A mina começa a contar os seus segredos

23-10-2010
marcar artigo

Lá em baixo falou-se de canibalismo - mas só depois de serem achados JUAN MABROMATA/AFP

Os 33 mineiros resgatados no Chile beberam água com combustível e tentaram pedir socorro com explosivos. Trabalhavam em condições "desumanas"

Emagreceram muito, alguns 12 quilos. Tiveram medo de não voltar a ver a mulher e os filhos e desesperaram. Dois dias após o resgate, os 33 mineiros que viveram mais de dois meses soterrados no Chile trazem das profundezas relatos de angústia.

"Vivemos realmente um mau bocado", conta Edison Peña, de 34 anos. Talvez nem precisasse dizê-lo.

"A temperatura de mais de 40 graus Celsius e a grande humidade naquele sítio fizeram com que os mineiros andassem semidespidos", contou aos jornalistas Manuel González, o primeiro dos socorristas que desceram até ao refúgio, a mais de 600 metros de profundidade. "Foi impressionante. Os primeiros dias devem ter sido terríveis", adiantou. "Creio que ninguém pode trabalhar nessas condições. Sei que no Norte [do Chile] há muitas minas que funcionam dessa maneira, mas é desumano, não se pode trabalhar ali."

O Presidente chileno, Sebastián Piñera, prometeu melhorar as condições de trabalho nas minas e ordenou o encerramento da mina de San José e outras, que não voltarão a funcionar por não estar garantida "a vida e a segurança dos trabalhadores". Na última década morreram em minas chilenas 371 mineiros, 31 dos quais já este ano.

"O pior momento foi quando caiu o segundo bloco e a mina se fechou por completo", contou o mineiro Richard Villarroel, de 23 anos, ao diário La Tercera. "Nesse momento pensei que não ia voltar a ver a minha mulher, e que não ia poder ver nascer o meu filho", adiantou. Numa entrevista ao britânico Guardian, Villarroel disse ainda que os mineiros estavam a tentar ocupar-se com o trabalho, mas que muitas vezes isso tornou-se difícil. "Por não comer bem, começámos a emagrecer cada vez mais."

A questão da comida foi a mais complicada, e quando o jornalista do Guardian pergunta a Villarroel se chegou a falar-se de canibalismo a resposta é dada após uma pausa. "Primeiro ninguém falou sobre isso. Mas a determinada altura tornou-se um tema de piadas, quando tinha acabado, quando nos encontraram. Até ali ninguém falou de canibalismo."

Nos primeiros dias, os mineiros chegaram a beber água das máquinas contaminada com combustível e a usar explosivos numa tentativa desesperada de alertar socorristas.

O melhor do Público no email Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Subscrever ×

Lá em baixo, o chefe de turno Luis Urzúa procurou manter a calma. "Era preciso contar a verdade e acreditar na democracia", disse ao Guardian. As decisões eram tomadas por maioria. "Tudo era votado. Éramos 33, por isso 16 mais um era uma maioria."

Alguns mineiros não querem voltar a sê-lo, mas outros preferem regressar às minas. "Se não tiver outra solução, continuarei a trabalhar como mineiro, mas se puder viver de outra coisa, viverei", disse Juan Illanes. Já Alex Vega, o décimo a ser resgatado, garante que quer voltar: "Sou mineiro de coração. É coisa que está no sangue." Tal como Victor Segovia, que disse à sobrinha Sílvia Segovia: "Sou mineiro e vou morrer mineiro."

O socorrista Manuel González foi o último a abandonar a mina, emocionado com a organização dos mineiros. Quis apagar a luz mas não o deixaram. Ficou acesa até acabar o combustível.

Lá em baixo falou-se de canibalismo - mas só depois de serem achados JUAN MABROMATA/AFP

Os 33 mineiros resgatados no Chile beberam água com combustível e tentaram pedir socorro com explosivos. Trabalhavam em condições "desumanas"

Emagreceram muito, alguns 12 quilos. Tiveram medo de não voltar a ver a mulher e os filhos e desesperaram. Dois dias após o resgate, os 33 mineiros que viveram mais de dois meses soterrados no Chile trazem das profundezas relatos de angústia.

"Vivemos realmente um mau bocado", conta Edison Peña, de 34 anos. Talvez nem precisasse dizê-lo.

"A temperatura de mais de 40 graus Celsius e a grande humidade naquele sítio fizeram com que os mineiros andassem semidespidos", contou aos jornalistas Manuel González, o primeiro dos socorristas que desceram até ao refúgio, a mais de 600 metros de profundidade. "Foi impressionante. Os primeiros dias devem ter sido terríveis", adiantou. "Creio que ninguém pode trabalhar nessas condições. Sei que no Norte [do Chile] há muitas minas que funcionam dessa maneira, mas é desumano, não se pode trabalhar ali."

O Presidente chileno, Sebastián Piñera, prometeu melhorar as condições de trabalho nas minas e ordenou o encerramento da mina de San José e outras, que não voltarão a funcionar por não estar garantida "a vida e a segurança dos trabalhadores". Na última década morreram em minas chilenas 371 mineiros, 31 dos quais já este ano.

"O pior momento foi quando caiu o segundo bloco e a mina se fechou por completo", contou o mineiro Richard Villarroel, de 23 anos, ao diário La Tercera. "Nesse momento pensei que não ia voltar a ver a minha mulher, e que não ia poder ver nascer o meu filho", adiantou. Numa entrevista ao britânico Guardian, Villarroel disse ainda que os mineiros estavam a tentar ocupar-se com o trabalho, mas que muitas vezes isso tornou-se difícil. "Por não comer bem, começámos a emagrecer cada vez mais."

A questão da comida foi a mais complicada, e quando o jornalista do Guardian pergunta a Villarroel se chegou a falar-se de canibalismo a resposta é dada após uma pausa. "Primeiro ninguém falou sobre isso. Mas a determinada altura tornou-se um tema de piadas, quando tinha acabado, quando nos encontraram. Até ali ninguém falou de canibalismo."

Nos primeiros dias, os mineiros chegaram a beber água das máquinas contaminada com combustível e a usar explosivos numa tentativa desesperada de alertar socorristas.

O melhor do Público no email Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Subscrever ×

Lá em baixo, o chefe de turno Luis Urzúa procurou manter a calma. "Era preciso contar a verdade e acreditar na democracia", disse ao Guardian. As decisões eram tomadas por maioria. "Tudo era votado. Éramos 33, por isso 16 mais um era uma maioria."

Alguns mineiros não querem voltar a sê-lo, mas outros preferem regressar às minas. "Se não tiver outra solução, continuarei a trabalhar como mineiro, mas se puder viver de outra coisa, viverei", disse Juan Illanes. Já Alex Vega, o décimo a ser resgatado, garante que quer voltar: "Sou mineiro de coração. É coisa que está no sangue." Tal como Victor Segovia, que disse à sobrinha Sílvia Segovia: "Sou mineiro e vou morrer mineiro."

O socorrista Manuel González foi o último a abandonar a mina, emocionado com a organização dos mineiros. Quis apagar a luz mas não o deixaram. Ficou acesa até acabar o combustível.

marcar artigo