Juiz que analisará queixa contra PGR criticou-o em blogue

23-10-2010
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Maia Costa assinou um comentário irónico sobre Pinto Monteiro que deu origem a polémica

Deve um juiz pronunciar-se sobre um processo que envolve alguém cuja conduta ele já criticou? A questão foi suscitada nos meios judiciais a propósito da notícia da distribuição da queixa-crime contra o procurador-geral da República (PGR) ao juiz conselheiro Maia Costa do Supremo Tribunal de Justiça. O mesmo que assinou um comentário no blogue Sine Die, onde escreve habitualmente, referindo-se com ironia a Pinto Monteiro pelas declarações em que este afirma ter "os poderes da rainha de Inglaterra".

Um facto que, na opinião de Maia Costa, não constitui motivo para pedir escusa de analisar o processo. "Não está em causa a minha imparcialidade", afirma, em declarações ao PÚBLICO. É a este juiz que agora compete analisar se a queixa apresentada por um procurador-geral adjunto, acusando Pinto Monteiro de ter cometido um crime de denegação de justiça, tem fundamento para ser julgada.

No passado dia 12 de Setembro, o conselheiro publicou no Sine Die um texto em que se refere ao PGR como a "rainha de Inglaterra" que "já no final do seu reinado, súbita e inesperadamente" se queixa da falta de poderes. "Há muitos súbditos que estranham esta atitude. Acham que é tarde para o fazer e que, de qualquer forma, tendo obrigação de saber os poderes que tinha, não deveria ter aceitado a coroação", escreve. "Mas ela não desiste. Reuniu os seus cortesãos em conselho para deles obter o necessário aval", acrescenta, notando que "o pior é que não obteve o esperado apoio".

"Foi um comentário irónico a uma ironia [do próprio] que não me inibe de investigar com absoluta imparcialidade e isenção", explica Maia Costa, afastando a hipótese de pedir dispensa de intervenção no processo.

Em entrevista ao Diário de Notícias, no passado dia 3 de Agosto, Pinto Monteiro defendeu a necessidade de o poder político decidir "se pretende um MP autónomo, mas com uma hierarquia a funcionar, ou se prefere o actual simulacro de hierarquia em que o PGR tem os poderes da rainha de Inglaterra".

Diz o artigo 43.º do Código do Processo Penal que "a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade". E que "o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir" face a suspeitas de que não será imparcial.

Na opinião de José Miguel Júdice, ex-bastonário da Ordem dos Advogados que faz questão em frisar o "enorme respeito" que tem por Maia Costa, este deverá "considerar-se impedido de analisar a questão". Júdice lamenta que "mesmo os magistrados mais brilhantes se esqueçam dos deveres de cautela" para que surjam como independentes aos olhos dos outros. "Não é sensato que continue a julgar o caso, acho que se deve afastar", afirma.

O professor universitário de Direito Costa Andrade salienta a "componente pessoal importante" que aquela questão inclui, considerando que a decisão compete a Maia Costa. "Ele entenderá se tem ou não condições para apreciar o processo", afirma.

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"Não comento. Não posso nem devo", diz António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Posição idêntica assumem o juiz Edgar Lopes, da Associação de Juízes pela Cidadania, e Rui Cardoso, secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).

Para o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, "o juiz fala publicamente através da sentença. Quem tem necessidade de intervir no debate público não deve ser juiz", considera, concluindo: "Maia Costa não deveria aceitar o processo".

Numa nota enviada em resposta à questão colocada pelo PÚBLICO, o Conselho Superior da Magistratura esclarece que não lhe compete "fazer quaisquer comentários relativamente a processos concretos, quanto à adequação, ou não, de incidentes processuais que eventualmente venham a ser suscitados".

Maia Costa assinou um comentário irónico sobre Pinto Monteiro que deu origem a polémica

Deve um juiz pronunciar-se sobre um processo que envolve alguém cuja conduta ele já criticou? A questão foi suscitada nos meios judiciais a propósito da notícia da distribuição da queixa-crime contra o procurador-geral da República (PGR) ao juiz conselheiro Maia Costa do Supremo Tribunal de Justiça. O mesmo que assinou um comentário no blogue Sine Die, onde escreve habitualmente, referindo-se com ironia a Pinto Monteiro pelas declarações em que este afirma ter "os poderes da rainha de Inglaterra".

Um facto que, na opinião de Maia Costa, não constitui motivo para pedir escusa de analisar o processo. "Não está em causa a minha imparcialidade", afirma, em declarações ao PÚBLICO. É a este juiz que agora compete analisar se a queixa apresentada por um procurador-geral adjunto, acusando Pinto Monteiro de ter cometido um crime de denegação de justiça, tem fundamento para ser julgada.

No passado dia 12 de Setembro, o conselheiro publicou no Sine Die um texto em que se refere ao PGR como a "rainha de Inglaterra" que "já no final do seu reinado, súbita e inesperadamente" se queixa da falta de poderes. "Há muitos súbditos que estranham esta atitude. Acham que é tarde para o fazer e que, de qualquer forma, tendo obrigação de saber os poderes que tinha, não deveria ter aceitado a coroação", escreve. "Mas ela não desiste. Reuniu os seus cortesãos em conselho para deles obter o necessário aval", acrescenta, notando que "o pior é que não obteve o esperado apoio".

"Foi um comentário irónico a uma ironia [do próprio] que não me inibe de investigar com absoluta imparcialidade e isenção", explica Maia Costa, afastando a hipótese de pedir dispensa de intervenção no processo.

Em entrevista ao Diário de Notícias, no passado dia 3 de Agosto, Pinto Monteiro defendeu a necessidade de o poder político decidir "se pretende um MP autónomo, mas com uma hierarquia a funcionar, ou se prefere o actual simulacro de hierarquia em que o PGR tem os poderes da rainha de Inglaterra".

Diz o artigo 43.º do Código do Processo Penal que "a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade". E que "o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir" face a suspeitas de que não será imparcial.

Na opinião de José Miguel Júdice, ex-bastonário da Ordem dos Advogados que faz questão em frisar o "enorme respeito" que tem por Maia Costa, este deverá "considerar-se impedido de analisar a questão". Júdice lamenta que "mesmo os magistrados mais brilhantes se esqueçam dos deveres de cautela" para que surjam como independentes aos olhos dos outros. "Não é sensato que continue a julgar o caso, acho que se deve afastar", afirma.

O professor universitário de Direito Costa Andrade salienta a "componente pessoal importante" que aquela questão inclui, considerando que a decisão compete a Maia Costa. "Ele entenderá se tem ou não condições para apreciar o processo", afirma.

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"Não comento. Não posso nem devo", diz António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Posição idêntica assumem o juiz Edgar Lopes, da Associação de Juízes pela Cidadania, e Rui Cardoso, secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).

Para o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, "o juiz fala publicamente através da sentença. Quem tem necessidade de intervir no debate público não deve ser juiz", considera, concluindo: "Maia Costa não deveria aceitar o processo".

Numa nota enviada em resposta à questão colocada pelo PÚBLICO, o Conselho Superior da Magistratura esclarece que não lhe compete "fazer quaisquer comentários relativamente a processos concretos, quanto à adequação, ou não, de incidentes processuais que eventualmente venham a ser suscitados".

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