis não-aditivados e a bomba não dispõe de estruturas de apoio. O Automóvel Clube de Portugal diz que a gasolina aí vendida tem os mesmos aditivos das bombas regulares. Aliás, 95% dos combustíveis consumidos em Portugal são produzidos nas duas refinarias nacionais. Bom, mas não se pode negar que a investigação que as companhias desenvolvem há de ter algum reflexo nos combustíveis que vendem. No meio disto tudo, os consumidores querem ter o direito de optar entre os combustíveis muito caros, caros ou de baixo custo, mesmo que estes últimos desgastem mais os motores. E isso não lhes deveria ser negado. Assim, o Governo vai regulamentar a lei dos combustíveis, que supostamente obrigará as companhias a oferecer combustíveis de baixo custo. Um debate que esteve no centro do Expresso do Meio-Dia . A vida em Angola 35 anos depois

Trinta e cinco anos depois da independência, Angola é hoje uma terra de violentos contrastes, como mostra a reportagem de Alexandra Correia na "Visão ". Há uma pequena nomenclatura que acumula milhões, passa férias na Europa, no Brasil ou nos Estados Unidos e é dona de propriedades em Angola e no estrangeiro. E há a maioria dos 18 milhões de habitantes (54,3%, segundo a ONU), que vive abaixo do limiar da pobreza. Luanda é a cidade mais cara do mundo, mas é também aquela onde todos são obrigados a entrar no esquema da "gasosa", ou seja, pagamentos por baixo da mesa para resolver problemas. Angola é a terra das oportunidades para diplomados ou carpinteiros, empresários da restauração ou da noite. Mas é também o país onde a esperança de vida não ultrapassa os 48,1 anos e metade da população não tem acesso a água corrente. Angola é uma terra de esperança e de futuro, que só pode melhorar, apesar de ser uma cleptocracia. Depende de quem e como se olha para ela. O exemplo da Barbot

A Barbot, empresa nacional de tintas, crescia 18% ao ano nos anos 80. Contudo, conta Carlos Barbot, presidente da companhia: "A partir de 2003, foi como se uma parede nos tivesse aparecido à frente". As taxas de crescimento esfumaram-se e a Barbot teve de se internacionalizar. Começaram pela Galiza. Não funcionou. Fizeram uma associação com uma empresa espanhola. Não funcionou. Pensaram em comprar uma empresa em Espanha. Também não funcionou porque a empresa estava sobrevalorizada. Arranjaram um parceiro em Angola. Mas o controlo à distância é diferente de estar no local. Finalmente, as coisas começaram a correr melhor: em França, em Angola (onde se justificou montar uma fábrica), em Espanha (onde adquiriram uma empresa mais em conta), em Cabo Verde (onde cooperam com uma empresa gerida por um português). E olham para Marrocos, Líbia e Tunísia. Contudo, Carlos Barbot frisa que a internacionalização teria sido muito mais simples e não teriam cometido tantos erros se tivessem podido contar com o apoio de grandes empresas portuguesas que estão nesses mercados, abrindo portas, facilitando conhecimentos, hábitos, etc. É esse apoio que Galp, Jerónimo Martins, EDP, PT, etc., já dão às PME nacionais que se querem internacionalizar, que deve ser aprofundado e que deveria ser absolutamente normal. No final, ganham todos: as pequenas e as grandes empresas, mas também o país. Uma questão de liderança

Sim, o jogo era a feijões. Mas ganhar por 4-0 aos campeões da Europa e do mundo, mesmo num jogo a feijões, não é normal. Portugal conseguiu-o, através de uma exibição brilhante e com um empenho fora do normal dos seus jogadores num jogo particular. Ora como foi possível transformar a seleção abúlica e medrosa, que vegetou no campeonato do mundo da África do Sul, nesta seleção, que volta a praticar excelente futebol, a ser temida pelos adversários e a melhorar a nossa autoestima? A resposta chama-se liderança. Paulo Bento é o responsável por esta extraordinária mudança da seleção nacional. E prova, mais uma vez, que é o fraco rei que faz fraca a forte gente. Dá a surpresa de ser.

É alta, de um louro escuro.

Faz bem só pensar em ver

Seu corpo meio maduro. Seus seios altos parecem

(Se ela estivesse deitada)

Dois montinhos que amanhecem

Sem ter que haver madrugada. (...) Apetece como um barco.

Tem qualquer coisa de gomo.

Meu Deus, quando é que eu embarco?

Ó fome, quando é que eu como? Fernando Pessoa, 1888-1935 Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 20 de novembro de 2010 Hoje também há boas notícias Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 18 de Novembro de 2010 Se todas as PME do país tivessem o mesmo desempenho das PME da Rede COTEC, o défice orçamental estaria próximo dos 3%. Os Encontros Rede PME Inovação COTEC são sempre excelentes momentos para lavar a alma das desgraças do país. Com o 4º Encontro, que decorreu esta semana, voltou a acontecer o mesmo. A empresa vencedora do prémio PME Inovação COTEC-BPI 2010 foi a Polisport. O leitor nunca tinha ouvido falar nela certamente? Não se preocupe. Eu tenho mais obrigações e também não a conhecia. E, no entanto, a Polisport, empresa de equipamentos para veículos de duas rodas (bicicletas ou motos) sediada em Oliveira de Azeméis, é uma companhia altamente inovadora (conta com 11 registos de patentes, quatro patentes já concedidas e cinco registos de design comunitário). Inventou as cadeiras porta-bebés para bicicletas, liderando o mercado europeu neste sector, e patenteou a tecnologia de injeção de plástico, que permite produzir peças decoradas por fusão entre o grafismo e o plástico. A empresa desenvolve os processos de inovação em articulação com universidades portuguesas e exporta 97% da sua produção para 60 países. A Nautilus, uma empresa de Gondomar que associa novas tecnologias de informação ao mobiliário escolar tradicional, tendo criado secretárias e quadros de sala de aula com computadores integrados, foi distinguida com uma menção honrosa, que se junta aos três últimos prémios internacionais da Inovação para a Educação da Woldidac, a associação mundial para a indústria da educação. É a descoberta destas pequenas e médias portuguesas, altamente inovadoras, que a ação da COTEC permite. E isso é muitíssimo importante por três ordens de razões. Em primeiro lugar, porque é o reconhecimento público do trabalho altamente meritório desenvolvido por pequenos empresários, que são desconhecidos do grande público, constituindo um incentivo adicional para prosseguirem o caminho que vêm trilhando. Em segundo, é a constatação de que, dentro das mais de 360 mil PME nacionais, há muitas profundamente inovadoras em matéria de produtos, serviços e métodos de gestão, ao contrário do que normalmente se pensa. E, em terceiro, é a prova de que muitas destas PME estão essencialmente viradas para a exportação e podem ser fundamentais naquilo que o país mais necessita: exportar como a principal via para sairmos da crise em que nos encontramos. São estas empresas, inovadoras e exportadoras, que merecem e que devem ser apoiadas pelos fundos públicos em detrimento das grandes companhias instaladas confortavelmente na área dos bens não transacionáveis. Por duas razões. Em primeiro, porque o nosso tecido industrial é esmagadoramente constituído por PME, que são as grandes criadoras de emprego do país. E, em segundo, porque as 141 empresas que pertencem agora à Rede COTEC mostram níveis de rentabilidade económica e de robustez financeira muito acima da generalidade das outras PME; e apresentam indicadores económico-financeiros substancialmente superiores aos do conjunto das empresas nacionais, tanto em termos globais como sectoriais. De tal modo que Rogério Carapuça, presidente não-executivo da Novabase, não hesitou em afirmar que se todas as PME do país tivessem o mesmo desempenho das PME da Rede COTEC, o crescimento do PIB que daí decorreria poderia colocar o défice orçamental nos 3%, mantendo-se a despesa constante. Mesmo exigindo cálculos mais finos, é um objetivo que vale a pena tentar alcançar. Apanhados no meio do jogo alemão

Não é pelos nossos bonitos olhos que Jacques de Larosière, ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, ou o embaixador norte-americano em Portugal, Allan Katz, mostraram recentemente a sua incompreensão perante a atitude dos mercados para com o nosso país. Em entrevista ao Expresso, Larosière criticou mesmo as agências de rating por não avaliarem adequadamente os esforços que o país está a fazer, no sentido de reduzir o défice orçamental em quase três pontos percentuais no próximo ano, de 7,3% para 4,6%, um esforço brutal que será pedido aos portugueses em 2011. Pois mesmo assim, Portugal só conseguiu colocar a última emissão de dívida pública deste ano a uma taxa de 6,8% e, no mercado secundário, os títulos andavam já nos 7,4% na quinta-feira. O que justifica esta escalada, se entretanto o Orçamento do Estado para 2011 foi aprovado na generalidade e contempla a tal fortíssima redução do défice? Nenhuma razão interna e apenas razões externas. E as razões externas vêm, por um lado, da degradação da situação irlandesa, com a oposição a recusar um entendimento com o Governo e a exigir eleições. Mas vem por outro, e sobretudo, da nova posição alemã face à União Europeia. Decididamente, a Alemanha deixou de querer estar no centro da construção europeia para passar a estar na sua vanguarda. Por outras palavras, a Alemanha acha que já pagou toda a fatura da II Guerra Mundial e que chegou a hora de definir o seu futuro sem estar dependente de outros. E assim resolveu unilateralmente o seu problema energético com a Rússia. Resolveu unilateralmente o seu relacionamento comercial com a China, que está a sustentar fortemente as suas exportações. E pensa manifestamente que se um país como Portugal, que representa cerca de 1% da economia europeia, sair do euro, isso não representará um risco sistémico para a moeda única (no que tem razão). Pelo caminho, resolveu segurar a Grécia, não pelos gregos, mas pela enorme exposição que os bancos alemães e franceses tinham naquele país. Voltamos assim ao lema "Deutschland ubber alles" (a Alemanha acima de tudo). Uma Alemanha que quer uma Europa à sua imagem e semelhança e que não se preocupa com o que possa acontecer com os países periféricos, mesmo que estes estejam a fazer um esforço brutal para reduzir os seus desequilíbrios orçamentais. O que daqui vai resultar é um euro a duas velocidades ou a saída de um ou mais países da moeda única. Para Portugal será obviamente dramático. Mas para a Alemanha, a soberba de hoje será a sua desgraça futura, como já foi no passado. A ajuda chinesa

De repente, eis que descobrimos que o Império do Meio pode ser a nossa salvação. Ora comprando a nossa dívida pública (pois se já compraram tanto aos Estados Unidos e se compraram à Grécia, porque não hão de fazer o mesmo à nossa?), ora entrando no capital das nossas empresas (EDP) e dos nossos bancos (BCP), ora estreitando a relação com outros (BPI), ora explorando as nossas reservas de lítio, ora abrindo o seu enorme mercado às exportações portuguesas. Este cenário idílico convém ser filtrado através da máxima maoísta: não confundir a árvore com a floresta. A China é hoje a segunda maior potência mundial e será a primeira em meados deste século. Para isso, necessita de aceder a matérias-primas indispensáveis ao crescimento da sua economia. Necessita de tomar posições estratégicas a nível global. E necessita de apoio político nas organizações internacionais. Em troca do que fizerem por nós, os chineses esperam que os apoiemos (ou, pelo menos, sejamos neutrais) no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que esqueçamos esse pequeno problema dos direitos humanos e que sejamos um aliado em África e no Brasil. Por isso, temos de repetir todos os dias: os países não têm amigos, têm interesses. Ricos e mal agradecidos

O Governo bateu-se para que a Vivo não fosse vendida à Telefónica. Não evitou esse triste destino, mas conseguiu que a proposta subisse €350 milhões em relação ao último lance espanhol. Mas se esperava alguma gratidão desenganou-se. O conselho de administração da PT aprovou a distribuição de um dividendo extraordinário, de um euro por ação este ano e 0,65 em 2011. Nem a Caixa Geral de Depósitos se opôs. E assim se prova mais uma vez que os privados adoram socializar os problemas (e os prejuízos) e privatizar os lucros - já que no próximo ano as regras fiscais mudam e este dividendo pagaria um imposto de 29%, que daria um apoio não despiciendo para reduzir o défice para 4,6%. Com esta decisão, os acionistas nacionais e internacionais da PT tratam da sua vidinha e fazem um gesto muito vernáculo aos portugueses para que tratem da sua.

(...) Os amigos intensos se fazem vénias

é por brincadeira, eu com eles concluo

do péssimo estado do mundo. Era bom, era,

que fosse apenas Portugal. Os amigos

intensos não têm uma receita para me dar,

sabem que não há duas passagens iguais

da paixão ao amor, mas que é preciso

passar. Quando estão juntos os amigos intensos

são terra e ar, e água e fogo, palha e prata,

luz e oiro, murmúrio das folhas, eterna

canção, jura infantil, pêndulo forte, morna

parede, jardim selvagem, desdém que pensa,

ritmo que vem lá de muito longe, paixão

que soube passar ao amor, encontro e calor. Helder Moura Pereira, "A Tua Cara Não Me É Estranha"

Nicolau Santos Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 13 de novembro de 2010 Merkel quer dar cabo do Sul? Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 11 de Novembro de 2010 A Alemanha tem uma estratégia para forçar a saída do euro dos países do sul? Se não tem, parece. As declarações da chanceler alemã no Conselho Europeu, que fizeram manchete no "Financial Times", no sentido de, a partir de 2013, comprometer os financiadores dos países que recorram ao fundo de emergência a suportar parte dos prejuízos de eventuais reestruturações das dívidas públicas levou de novo ao disparo das taxas de juro de países como Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e Bélgica. Mas levou também a que dois dos maiores fundos soberanos mundiais, da Noruega e da Rússia, anunciassem que deixariam de comprar dívida soberana de Espanha (no primeiro caso) e de Irlanda e Espanha (no segundo) - o que se estende a todos os países periféricos da eurolândia. A consequência destes dois movimentos foi imediata. No dia 4, a taxa de juro para a dívida pública irlandesa a 10 anos subiu 24 pontos-base, atingindo o recorde de 7,53% desde a entrada no euro. Na Grécia, o pulo foi de 38 pontos, fixando-se em 11,10%, enquanto cá pelo burgo subida idêntica levou os juros para 6,81%. Em Espanha a subida foi de 8 pontos, para 4,35%. E assim Portugal, que a duras penas lá conseguiu garantir a aprovação de um violentíssimo Orçamento do Estado para 2011, viu esfumar-se nos mercados as vantagens que supostamente decorreriam dessa exigência que nos era feita. Por outras palavras, toda a austeridade que nos está a ser pedida foi por água abaixo com as declarações de Angela Merkel. E a pergunta é: o que teremos de fazer mais para obter crédito internacional a taxas aceitáveis, já que estas estão num nível claramente insuportável? E a resposta é: pouco. Além de cumprir o défice deste ano, aprovar um Orçamento para o próximo e cumprir o respetivo défice, o resto já não está nas nossas mãos, pelo menos no curto prazo. A nossa credibilidade financeira é pouco fiável, somos uma das economias mais fragilizadas da União Europeia e os mercados metem-nos no pacote da Grécia e Irlanda, os países com mais dificuldades em sobreviver a esta tormenta. Além disso, esta instabilidade financeira não vai abrandar. Os mercados estão já a pedir taxas de juro mais elevadas pela dívida pública destes países devido à proposta alemã. Mas, como se viu, o problema que se vai colocar é haver investidores interessados em comprar essa dívida, mesmo a taxas bem mais elevadas. E, como é evidente, não é suportável que sejam apenas os bancos nacionais a comprar a dívida pública dos seus próprios países. Posto isto, temos de nos interrogar sobre dois temas: um, como vamos garantir o financiamento à economia; dois, como vamos conseguir que a economia cresça nesta década. A resposta à primeira questão parece óbvia: vamos ter mesmo de recorrer ao FMI, por muito que não queiramos. As propostas de Merkel obrigam-nos a pagar juros insuportáveis pela dívida pública. A resposta à segunda também é óbvia: só apostando tudo nas exportações poderemos fazer a economia crescer. Em qualquer caso, vai ser uma década penosa para os portugueses. A impossível remodelação

Para José Sócrates o tempo está a esgotar-se. O país está no olho do furacão da crise internacional. Mas o plano inclinado começou quando o primeiro-ministro escolheu para esta legislatura uma equipa bem mais fraca que a primeira. Dos 15 ministros do atual Governo, seis são não existências. São os casos dos ministros da Economia, Vieira da Silva, da Justiça, Alberto Martins, das Obras Públicas, António Mendonça, do Ambiente, Dulce Pássaro, do Trabalho, Helena André, da Educação, Isabel Alçada. Estarem ou não no Executivo é o mesmo. Ora se nos lembrarmos que no anterior Governo pastas tão importantes como as da Economia, Obras Públicas, Trabalho e Educação tiveram ministros particularmente marcantes, constata-se que há uma degradação clara. Era pois necessária uma remodelação para dar um novo fôlego ao Executivo. Só que o primeiro-ministro já não encontra neste momento pessoas de grande qualidade que aceitem o desafio pela pura e simples razão que toda a gente está convencida que haverá eleições em 2011 e que Sócrates as perderá. É claro que convém não vender a pele do urso antes de o matar. Mas que as coisas não estão boas para Sócrates, lá isso não estão. Não se ouve Bandeira

António Horta Osório já foi por estes dias suficientemente elogiado pela sua escolha, pelo ministro das Finanças britânico, para futuro presidente do Lloyds, o maior banco da ilha de Sua Majestade. Coíbo-me, portanto, de chover no molhado. Mas escolho a frase-chave da entrevista que deu ao "Jornal de Negócios": "Quero devolver com lucro o dinheiro aos contribuintes". Ou seja, Horta Osório estabelece como primeira opção colocar o banco a lucrar para devolver aos contribuintes britânicos o dinheiro que lá depositaram para evitar que o Lloyds fechasse as portas. Ora é esta afirmação que eu ainda não ouvi da parte de Francisco Bandeira, presidente do Banco Português de Negócios, apesar da Caixa Geral de Depósitos já lá ter colocado €4,6 mil milhões, dinheiro que, em última instância, é dos contribuintes. Mas, por cá, há sempre a ideia que o dinheiro cai do céu. O valor económico da língua portuguesa

O Conselho de Ministros de 28 de outubro aprovou a adesão de Portugal ao Acordo de Londres, que suprime as exigências de tradução integral das patentes europeias para diferentes línguas. E assim deixa de ser necessário a tradução para português das patentes europeias que tenham sido concedidas em inglês pelo Instituto Europeu de Patentes. A medida visa a promoção do investimento estrangeiro em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), uma justificação surpreendente. Por três razões. A primeira é que se o acordo de Londres é assim tão fundamental para potenciar o investimento estrangeiro não se percebe como Itália, Espanha, Polónia, Finlândia e outros não aderiram a um entendimento que está em cima da mesa há mais de dez anos. A segunda é que é demagógico sustentar que a tradução de uma patente é um fator decisivo para uma empresa investir ou não em Portugal. E a terceira é que ficamos na insólita situação de sermos o único país de língua oficial portuguesa que prescinde do depósito dos pedidos de patente traduzidos para português. Até agora temos perdido soberania a nível económico. Com esta decisão, vamos perder voluntariamente soberania a nível linguístico. E ao contrário do que o INPI defende, daqui não resultará nem mais investimento estrangeiro nem mais competitividade para o país. Vai resultar, sim, na redução do valor económico da língua portuguesa, na diminuição das solicitações de trabalho a muitos tradutores licenciados e doutorados em diversas áreas científicas e na introdução de novos termos anglo-saxónicos na língua portuguesa que ficarão para sempre sem tradução. É uma inevitabilidade? Não, não é. Se há área onde o inglês domina esmagadoramente é a petrolífera. E, no entanto, em 2009, o Instituto Brasileiro de Petróleo, a Sonangol, a Petrobras e a Partex Oil and Gas reuniram esforços e publicaram o "Dicionário em petróleo da língua portuguesa". Ali escreve Guilherme Estrella, diretor da Petrobras, que "a comunicação e difusão de conhecimentos utilizando o idioma do país são desafios de um povo que valoriza a sua cultura, entendendo-a como elemento de afirmação da sua soberania". A nossa pátria é a nossa língua, disse Pessoa. Ao decidir aderir ao Acordo de Londres, Governo e INPI mostram que não entendem a relevância estratégica e económica da língua portuguesa e tornam Portugal bem mais pequeno. P.S. - Cavaco Silva pode impedir a adesão de Portugal a este acordo. Espero que o faça.

Alexandre O'Neill, o 'Princípio da Utopia'

Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,

que o absurdo, mesmo em curtas doses,

defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!

Se é verdade o aforismo faca afia faca (...) então que a faca do absurdo

venha afiar a faca da nossa embotada vontade,

venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado

e o dia a dia será nosso e diferente (...)

Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.

Mas nós não queremos ser um povo feliz (...)

Nós queremos a maleita do suíno, a noiva que vê fugir o noivo,

a mulher que vê fugir o marido, o órfão que é entregue à caridade pública,

o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital

onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma (...)

Queremos ser o pai desempregado que não sabe que Natal há-de dar aos seus.

Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia,

um pequeno absurdo às vezes chega para salvar. nsantos@expresso.impresa.pt Texto publicado no caderno de economia na edição do Expresso de 6 de novembro de 2010

OE-2011 é um rinoceronte cego Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 4 de Novembro de 2010 O Orçamento do Estado propõe um défice impossível de concretizar, dá cabo do processo de avaliação dos funcionários públicos e toma medidas completamente estúpidas. A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2011 é um rinoceronte cego, que esmaga tudo à sua passagem. No meio da pressão dos mercados, impõe-se uma redução brutal e excessiva do défice, que vai atingir drasticamente famílias e empresas. Para os serviços, institutos e empresas do Estado, estabeleceram-se regras únicas quando houve nos últimos anos quem tivesse feito o trabalho de casa e não mereça a penalização. O resultado é a desmobilização total e a degradação em termos de funcionamento. No que toca ao processo de avaliação dos serviços públicos, deita-se por terra em poucos meses um trabalho que estava a ser feito há cinco ou mais anos. Como lembrava o economista Paulo Trigo Pereira no domingo no "Público", o SIADAP (Serviço Integrado de Avaliação da Administração Pública) "tem obviamente limitações, mas tem servido para orientar a gestão pública para resultados em vez de recursos e para premiar o esforço e o mérito. Conjugar o corte de salários, sobretudo para quadros superiores, com a suspensão do SIADAP é dar uma machadada forte na moral dos funcionários e levar à saída de bons quadros do Estado". Mutatis mutandis, o mesmo se vai passar nas empresas públicas de transporte, onde as administrações ficam sem instrumentos de gestão imprescindíveis para motivar os trabalhadores. Na verdade, se o Governo quer reduzir a massa salarial deve fazê-lo cortando nos salários, como está a propor. Mas é completamente irracional proibir a atribuição de prémios, porque isso limita drasticamente a capacidade de gestão das administrações e conduz à desmotivação dos trabalhadores. E o que dizer da proibição de instituições universitárias poderem contratar professores para 2011, porque há quem se reforme ou por outras razões? E o que dizer da proibição nas empresas de transporte de contratar novos motoristas para substituir quem se reforma ou quem está doente? Na verdade, esta proposta de OE resolve um problema imediato de tesouraria, mas não os problemas da economia portuguesa e, sobretudo, é um enorme retrocesso na gestão dos recursos humanos que trabalham para o Estado. Desautoriza as estruturas de comando, desmobiliza os trabalhadores e dá força aos sindicatos. Mais. Cria desconfiança entre o Governo e os trabalhadores do sector público. Com efeito, o Executivo garantiu que nenhum trabalhador que ganhasse menos de €1500 brutos seria afetado. Não é isso que se verifica. Ao estabelecer que os subsídios de refeição das empresas públicas passem a alinhar todos pelo subsídio da Função Pública, o Governo está, na prática, a reduzir, também por esta via, os salários dos trabalhadores das empresas tuteladas pelo Estado. Com a agravante dos mais atingidos serem os que ganham menos. O subsídio de refeição é de €10,25 no Metropolitano de Lisboa, de €9,54 na Carris. Na Função Pública é de €4,27. O que quer dizer que um trabalhador do Metro vai perder €131,5 por mês e da Carris €115,9. Como há trabalhadores que ganham abaixo dos €750, a quebra para eles, só por esta via, ultrapassa os 12%. Em resumo: o OE/2011 propõe uma redução do défice impossível de concretizar, dá cabo do processo de avaliação dos funcionários públicos e toma medidas completamente estúpidas. Pior só mesmo os erros que nos conduziram a este estado de coisas. Branquinho e a RTP

Que um deputado renuncie ao mandato e se mude de armas e bagagens para um grupo privado não é grande escândalo para os nossos brandos costumes. Há ministros que fizeram o mesmo. Que esse deputado o faça agora depois de ter sido um dos mais cáusticos críticos da linha editorial do grupo que agora o contrata durante a comissão de inquérito à interferência do Governo no negócio PT/TVI já é bastante mais estranho. Mas tudo se clarifica quando se sabe que no PSD esse deputado teve a seu cargo o dossiê dos media e é um acérrimo defensor da privatização da RTP. E que a atual direção do PSD é tendencialmente a favor da privatização da estação pública de televisão. É para isto que as empresas contratam políticos: para fazerem pressão em defesa dos seus (delas) interesses quando o partido em causa chega ao poder. O curioso é que o grupo que agora contrata Agostinho Branquinho tem um jornal cuja linha editorial é frequentemente conotada como muito próxima do atual Governo. Mas já se sabe: o poder económico não tem partido. Ou melhor, tem o partido que está no poder. E como o vento começou a mudar, há que procurar novos interlocutores para pressionar o eventual futuro poder. Agostinho Branquinho não foi contratado. Vendeu a alma, o que é diferente. O desacordo que não se compreende

Contra todas as expectativas, Governo e PSD romperam as negociações sobre o Orçamento do Estado para 2011. De um lado, Teixeira dos Santos, do outro Eduardo Catroga. Dois respeitáveis economistas. Insinua o segundo que havia um acordo feito que foi rasgado depois do ministro das Finanças se ter reunido com o primeiro-ministro. Diz o primeiro que nunca houve acordo e que a proposta final apresentada ao PSD foi escrita pelo seu punho. Catroga refere que o impacto adicional das medidas propostas pelo PSD era de €450 milhões (0,25% do PIB), uma gota de água no total da despesa pública primária (€74.000 milhões). Teixeira retorque que as medidas do PSD agravavam o défice em 0,3 pontos do PIB e que para ele é inegociável o défice de 4,6% em 2011. O PSD trocava a descida do IVA pela redução da taxa social única em 0,25 pontos. O Governo diz que sim, mas agora não. O que o país não percebe é como dois respeitáveis economistas não se entendem quando a diferença que os afasta é de €230 milhões. Fazer o que tem de ser

No meio da turbulência, há quem continue a fazer o que tem de ser feito. É o caso da AICEP, que reuniu esta semana no Porto centenas de representantes de pequenas e médias empresas. O programa Internacionalizar para Crescer faz o óbvio, mas que precisa de ser feito: estimular as PME que exportam a exportar mais; e incentivar PME que não exportam a fazê-lo. Para as primeiras o objetivo é aumentar as exportações no mínimo em 20% em dois anos; e em ir no mínimo para dois novos mercados. Se os objetivos forem cumpridos, a empresa terá um prémio de realização. Para as segundas, pretende-se que 50 empresas que nunca exportaram o passem a fazer. Mas há mais: estão a ser convidados os grandes compradores mundiais a visitar empresas portuguesas. Está a ser estimulada a colaboração nos mercados externos entre as grandes empresas e as PME. Estão a ser estudados novos mercados. Vão ser também identificados os grandes investidores mundiais e convidá-los a vir ao nosso país. E vamos dar a conhecer as nossas empresas mais inovadoras em mercados como os EUA e o Brasil. Se precisamos desesperadamente de exportar, o ICEP, liderado por Basílio Horta, está a dar um forte contributo. O espírito do mar

A conferência "Portugal e o Mar, a nossa aposta no séc. XXI", organizada pelo Expresso e pela CGD teve um orador que nos arrasou. Disse Niko Wijnolst, presidente da Rede Europeia de Clusters Marítimos, que o que fizemos desde 2005 tem sido sobretudo um exercício intelectual. Porquê? "Há muita burocracia e outros problemas, mas a questão fundamental é a falta de espírito empreendedor". Com efeito, muitos se têm empenhado em chamar a atenção dos políticos para o mar. Mais que todos Tiago Pitta e Cunha, que colocou o tema na agenda europeia de Durão Barroso e na de Cavaco Silva. Sem o seu entusiasmo e impulso, o mar não seria hoje uma preocupação em Bruxelas e em Portugal. Mas depois falta ao sector privado a visão e a coragem para assumir riscos que teve o Infante D. Henrique. Esse é um defeito atávico que nem Tiago consegue resolver. já não necessito de ti tenho a companhia nocturna dos animais e a peste tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras galáxias, e o remorso um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração não, não preciso mais de mim possuo a doença dos espaços incomensuráveis e os secretos poços dos nómadas ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto deixei de estar disponível, perdoa-me se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo Al Berto (1948-1997) Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 30 de outubro de 2010 Excelência e avaliação na AP Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 28 de Outubro de 2010 Para reduzir o défice, o OE-2011 põe em causa a reforma da administração pública. O bem que consegue não compensa o mal que faz. A avaliação dos serviços e organismos da Administração Central do Estado foi uma das bandeiras do primeiro Governo de José Sócrates. Um comunicado de 26 de abril deste ano dava conta de que, de um universo global de 229 serviços e organismos, tinham sido avaliados nos termos do SIADAP (Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública) 224 serviços dos onze ministérios. Desses, 31 obtiveram a distinção de mérito, ou seja, a classificação máxima. Um dos efeitos previstos na lei para a atribuição aos serviços que obtêm esta distinção é o aumento das percen tagens máximas legais para as menções SIADAP dos respetivos trabalhadores de "relevante" e "excelente" respetivamente de 20% para 35% e de 5% para 10%, "o que se efetivará este ano quando os serviços e organismos concluam a avaliação de desempenho dos trabalhadores em 2009", segundo a referida nota oficial. Ora tudo isto é agora posto em causa com a proposta de Orçamento do Estado para 2011, já que o ministro das Finanças assumiu, em resposta a uma questão do Expresso, que todo o processo de atribuição de prémios aos trabalhadores será suspenso durante o próximo ano tendo em conta a situação orçamental. É lamentável que assim seja. Em primeiro lugar, porque o peso destes prémios no orçamento é reduzidíssimo. Mas muito mais importante porque coloca em causa todo o processo de avaliação que tanto custou a pôr de pé. Na verdade, não é possível avaliar sem depois premiar - porque se não se castiga e premeia não faz sentido avaliar. E para muitas chefias e trabalhadores da Função Pública que se empenharam no processo é um enorme balde de água fria. A mensagem que se passa é que o melhor mesmo é ninguém se incomodar em melhorar a eficiência e a eficácia dos serviços, em definir objetivos e avaliar funcionários, porque quer os que se importam quer os que não se importam são recompensados da mesma maneira - com nada. E outras perplexidades surgem quando o Governo, na listagem dos organismos públicos que serão fundidos ou desaparecerão, atinge três que obtiveram a distinção por mérito: Direção-Geral dos Impostos (que se funde com a Direção-Geral das Alfândegas), Direção-Geral de Reinserção Social (que se funde com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais) e o Estádio Universitário de Lisboa, cuja propriedade será externalizada. O caso da DG de Reinserção Social merece ser assinalado pelo trajeto que desenvolveu nos últimos dois anos e que lhe tem valido a atenção dos seus congéneres europeus, interessados na experiência portuguesa. Acompanha 17.000 pessoas condenadas, dos quais 1188 jovens a cumprir pena. Segue também 560 pessoas que se encontram a cumprir pena em casa no sistema de vigilância eletrónica (e uma pessoa nesta situação custa ¤16/dia ao Estado e numa prisão custa ¤60/dia). Segue igualmente 204 jovens internados em seis centros educativos. É este serviço que vai agora ser objeto de fusão com a DG dos Serviços Prisionais. Conclusão: para reduzir o défice, o OE-2011 põe em causa a implementação em curso da reforma da administração pública. É um enorme passo atrás, que não se justifica. O bem que consegue (redução de alguns gastos) não compensa o mal que faz (a desmobilização dos funcionários públicos e dos serviços em torno da avaliação). O lado negro da crise

Lê-se, esfrega-se os olhos e não se acredita. O livro "Labirintos da Crise Financeira (2007-2010)" de José Manuel Rolo, além de ser um exaustivo levantamento de tudo o que se passou nestes três anos de brasa dos dois lados do Atlântico, revela (ou relembra) alguns factos extraordinários. Um deles tem a ver com a Grécia, o país que, na zona euro, mais esteve sob ataque dos mercados e que acabou por não resistir, tendo sido obrigado a pedir o auxílio do fundo europeu de emergência e, por tabela, do Fundo Monetário Internacional, sendo obrigado a aplicar medidas duríssimas de austeridade. Pois bem: José Manuel Rolo assinala uma coincidência e lembra uma notícia. A coincidência tem a ver com o pacote financeiro de €110 mil milhões de ajuda à Grécia que foi aprovado pelos ministros das Finanças da zona euro. E não é que esse é, mutatis mutandis, o valor da exposição dos sistemas bancários alemão e francês à Grécia? A notícia, ainda mais extraordinária, é que o pacote europeu de apoio à Grécia pode ter sido misturado com o negócio de venda de 6 fragatas, 15 helicópteros e 40 caças Rafale (por parte de Paris) e de um submarino (por parte de Berlim). Quem o escreve são dois analistas da Reuters, Paul Taylor e Renée Maltezou, num artigo de 23 de março. Realmente, a realidade ultrapassa sempre a ficção. Mas quem julga estes juízes?

O presidente da Associação Sindical dos Juízes, António Martins, disse que há "má fé" no OE-2011 e acrescentou: "Estamos a pagar a fatura de ter incomodado, nas investigações e no trabalho jurisdicional que fazemos, os boys do Partido Socialista. Estamos a pagar a fatura do 'processo Face Oculta' e de outros processos anteriores". Um cidadão ouve e não acredita. Como é que uma pessoa no seu pleno juízo pode dizer que estas medidas são contra um grupo profissional? Como é que um juiz pode utilizar uma linguagem tão baixa e tão vulgar contra o Governo legitimamente eleito do país? E como é que um juiz pode atirar areia para os olhos dos cidadãos ao dizer que só aos juízes são cortadas as remunerações acessórias em 20%, ignorando que até agora estas não eram tributadas em IRS, ao contrário de outros subsídios de residência para os quais se prevê uma taxa inferior, mas já são tributados? Se depois disto ressurgir o 'processo Freeport', já sabemos porque é. E ninguém julga estes juízes? O banqueiro diferente

A revista "Exame" atribuiu a título póstumo o Prémio Carreira a Horácio Roque, visando distinguir os que se destacam pelo seu empreendedorismo. Nada mais justo. De uma família humilde e subindo pelo seu próprio pulso, Horácio Roque é um exemplo de empreendedorismo que, pelo menos duas vezes, começou tudo do zero, atingindo sempre o sucesso. No discurso de agradecimento, a filha, Teresa Roque, sublinhou uma das ideias-chave do pai, a de que os sucessos que obteve assentaram sempre numa regra de ouro, o respeito autêntico pelos seus colaboradores. E ao agradecer a distinção que lhe foi atribuída pelo rei de Espanha, sublinhou que a homenagem era o resultado do apoio da família, dos amigos e de todos os colaboradores das empresas que liderava. Era assim Horácio Roque, uma pessoa com quem, como disse Francisco Pinto Balsemão, existia uma fácil empatia e que sabia rir-se de si próprio, num país em que muita gente se toma demasiado a sério. Era, por isso, um banqueiro diferente, sem inimigos no sector, o que é raro e que fazia a diferença na sua relação com a comunicação social. Infelizmente, partiu demasiado cedo. Felizmente, as suas herdeiras demonstram estar em condições de dar asas ao que ele lhes deixou. O regresso da economia

Se há coisa que esta crise conseguiu foi trazer de novo para a frente da discussão a macroeconomia. A ideia de que gerir um país é como gerir uma empresa caiu pela base. Os debates sucedem-se e Portugal é palco, por estes dias, de sucessivos debates, em que os macroeconomistas são as estrelas. Um dos mais recentes ocorreu na Assembleia da República e Ricardo Reis, que vive nos Estados Unidos, admitiu a possibilidade de Portugal propor um reescalonamento da sua dívida externa. Esta é a alternativa, como explicou, à subida dos impostos que cria recessão e obriga a nova subida de impostos, o que aumenta a recessão, até ao colapso final. Outra alternativa é a saída (pelo menos temporária) do euro. O resto são soluções parcelares, que nos honram mas não nos livram de dez anos de estagnação e pobreza. A não ser que haja um milagre. São raros, mas às vezes acontecem. Há muito tempo que não me calha um café

pela chávena esquinada (...) Dia após dia rodei

a pequena asa branca, na pressa de reconhecer no perímetro da cerâmica aquela ferida antiga. A última vez que a usara, uns lábios tinham-na beijado com tanto afago pela manhã que pelo final do dia trazia ainda indeléveis as marcas daquele afecto. Não é fácil lavar um beijo.

De quando em vez o acaso rasga o espaço

do Café e chega-nos desde o balcão a voz inconfundível de cacos espalhando-se em descuido contra o mosaico do chão. Desconfio seriamente que a chávena tenha morrido. João Luís Barreto Guimarães, '26 de Outubro' in "Lugares Comuns", 2000 Nicolau Santos Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 23 de outubro de 2010 Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

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