O humorista que destrói Lula e a sua transformer Dilma

23-10-2010
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Marcelo Madureira, estrela da Globo há 20 anos, acha que Serra "é um péssimo candidato, mas será um óptimo Presidente"

Marcelo Madureira ainda não se sentou, mas já está a dizer: "Eu voto no Serra porque sou contra Lula." E a partir daqui vai ser artilharia pesada. Estamos numa sala da TV Globo, entre duas gravações do programa Casseta & Planeta, sucesso de audiências há 20 anos, todas as terças, depois da novela das oito.

O Rio de Janeiro deve continuar lindo, mas de momento não se vê. Da Zona Sul a Jacarepaguá foi quase uma hora de tempestade, entre morros encobertos e mar coberto. O nome oficial dos estúdios da TV Globo é Projecto Jacarepaguá, mas toda a gente lhes chama Projac. Até tem ónibus para o Projac.

E dentro do Projac.

"Entra pelo Portão 3", diz Marcelo ao telefone. No Portão 3 há uma recepção, os visitantes são identificados e eventualmente "liberados". Uma jovem assistente vem buscar o PÚBLICO num carrinho eléctrico, e avançamos por campos verdes com riachos e estúdios. Há um estúdio para cada novela em exibição, e os cartazes enchem as fachadas: Ti-ti-ti, Escrito nas estrelas, Passione.

Marcelo está num estúdio mais adiante, já na pele do seu personagem De Olho, paródia ao Diogo da novela Passione, que anda de olho na mulher do outro. E enquanto não o chamam para gravar, sempre gentil, encaminha a repórter para um sofá e adianta a artilharia.

"O Lula é uma figura nefasta para a política brasileira. É um mistificador. Fico espantado como é que ele consegue projectar até internacionalmente uma figura que não corresponde aos factos nem à pessoa." Marcelo fala a tal velocidade que é difícil achar uma brecha para começar a fazer perguntas. "Basta ver com quem ele está aliado, José Sarney, Collor de Mello, o que existe de mais atrasado. Porquê? Porque o que o Lula faz é a política do atraso, das oligarquias que dominam a política brasileira, do clientelismo e da demagogia, do aparelhamento do Estado e do patrimonialismo: você usa a máquina do Estado como se aquilo fosse um bem patrimonial seu."

Brecha: e os 30 milhões que saíram da pobreza?

"Isso é mentira. Os líderes demagógicos valem-se da pobreza. Esse sebastianismo é uma mentira. O que se vive no Brasil é um processo histórico. O maior protagonista não foi nem Fernando Henrique, nem Itamar Franco, foi a sociedade brasileira em democracia. O grande factor que permitiu o avanço do Brasil foi a democracia. O Lula atribuir-se isso [a saída da pobreza] só mostra que ele está sendo presunçoso."

Alguém mete a cabeça na sala: "Vamos gravar." Mas Marcelo está lançado. "O Lula não é um democrata. Para ele a democracia é uma prática pequeno-burguesa. Quais foram as reformas estruturais que aconteceram no Brasil nos últimos anos?"

Voltam a chamá-lo. Ele levanta-se mas não pára de falar, corredor fora. "Eu fundamento o que digo, não sou como o Chico Buarque."

Ao fim da tarde, Chico vai estar num teatro na Zona Sul do Rio a entregar à candidata de Lula, Dilma Rousseff, um manifesto de apoio já com cinco mil assinaturas. Será o acontecimento carioca do dia. "Eu gostava de ir lá...", sorri Marcelo, com a sua camisa de macho latino.

Pós-comunista

De novo o carrinho eléctrico para chegar à "cidade cenográfica", ou seja, os muitos cenários de rua que a Globo constrói. A cena ao ar livre reproduz a esplanada de um boteco no Leblon, e até a calçada portuguesa é real. Só a chuva não está no guião, mas a produção montou uns toldos. Apanhado em flagrante com a mulher do outro, De Olho canta ópera:

Pausa para almoço. Sentado no refeitório, com um pratinho de arroz de forno, Marcelo quer fazer uma ressalva: "Humorista não tem partido político. Faço piadas com o Serra às vezes mais cruéis do que com a Dilma." E ele é um humorista-estrela, um pai brasileiro do Gato Fedorento.

Marcelo não só conhece os Gato como acha que tomaram algo do Casseta & Planeta, os Monthy Python brasileiros, na definição dele.

Aos 52 anos, é casado, pai de três filhos e avô desde sexta-feira. Foi do Partido Comunista brasileiro "na época em que todo o comité central foi assassinado e sequestrado, e havia esquerda e direita". Já não há? "Não. O mundo mudou, acho que isso é um modo simplista de ver o mundo. E acho uma bobagem essa coisa de os artistas acharem que são capazes de definir o voto de alguém. Eu sempre digo: "Não me sigam porque eu não sei para onde estou indo." Sou admirador da obra do Chico Buarque, do Gilberto Gil. Mas como político Chico Buarque é primário, igual ao Lula, um analfabeto político."

Anti-sindicato

Marcelo votou uma vez Lula. Foi contra Collor de Mello, há muitos anos. "Tinha uma ilusão de que com o Lula houvesse uma melhoria, mas foi um ledo engano. Eu formei-me como engenheiro e trabalhei muito com sindicatos. O objectivo do líder sindical é ficar controlando o sindicato e com isso tem várias benesses, a maior das quais é que não precisa de trabalhar na fábrica, e faz sempre um discurso ambíguo, diferente com o patrão e com os empregados. Em geral, o discurso sindical não é fiável, o seu único projecto político é ficar no poder, e o lulismo é isso. Porque o PT não existe mais, existe é o lulismo. O projecto do lulismo é ficar no poder e usufruir do poder."

As bolsas sociais de Lula, acredita Marcelo, fazem parte dessa estratégia: "Ele manteve a política económica de Fernando Henrique e foi demagógico ampliando os programas sociais que já existiam, mas não lhes dando um fim. Não são transitórios, são permanentes. O objectivo não é tirar o indivíduo da miséria, é paternalizar. O discurso do Lula e da Dilma é materno-patriarcal, e muitos dos brasileiros adoram ser tutelados."

Hoje, o PT "é um partido de funcionários públicos", o sonho de uma parte da população "é arrumar um emprego público e virar parasita do Estado" e o Brasil tem "uma máquina pública cara e ineficiente".

"Sou preconceituoso"

Uma vez Lula convidou Marcelo e os colegas a irem ao Palácio da Alvorada mostrar o filme humorístico. "Nos convidaram por sermos tão populares. E talvez de molecagem me botaram do lado dele. Todo o mundo sabe que sou tucano." Ou seja, apoiante do PSDB. Marcelo pediu a palavra, disse que sentia orgulho por estar sendo recebido por um Presidente eleito democraticamente, porque ele próprio participara dessa luta pela democracia. "Aí o Lula falou que ia ser a maior figura da América Latina. E eu falei: "Presidente, e o Simão Bolívar?" Mas eu acho que nessa altura ele não sabia quem era o Simão Bolívar." O diálogo morreu rapidamente. "Ele nos serviu bife a cavalo. Eu achei bastante apropriado. Uma comida rústica. Quadrúpede."

Quadrúpede?

Não será isto um exemplo claro do que é o preconceito em relação a Lula, o rústico que nunca foi à universidade?

"Mas eu sou totalmente preconceituoso", responde Marcelo de imediato. "Sou contra ignorantes no poder. O Lula não é burro, mas é ignorante. Ele fez várias vezes o elogio da ignorância. Ele disse numa feira do livro que ler era chato. Ele é inteligente, mas tem uma inteligência muito pragmática, sindical. Ele diz: "Eu não estudei e cheguei lá." O Lula não estudou esses anos todos porque é preguiçoso e vagabundo."

E Dilma "é uma construção da cabeça dele, uma mulher autoritária, que foi botocada, siliconada, uma "transformer" da política". Isto, porque "o Lula não ia criar uma criatura que fosse engoli-lo". Marcelo está certo de que ele tem planos para 2014. "Fazendo a Dilma um mau governo, caso seja eleita, ele volta para consertar. Ele quer retornar."

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E Serra?

Marcelo não resiste a dizer que a culpa do lulismo começa em D. João VI, quando veio para o Brasil. "Importou toda uma característica lusitana de parasitar o Estado. Lula é uma espécie de D. João VI." Não é "um estadista como Fernando Henrique ou Clinton". "Um estadista pensa 100 anos na frente, o Lula é incapaz disso. Primeiro porque não sabe, depois porque não quer."

E Serra? Nem uma palavra? Marcelo suspira. "É um péssimo candidato, mas será um óptimo Presidente. Preparou-se a vida inteira para isso, como o Churchill. Agora, ele é chato, teimoso, picuinhas. Não é um cara que eu chamaria para almoçar lá em casa. É mal-humorado, muito rigoroso, fala com muita clareza, uma coisa muito paulista. Nos debates eu acho ele um horror. Ainda ontem, olhando, eu comentei com a minha mulher..."

Para Marcelo, como para muita gente que vai votar Serra, o que está em jogo é isto: votar contra Lula.

Marcelo Madureira, estrela da Globo há 20 anos, acha que Serra "é um péssimo candidato, mas será um óptimo Presidente"

Marcelo Madureira ainda não se sentou, mas já está a dizer: "Eu voto no Serra porque sou contra Lula." E a partir daqui vai ser artilharia pesada. Estamos numa sala da TV Globo, entre duas gravações do programa Casseta & Planeta, sucesso de audiências há 20 anos, todas as terças, depois da novela das oito.

O Rio de Janeiro deve continuar lindo, mas de momento não se vê. Da Zona Sul a Jacarepaguá foi quase uma hora de tempestade, entre morros encobertos e mar coberto. O nome oficial dos estúdios da TV Globo é Projecto Jacarepaguá, mas toda a gente lhes chama Projac. Até tem ónibus para o Projac.

E dentro do Projac.

"Entra pelo Portão 3", diz Marcelo ao telefone. No Portão 3 há uma recepção, os visitantes são identificados e eventualmente "liberados". Uma jovem assistente vem buscar o PÚBLICO num carrinho eléctrico, e avançamos por campos verdes com riachos e estúdios. Há um estúdio para cada novela em exibição, e os cartazes enchem as fachadas: Ti-ti-ti, Escrito nas estrelas, Passione.

Marcelo está num estúdio mais adiante, já na pele do seu personagem De Olho, paródia ao Diogo da novela Passione, que anda de olho na mulher do outro. E enquanto não o chamam para gravar, sempre gentil, encaminha a repórter para um sofá e adianta a artilharia.

"O Lula é uma figura nefasta para a política brasileira. É um mistificador. Fico espantado como é que ele consegue projectar até internacionalmente uma figura que não corresponde aos factos nem à pessoa." Marcelo fala a tal velocidade que é difícil achar uma brecha para começar a fazer perguntas. "Basta ver com quem ele está aliado, José Sarney, Collor de Mello, o que existe de mais atrasado. Porquê? Porque o que o Lula faz é a política do atraso, das oligarquias que dominam a política brasileira, do clientelismo e da demagogia, do aparelhamento do Estado e do patrimonialismo: você usa a máquina do Estado como se aquilo fosse um bem patrimonial seu."

Brecha: e os 30 milhões que saíram da pobreza?

"Isso é mentira. Os líderes demagógicos valem-se da pobreza. Esse sebastianismo é uma mentira. O que se vive no Brasil é um processo histórico. O maior protagonista não foi nem Fernando Henrique, nem Itamar Franco, foi a sociedade brasileira em democracia. O grande factor que permitiu o avanço do Brasil foi a democracia. O Lula atribuir-se isso [a saída da pobreza] só mostra que ele está sendo presunçoso."

Alguém mete a cabeça na sala: "Vamos gravar." Mas Marcelo está lançado. "O Lula não é um democrata. Para ele a democracia é uma prática pequeno-burguesa. Quais foram as reformas estruturais que aconteceram no Brasil nos últimos anos?"

Voltam a chamá-lo. Ele levanta-se mas não pára de falar, corredor fora. "Eu fundamento o que digo, não sou como o Chico Buarque."

Ao fim da tarde, Chico vai estar num teatro na Zona Sul do Rio a entregar à candidata de Lula, Dilma Rousseff, um manifesto de apoio já com cinco mil assinaturas. Será o acontecimento carioca do dia. "Eu gostava de ir lá...", sorri Marcelo, com a sua camisa de macho latino.

Pós-comunista

De novo o carrinho eléctrico para chegar à "cidade cenográfica", ou seja, os muitos cenários de rua que a Globo constrói. A cena ao ar livre reproduz a esplanada de um boteco no Leblon, e até a calçada portuguesa é real. Só a chuva não está no guião, mas a produção montou uns toldos. Apanhado em flagrante com a mulher do outro, De Olho canta ópera:

Pausa para almoço. Sentado no refeitório, com um pratinho de arroz de forno, Marcelo quer fazer uma ressalva: "Humorista não tem partido político. Faço piadas com o Serra às vezes mais cruéis do que com a Dilma." E ele é um humorista-estrela, um pai brasileiro do Gato Fedorento.

Marcelo não só conhece os Gato como acha que tomaram algo do Casseta & Planeta, os Monthy Python brasileiros, na definição dele.

Aos 52 anos, é casado, pai de três filhos e avô desde sexta-feira. Foi do Partido Comunista brasileiro "na época em que todo o comité central foi assassinado e sequestrado, e havia esquerda e direita". Já não há? "Não. O mundo mudou, acho que isso é um modo simplista de ver o mundo. E acho uma bobagem essa coisa de os artistas acharem que são capazes de definir o voto de alguém. Eu sempre digo: "Não me sigam porque eu não sei para onde estou indo." Sou admirador da obra do Chico Buarque, do Gilberto Gil. Mas como político Chico Buarque é primário, igual ao Lula, um analfabeto político."

Anti-sindicato

Marcelo votou uma vez Lula. Foi contra Collor de Mello, há muitos anos. "Tinha uma ilusão de que com o Lula houvesse uma melhoria, mas foi um ledo engano. Eu formei-me como engenheiro e trabalhei muito com sindicatos. O objectivo do líder sindical é ficar controlando o sindicato e com isso tem várias benesses, a maior das quais é que não precisa de trabalhar na fábrica, e faz sempre um discurso ambíguo, diferente com o patrão e com os empregados. Em geral, o discurso sindical não é fiável, o seu único projecto político é ficar no poder, e o lulismo é isso. Porque o PT não existe mais, existe é o lulismo. O projecto do lulismo é ficar no poder e usufruir do poder."

As bolsas sociais de Lula, acredita Marcelo, fazem parte dessa estratégia: "Ele manteve a política económica de Fernando Henrique e foi demagógico ampliando os programas sociais que já existiam, mas não lhes dando um fim. Não são transitórios, são permanentes. O objectivo não é tirar o indivíduo da miséria, é paternalizar. O discurso do Lula e da Dilma é materno-patriarcal, e muitos dos brasileiros adoram ser tutelados."

Hoje, o PT "é um partido de funcionários públicos", o sonho de uma parte da população "é arrumar um emprego público e virar parasita do Estado" e o Brasil tem "uma máquina pública cara e ineficiente".

"Sou preconceituoso"

Uma vez Lula convidou Marcelo e os colegas a irem ao Palácio da Alvorada mostrar o filme humorístico. "Nos convidaram por sermos tão populares. E talvez de molecagem me botaram do lado dele. Todo o mundo sabe que sou tucano." Ou seja, apoiante do PSDB. Marcelo pediu a palavra, disse que sentia orgulho por estar sendo recebido por um Presidente eleito democraticamente, porque ele próprio participara dessa luta pela democracia. "Aí o Lula falou que ia ser a maior figura da América Latina. E eu falei: "Presidente, e o Simão Bolívar?" Mas eu acho que nessa altura ele não sabia quem era o Simão Bolívar." O diálogo morreu rapidamente. "Ele nos serviu bife a cavalo. Eu achei bastante apropriado. Uma comida rústica. Quadrúpede."

Quadrúpede?

Não será isto um exemplo claro do que é o preconceito em relação a Lula, o rústico que nunca foi à universidade?

"Mas eu sou totalmente preconceituoso", responde Marcelo de imediato. "Sou contra ignorantes no poder. O Lula não é burro, mas é ignorante. Ele fez várias vezes o elogio da ignorância. Ele disse numa feira do livro que ler era chato. Ele é inteligente, mas tem uma inteligência muito pragmática, sindical. Ele diz: "Eu não estudei e cheguei lá." O Lula não estudou esses anos todos porque é preguiçoso e vagabundo."

E Dilma "é uma construção da cabeça dele, uma mulher autoritária, que foi botocada, siliconada, uma "transformer" da política". Isto, porque "o Lula não ia criar uma criatura que fosse engoli-lo". Marcelo está certo de que ele tem planos para 2014. "Fazendo a Dilma um mau governo, caso seja eleita, ele volta para consertar. Ele quer retornar."

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E Serra?

Marcelo não resiste a dizer que a culpa do lulismo começa em D. João VI, quando veio para o Brasil. "Importou toda uma característica lusitana de parasitar o Estado. Lula é uma espécie de D. João VI." Não é "um estadista como Fernando Henrique ou Clinton". "Um estadista pensa 100 anos na frente, o Lula é incapaz disso. Primeiro porque não sabe, depois porque não quer."

E Serra? Nem uma palavra? Marcelo suspira. "É um péssimo candidato, mas será um óptimo Presidente. Preparou-se a vida inteira para isso, como o Churchill. Agora, ele é chato, teimoso, picuinhas. Não é um cara que eu chamaria para almoçar lá em casa. É mal-humorado, muito rigoroso, fala com muita clareza, uma coisa muito paulista. Nos debates eu acho ele um horror. Ainda ontem, olhando, eu comentei com a minha mulher..."

Para Marcelo, como para muita gente que vai votar Serra, o que está em jogo é isto: votar contra Lula.

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