INDÚSTRIAS CULTURAIS: JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS: O CASO DA SEMANA

28-12-2009
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Tudo começou no passado domingo com a reportagem-entrevista na Pública (caderno dominical do Público). A ideia inicial era retratar a vida dos pivôs (ou âncora) da televisão, "as caras que os portugueses conhecem quando se fala de informação", como diz o lead de uma das peças assinadas por Ana Machado. José Rodrigues dos Santos e Alberta Marques Fernandes (RTP), Clara de Sousa (SIC), Manuela Moura Guedes e José Carlos Castro (TVI) foram os retratados. Só que as respostas por escrito de Rodrigues dos Santos formaram um específico valor-notícia, com ele a dizer coisas como "A administração da RTP «passa recados» do poder político", "Ainda hoje estou a pagar por me ter oposto à interferência da actual administração", "Ver o poder interferir despudoradamente na informação como eu vi é algo que desmotiva".Como as afirmações do jornalista da RTP eram fortes, a jornalista do Público ouviu agentes políticos, como Morais Sarmento, antigo ministro pelo PSD, Arons de Carvalho, antigo secretário de Estado pelo PS, e Agostinho Branquinho, deputado do PSD, a funcionarem em termos de contraditório. Estes políticos referiam-se ao presente, com o deputado do PS a defender o actual governo e os outros a contestarem. Só que o jornalista da televisão identificava essencialmente uma situação anterior.Na quarta-feira, os jornais titulavam em primeira página a conflitualidade presente na RTP. Para o Diário de Notícias, "Rodrigues dos Santos e RTP em rota de colisão", para o Público "RTP instaurou onze processos disciplinares desde Janeiro. Pivô José Rodrigues dos Santos arrisca-se a ser alvo de sanções". Como pano de fundo, um comunicado da administração da televisão pública, apelidado de "violento" pelo Diário de Notícias. Os dois jornais puxaram o tema para as primeiras páginas: página 4 no Público, páginas 6 e 7 no Diário de Notícias, com este a encarar a hipótese do jornalista da RTP rumar para os canais privados onde parece haver vagas e aquele a lembrar o caso da correspondente em Madrid, cujo concurso Rodrigues dos Santos contestara, e em que o presidente da RTP teria prestado falsas declarações ao regulador de então, a AACS.Quinta-feira é dado igual destaque ao caso, agora a partir de um comunicado da direcção da RTP apontar contradições a comportamentos de Rodrigues dos Santos e criticar o jornal Público. Uma das questões levantadas é a razão da actualidade da informação, dado que os dados recolhidos o foram em Agosto e, agora, a administração está em final de mandato. O director do jornal defende-se no Diário de Notícias e a direcção editorial do Público emite uma nota, contestando o comunicado da direcção da RTP.Os jornais de hoje publicam novos ângulos: no seu artigo semanal no Público, José Pacheco Pereira, a propósito do caso, põe em causa o modelo de existência do serviço público, defendendo a privatização da RTP (e também da RDP). Em fundo, a troca azeda de mensagens entre Pacheco Pereira (no seu blogue Abrupto) e Luís Marinho, da RTP, que repudiara as palavras daquele. No Expresso, dá-se relevo a uma votação na ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) sobre ouvir ou não o jornalista da RTP que declarou existir pressão do poder político na televisão pública. Em especial a entrevista com o presidente da ERC, a defender a não necessidade de ouvir Rodrigues dos Santos, e a declaração de vencido na votação por parte de um membro da mesma entidade.Há, aqui, demasiados agentes - e com interesses e posições distintas - para se ignorar o que aconteceu. Primeiro, as respostas de Rodrigues dos Santos parecem desfasadas do tempo, se os factos dizem respeito apenas a um tempo passado. Segundo, se a reacção da administração e da direcção da RTP tem aparente legitimidade perante um funcionário que contesta a organização, ela já é exagerada quanto ao comportamento do jornal Público. Este resolveu imprimir, e bem, declarações polémicas; um meio tem a responsabilidade de pôr na esfera pública questões que precisam de ser discutidas pelos cidadãos, pois a informação independente é um bem comum a preservar.Terceiro, a vinda a público de uma votação da ERC não tem, a meu ver e neste caso, muita relevância, mas sim o facto do seu presidente concluir da não importância em ouvir o jornalista. Devia fazê-lo, até porque há crispação na opinião pública (como o caso Charrua e já, esta semana, a investigação à sede de um sindicato por parte da polícia). A ser verdade o que os media de qualidade têm escrito nos últimos meses, os tiques de arrogância e de poder antidemocrático por parte do Governo não são benéficos para a manutenção de um regime aberto e participativo. Ora, a RTP é do Estado e depende directamente do Governo; não basta proclamar que há independência, é preciso escrutinar e garantir a transparência. Isto é, eliminar quaisquer tipos de suspeita.Quarto, é interessante ver outras linhas de pensamento surgirem a reboque do tema central, como as intervenções de Pacheco Pereira. Sou a favor da discussão constante sobre a existência dos media de serviço público, mesmo com posições contraditórias, ou apesar disso mesmo. Isto porque os media em geral devem prestar serviço público (ouvir as minorias, falar de temas para a cidadania e para a educação, ter atenção a programas para públicos mais dependentes como crianças). O ser do Estado ou entregue à iniciativa privada parece-me a segunda questão depois de garantida a primeira - que é a prestação desse serviço público geral. É que não está garantida quando os canais de televisão fornecem sequências de programas com telenovelas, reality-shows e concursos. Se os 15 anos de televisão privada não trouxeram qualidade, defender a pura privatização da RTP não será piorar o mapa?


Tudo começou no passado domingo com a reportagem-entrevista na Pública (caderno dominical do Público). A ideia inicial era retratar a vida dos pivôs (ou âncora) da televisão, "as caras que os portugueses conhecem quando se fala de informação", como diz o lead de uma das peças assinadas por Ana Machado. José Rodrigues dos Santos e Alberta Marques Fernandes (RTP), Clara de Sousa (SIC), Manuela Moura Guedes e José Carlos Castro (TVI) foram os retratados. Só que as respostas por escrito de Rodrigues dos Santos formaram um específico valor-notícia, com ele a dizer coisas como "A administração da RTP «passa recados» do poder político", "Ainda hoje estou a pagar por me ter oposto à interferência da actual administração", "Ver o poder interferir despudoradamente na informação como eu vi é algo que desmotiva".Como as afirmações do jornalista da RTP eram fortes, a jornalista do Público ouviu agentes políticos, como Morais Sarmento, antigo ministro pelo PSD, Arons de Carvalho, antigo secretário de Estado pelo PS, e Agostinho Branquinho, deputado do PSD, a funcionarem em termos de contraditório. Estes políticos referiam-se ao presente, com o deputado do PS a defender o actual governo e os outros a contestarem. Só que o jornalista da televisão identificava essencialmente uma situação anterior.Na quarta-feira, os jornais titulavam em primeira página a conflitualidade presente na RTP. Para o Diário de Notícias, "Rodrigues dos Santos e RTP em rota de colisão", para o Público "RTP instaurou onze processos disciplinares desde Janeiro. Pivô José Rodrigues dos Santos arrisca-se a ser alvo de sanções". Como pano de fundo, um comunicado da administração da televisão pública, apelidado de "violento" pelo Diário de Notícias. Os dois jornais puxaram o tema para as primeiras páginas: página 4 no Público, páginas 6 e 7 no Diário de Notícias, com este a encarar a hipótese do jornalista da RTP rumar para os canais privados onde parece haver vagas e aquele a lembrar o caso da correspondente em Madrid, cujo concurso Rodrigues dos Santos contestara, e em que o presidente da RTP teria prestado falsas declarações ao regulador de então, a AACS.Quinta-feira é dado igual destaque ao caso, agora a partir de um comunicado da direcção da RTP apontar contradições a comportamentos de Rodrigues dos Santos e criticar o jornal Público. Uma das questões levantadas é a razão da actualidade da informação, dado que os dados recolhidos o foram em Agosto e, agora, a administração está em final de mandato. O director do jornal defende-se no Diário de Notícias e a direcção editorial do Público emite uma nota, contestando o comunicado da direcção da RTP.Os jornais de hoje publicam novos ângulos: no seu artigo semanal no Público, José Pacheco Pereira, a propósito do caso, põe em causa o modelo de existência do serviço público, defendendo a privatização da RTP (e também da RDP). Em fundo, a troca azeda de mensagens entre Pacheco Pereira (no seu blogue Abrupto) e Luís Marinho, da RTP, que repudiara as palavras daquele. No Expresso, dá-se relevo a uma votação na ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) sobre ouvir ou não o jornalista da RTP que declarou existir pressão do poder político na televisão pública. Em especial a entrevista com o presidente da ERC, a defender a não necessidade de ouvir Rodrigues dos Santos, e a declaração de vencido na votação por parte de um membro da mesma entidade.Há, aqui, demasiados agentes - e com interesses e posições distintas - para se ignorar o que aconteceu. Primeiro, as respostas de Rodrigues dos Santos parecem desfasadas do tempo, se os factos dizem respeito apenas a um tempo passado. Segundo, se a reacção da administração e da direcção da RTP tem aparente legitimidade perante um funcionário que contesta a organização, ela já é exagerada quanto ao comportamento do jornal Público. Este resolveu imprimir, e bem, declarações polémicas; um meio tem a responsabilidade de pôr na esfera pública questões que precisam de ser discutidas pelos cidadãos, pois a informação independente é um bem comum a preservar.Terceiro, a vinda a público de uma votação da ERC não tem, a meu ver e neste caso, muita relevância, mas sim o facto do seu presidente concluir da não importância em ouvir o jornalista. Devia fazê-lo, até porque há crispação na opinião pública (como o caso Charrua e já, esta semana, a investigação à sede de um sindicato por parte da polícia). A ser verdade o que os media de qualidade têm escrito nos últimos meses, os tiques de arrogância e de poder antidemocrático por parte do Governo não são benéficos para a manutenção de um regime aberto e participativo. Ora, a RTP é do Estado e depende directamente do Governo; não basta proclamar que há independência, é preciso escrutinar e garantir a transparência. Isto é, eliminar quaisquer tipos de suspeita.Quarto, é interessante ver outras linhas de pensamento surgirem a reboque do tema central, como as intervenções de Pacheco Pereira. Sou a favor da discussão constante sobre a existência dos media de serviço público, mesmo com posições contraditórias, ou apesar disso mesmo. Isto porque os media em geral devem prestar serviço público (ouvir as minorias, falar de temas para a cidadania e para a educação, ter atenção a programas para públicos mais dependentes como crianças). O ser do Estado ou entregue à iniciativa privada parece-me a segunda questão depois de garantida a primeira - que é a prestação desse serviço público geral. É que não está garantida quando os canais de televisão fornecem sequências de programas com telenovelas, reality-shows e concursos. Se os 15 anos de televisão privada não trouxeram qualidade, defender a pura privatização da RTP não será piorar o mapa?

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