"Don Lucho", o chefe do turno interminável

23-10-2010
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A mensagem que arrepiou o Chile foi "Estamos bien en el refugio, los 33." Mas podia ter sido outra. "Mandem comida, temos fome", por exemplo. Quando viram a sonda das equipas de resgate a mais de 600 metros de profundidade os mineiros correram para abraçá-la e depois colaram-lhe muitos papéis, contou Luis Urzúa Iribarren, o chefe de turno e o último a ser resgatado. Ele foi o líder que racionou comida, acalentou esperanças e geriu os conflitos nas profundezas.

Urzúa partilhou ontem com o Presidente, Sebastián Piñera, pormenores do que aconteceu no interior da mina. Disse-lhe que ficaram pelo caminho muitos papéis com mensagens colados à sonda, mas que aquele que chegou dizia o essencial. Depois passou-lhe o seu interminável turno: "Senhor Presidente, passo-lhe o turno como tínhamos combinado. Espero que isto nunca mais aconteça."

Com 54 anos de idade e 30 de trabalho nas minas, não faltava a Luis Urzúa experiência para chefiar uma equipa, mas nada o podia ter preparado para passar mais de dois meses soterrado com mais 32 homens. E os 17 primeiros dias, quando ninguém sabia onde estavam, foram os mais difíceis. "Tínhamos pouquita comida."

Não havia muito para comer, nem se sabia quando iria haver. Por isso, Luis Urzúa tomou a decisão de controlar as porções: duas colheres de atum, meio copo de leite e meia bolacha de 48 em 48 horas. "De tempos a tempos fraquejei um pouco, mas encontrei forças para falar com os mineiros, explicar-lhes o que se estava a passar", disse a Piñera.

Há histórias que ficarão no interior da mina, mas outras, pouco a pouco, vão chegando à superfície. A união entre os mineiros foi fundamental para o seu resgate, mas não foi fácil mantê-la ao longo dos 69 dias. Já depois de terem sido descobertos, os mineiros chegaram a estar divididos e a autoridade de Urzúa foi posta em causa. Um grupo de cinco mineiros que trabalhava para uma empresa subcontratada quis tentar chegar à superfície pelos seus meios e foi preciso o dono dessa organização convencê-los a juntar-se ao resto do grupo. A situação acalmou. "Não sei exactamente como fizeram. Não sei se houve episódios mais ou menos violentos", contou ao El País o psicólogo Alberto Iturra, que acompanhou os mineiros. "Só sei que o método que usaram funcionou. É isso que me interessa. A partir daí, pude continuar com o meu trabalho."

"Don Lucho", como é tratado pelos mineiros, é um líder natural que chegou a pedir ao psicólogo para reduzir o tempo das entrevistas para que fosse possível manter as rotinas e a disciplina. "Temos muitos que fazer cá em baixo", explicou. Topógrafo de formação e apaixonado por futebol, é agora a pessoa que mais tempo esteve fechado numa mina. Quem o conhece descreve-o como um homem discreto, de poucas palavras, e o mais provável é que a sua capacidade de liderança se deva às dificuldades que enfrentou desde cedo.

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O seu pai, que também se chamava Luis, fazia parte do Partido Comunista chileno e foi assassinado pela ditadura militar de Augusto Pinochet. A mãe, Nelly Iribarren, voltou a casar -se com Benito Tapia, que era dirigente da Confederação de Trabalhadores do Cobre chilena (Cobresal) e membro do comité central da Juventude Socialista. Até que, a 17 de Outubro de 1973, Tapia e outros dois sindicalistas foram fuzilados pela caravana da morte de Pinochet. Urzúa tinha 17 anos e cinco irmãos mais novos, foi obrigado a desenvencilhar-se.

"Ele foi o homem da casa, ajudou-me a criar os irmãos e sempre impôs regras", recordou Nelly Iribarrem ao El Mundo. "Estou a imaginá-lo no refúgio, a racionar a comida e a distribuir tarefas, porque ele é assim, mandão e organizado."

Casado e pai de duas filhas, Urzúa prefere o sossego da família a uma festa de boas-vindas. Por isso, em vez de festejos, a família preparou-lhe no acampamento Esperanza uma prenda com mais significado: um caderno cheio de mensagens de ânimo escritas por jornalistas de todo o mundo. Isabel Gorjão Santos

A mensagem que arrepiou o Chile foi "Estamos bien en el refugio, los 33." Mas podia ter sido outra. "Mandem comida, temos fome", por exemplo. Quando viram a sonda das equipas de resgate a mais de 600 metros de profundidade os mineiros correram para abraçá-la e depois colaram-lhe muitos papéis, contou Luis Urzúa Iribarren, o chefe de turno e o último a ser resgatado. Ele foi o líder que racionou comida, acalentou esperanças e geriu os conflitos nas profundezas.

Urzúa partilhou ontem com o Presidente, Sebastián Piñera, pormenores do que aconteceu no interior da mina. Disse-lhe que ficaram pelo caminho muitos papéis com mensagens colados à sonda, mas que aquele que chegou dizia o essencial. Depois passou-lhe o seu interminável turno: "Senhor Presidente, passo-lhe o turno como tínhamos combinado. Espero que isto nunca mais aconteça."

Com 54 anos de idade e 30 de trabalho nas minas, não faltava a Luis Urzúa experiência para chefiar uma equipa, mas nada o podia ter preparado para passar mais de dois meses soterrado com mais 32 homens. E os 17 primeiros dias, quando ninguém sabia onde estavam, foram os mais difíceis. "Tínhamos pouquita comida."

Não havia muito para comer, nem se sabia quando iria haver. Por isso, Luis Urzúa tomou a decisão de controlar as porções: duas colheres de atum, meio copo de leite e meia bolacha de 48 em 48 horas. "De tempos a tempos fraquejei um pouco, mas encontrei forças para falar com os mineiros, explicar-lhes o que se estava a passar", disse a Piñera.

Há histórias que ficarão no interior da mina, mas outras, pouco a pouco, vão chegando à superfície. A união entre os mineiros foi fundamental para o seu resgate, mas não foi fácil mantê-la ao longo dos 69 dias. Já depois de terem sido descobertos, os mineiros chegaram a estar divididos e a autoridade de Urzúa foi posta em causa. Um grupo de cinco mineiros que trabalhava para uma empresa subcontratada quis tentar chegar à superfície pelos seus meios e foi preciso o dono dessa organização convencê-los a juntar-se ao resto do grupo. A situação acalmou. "Não sei exactamente como fizeram. Não sei se houve episódios mais ou menos violentos", contou ao El País o psicólogo Alberto Iturra, que acompanhou os mineiros. "Só sei que o método que usaram funcionou. É isso que me interessa. A partir daí, pude continuar com o meu trabalho."

"Don Lucho", como é tratado pelos mineiros, é um líder natural que chegou a pedir ao psicólogo para reduzir o tempo das entrevistas para que fosse possível manter as rotinas e a disciplina. "Temos muitos que fazer cá em baixo", explicou. Topógrafo de formação e apaixonado por futebol, é agora a pessoa que mais tempo esteve fechado numa mina. Quem o conhece descreve-o como um homem discreto, de poucas palavras, e o mais provável é que a sua capacidade de liderança se deva às dificuldades que enfrentou desde cedo.

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O seu pai, que também se chamava Luis, fazia parte do Partido Comunista chileno e foi assassinado pela ditadura militar de Augusto Pinochet. A mãe, Nelly Iribarren, voltou a casar -se com Benito Tapia, que era dirigente da Confederação de Trabalhadores do Cobre chilena (Cobresal) e membro do comité central da Juventude Socialista. Até que, a 17 de Outubro de 1973, Tapia e outros dois sindicalistas foram fuzilados pela caravana da morte de Pinochet. Urzúa tinha 17 anos e cinco irmãos mais novos, foi obrigado a desenvencilhar-se.

"Ele foi o homem da casa, ajudou-me a criar os irmãos e sempre impôs regras", recordou Nelly Iribarrem ao El Mundo. "Estou a imaginá-lo no refúgio, a racionar a comida e a distribuir tarefas, porque ele é assim, mandão e organizado."

Casado e pai de duas filhas, Urzúa prefere o sossego da família a uma festa de boas-vindas. Por isso, em vez de festejos, a família preparou-lhe no acampamento Esperanza uma prenda com mais significado: um caderno cheio de mensagens de ânimo escritas por jornalistas de todo o mundo. Isabel Gorjão Santos

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