Um paparazzo capturou uns dias de férias de Letizia, princesa das Astúrias, no Algarve, em Junho. Dias depois, as fotografias faziam capa em duas revistas de C&C, Conhecidos & Celebridades: a nossa Caras e a espanhola Hola!.
Tiradas de longe com potente teleobjectiva, as fotos são fracotas, mas, enfim, são de suas reais senhorias. Na capa da Caras, viu-se a cena de praia: Letizia, as meninas e o anfitrião da família principesca, Vasco Pereira Coutinho. No interior, além de repetir essa foto, a Caras incluiu outras quatro do mesmo real sucesso.
A Hola!, porém, com o seu insuportável ponto de exclamação castelhano virado do avesso, publicou uma falsificação da mesma imagem na capa e no interior. As duas infantas, que estavam à beira da água, subiram para junto do guarda-sol. E o empresário português, Pereira Coutinho, que estava um pouco atrás de Letizia, desapareceu. Eclipsou-se. A Hola! usou o Fotoshop à facada para adaptar a realidade à sua ideologia.
Para a ¡Hola!, como para o Kremlin ou para S. Bento, as "notícias" devem ser "positivas". Não há lugar para "negativismos". Na Hola!, tudo é realmente cor-de-rosa. Se um casal se separa, se se divorcia ou até se alguém morre, isso é maravilhoso, porque origina sentimentos de finíssimo recorte moral nos envolvidos. Quanto ao look, rugas nas caras ou nos vestidos dos C&C não têm lugar no "positivismo": toca de retocar as fotos até ficarem enevoadas de tanto sonho.
No caso da ingénua imagem de praia, a Hola! sentiu-se na estrita obrigação moral de mentir aos seus leitores, por duas razões. Primeiro, a princesa estava a mais de cinco metros das crianças, o que evidenciava repreensível desatenção: e se uma infanta tropeçasse num grão de areia? E se as bóias cor-de-rosa nos reais bracinhos se rompessem, puf!, em simultâneo?
Mas havia outra razão, bem mais gravosa: na fotografia original, a princesa estava com um homem! E, valha-nos Santo Isidro, não era o Felipe! O homem estava a cerca de um metro de Letizia, mas o efeito fotográfico quase os fazia tocarem-se nas mãos! E o homem (Pereira Coutinho), pela posição expectante, parecia mais preocupado do que a ex-jornalista com as infantas, que se aproximavam perigosamente das ondas de um centímetro de altura! É caso para muitos pontos de exclamação do avesso - ¡¡¡¡¡¡Oh lá!!!!!!
A Hola! não poderia permitir que as leitoras magicassem a mais ínfima sugestão de comportamento censurável acerca da real pessoa. Vai daí, obliterou Pereira Coutinho e puxou as meninas para junto de Letizia. Para a Hola!, a aldrabice é melhor do que a verdade.
Esta aldrabice já deu prisão. No século XIX, a fotografia foi utilizada para enganar crédulos com sobreposições de "espíritos" sobre pessoas em primeiro plano, como a da morta abraçando o viúvo, que se reproduz aqui. Pierre-Gaëtan Leymarie, editor da Revue Spirite, foi condenado em 1875 por ter publicado fotos de "espíritos". A trapaça valeu-lhe um ano de prisão e 500 francos de multa.
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Actualmente, as fraudes fotográficas beneficiam da apatia sistémica e do fervor e simpatia dos consumidores em todo o mundo. As falsificações constroem a "realidade" de milhares de revistas e da publicidade.
Nos manuais, os exemplos comuns das falsificações fotográficas vêm da URSS e da China, quando artistas da trapaça faziam desaparecer os desgraçados que Estaline e Mao aniquilavam. Agora, o tempora!, o mores!, o ¡Hola!, o mesmo sucede a toda a hora, como na recente batota de um jornal egípcio, mudando a posição de Mubarak para o destacar na passadeira vermelha, à frente de Obama e outros C&C. A fraude fotográfica tornou-se normal, expectável, até desejável. Milhões de pessoas preferem versões alindadas e alteradas de imagens fotográficas, porque para elas a realidade não faz sentido.
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Um paparazzo capturou uns dias de férias de Letizia, princesa das Astúrias, no Algarve, em Junho. Dias depois, as fotografias faziam capa em duas revistas de C&C, Conhecidos & Celebridades: a nossa Caras e a espanhola Hola!.
Tiradas de longe com potente teleobjectiva, as fotos são fracotas, mas, enfim, são de suas reais senhorias. Na capa da Caras, viu-se a cena de praia: Letizia, as meninas e o anfitrião da família principesca, Vasco Pereira Coutinho. No interior, além de repetir essa foto, a Caras incluiu outras quatro do mesmo real sucesso.
A Hola!, porém, com o seu insuportável ponto de exclamação castelhano virado do avesso, publicou uma falsificação da mesma imagem na capa e no interior. As duas infantas, que estavam à beira da água, subiram para junto do guarda-sol. E o empresário português, Pereira Coutinho, que estava um pouco atrás de Letizia, desapareceu. Eclipsou-se. A Hola! usou o Fotoshop à facada para adaptar a realidade à sua ideologia.
Para a ¡Hola!, como para o Kremlin ou para S. Bento, as "notícias" devem ser "positivas". Não há lugar para "negativismos". Na Hola!, tudo é realmente cor-de-rosa. Se um casal se separa, se se divorcia ou até se alguém morre, isso é maravilhoso, porque origina sentimentos de finíssimo recorte moral nos envolvidos. Quanto ao look, rugas nas caras ou nos vestidos dos C&C não têm lugar no "positivismo": toca de retocar as fotos até ficarem enevoadas de tanto sonho.
No caso da ingénua imagem de praia, a Hola! sentiu-se na estrita obrigação moral de mentir aos seus leitores, por duas razões. Primeiro, a princesa estava a mais de cinco metros das crianças, o que evidenciava repreensível desatenção: e se uma infanta tropeçasse num grão de areia? E se as bóias cor-de-rosa nos reais bracinhos se rompessem, puf!, em simultâneo?
Mas havia outra razão, bem mais gravosa: na fotografia original, a princesa estava com um homem! E, valha-nos Santo Isidro, não era o Felipe! O homem estava a cerca de um metro de Letizia, mas o efeito fotográfico quase os fazia tocarem-se nas mãos! E o homem (Pereira Coutinho), pela posição expectante, parecia mais preocupado do que a ex-jornalista com as infantas, que se aproximavam perigosamente das ondas de um centímetro de altura! É caso para muitos pontos de exclamação do avesso - ¡¡¡¡¡¡Oh lá!!!!!!
A Hola! não poderia permitir que as leitoras magicassem a mais ínfima sugestão de comportamento censurável acerca da real pessoa. Vai daí, obliterou Pereira Coutinho e puxou as meninas para junto de Letizia. Para a Hola!, a aldrabice é melhor do que a verdade.
Esta aldrabice já deu prisão. No século XIX, a fotografia foi utilizada para enganar crédulos com sobreposições de "espíritos" sobre pessoas em primeiro plano, como a da morta abraçando o viúvo, que se reproduz aqui. Pierre-Gaëtan Leymarie, editor da Revue Spirite, foi condenado em 1875 por ter publicado fotos de "espíritos". A trapaça valeu-lhe um ano de prisão e 500 francos de multa.
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Actualmente, as fraudes fotográficas beneficiam da apatia sistémica e do fervor e simpatia dos consumidores em todo o mundo. As falsificações constroem a "realidade" de milhares de revistas e da publicidade.
Nos manuais, os exemplos comuns das falsificações fotográficas vêm da URSS e da China, quando artistas da trapaça faziam desaparecer os desgraçados que Estaline e Mao aniquilavam. Agora, o tempora!, o mores!, o ¡Hola!, o mesmo sucede a toda a hora, como na recente batota de um jornal egípcio, mudando a posição de Mubarak para o destacar na passadeira vermelha, à frente de Obama e outros C&C. A fraude fotográfica tornou-se normal, expectável, até desejável. Milhões de pessoas preferem versões alindadas e alteradas de imagens fotográficas, porque para elas a realidade não faz sentido.