Subsídios para a compreensão do caso RAF

23-12-2009
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Tem a palavra a ciência

Os nossos melhores psicopatologistas descrevem-no como uma charada embrulhada num mistério escondido dentro de um enigma: o caso RAF desafia a ciência, que não encontra explicação para que um jovem na aparência cordato e prazenteiro figure num blogue assanhado e trauliteiro, onde pontifica a Aliança Anticomunista Argentina (ou seja lá o que se acoberta sob as iniciais AAA) e se descreve o jovem e inocente 5dias desta forma lapidar e que já entrou para a história da blogosfera:

“…Cinco Dias, um blogue de extrema-esquerda onde a promoção da agenda LGBT e outras causas fracturantes se combina de forma notavelmente apropriada com a ignorância, o ressentimento marxista e a defesa do totalitarismo”…

Que razões se ocultam por detrás dessa aliança contra-natura? Porquê essa estranha cumplicidade? Aonde procurar a raiz do mal? A referência à sinistra “Triple A” (que nos anos 70 e 80, não o esqueçamos, raptou, torturou, estuprou e matou milhares e milhares de jovens tão inocentes como nós) continha uma inequívoca alusão latino-americana, e essa logo apontou para…

A pista cubana

Porque tudo parece começar e acabar em Cuba: é um informe do camarada xatoo que primeiro despoleta a ira d’O Insurgente e depois RAF regressa ao locus criminis quando refere, com uma casualidade que não ilude o observador mais atento (eu), que é useiro e vezeiro em Bacardi lima. Ora RAF não pode deixar de saber que a horrível Bacardi foi expulsa de Cuba por Castro, Che & Companhia, que decretaram que os mojitos eram do povo, e que agora está feita com os fascistas de Miami, e fabrica a mistela a que chama rum na República Dominicana, em Porto Rico e na p-q-p, mas em Cuba é que não, e que beber Bacardi a julgar que é rum é como fumar Cohibas com tabaco das Canárias ou enganar-se na garrafa e beber Larios no lugar de Gordon’s, é coisa de finalista dos liceus à solta em Benidorme (ainda é para lá que eles vão?), quem quer mesmo beber rum vai à Festa do Avante!, come poeira à brava mas bebe rum a sério. Portanto, Cuba, no.

Os vapores do álcool

Mas se o rum era da corda, os vapores alcoólicos estavam lá na mesma, com a agravante de o potencial ressacante e perturbador do entendimento da mistela reaccionária ser muito mais elevado que o da real thing. De resto, RAF abre o jogo e confessa-se dado à “borracheira” (sic). É certo que, conforme se recorda numa página imorredoura da literatura pátria que todos deveríamos ter presente, todos os homens de gosto e de honra já um dia se embebedaram, na Roma Antiga a bebedeira era uma higiene e um luxo, em Inglaterra era tão chique que os grandes homens públicos não discursavam nos Comuns sem ser aos bordos e pode bem afirmar-se que a história, a literatura e a política fervilham de bêbados; é igualmente certo que a ideia da carraspana como ritual iniciático da juventude se ajusta como uma luva a castiços da espécie que se acoita n’O Insurgente; mas não obstante, o retrato que este blogue faz de nós é muito mais a obra de poderosos alucinogénicos do que de álcoois entorpecedores. Portanto, os copos também não são.

A experiência kolkhoziana

Enfim, RAF fornece uma terceira hipótese, que os estudiosos designam como “a tese rural”. Num passo obscuro da sua obra, ele refere ser um trauma passado com uma experiência kolkhoziana não identificada da sua infância que o leva a acampar sempre do lado dos maus e a recusar a companhia dos bons. Porém, como o incontornável xatoo também já tornou claro, a passagem em causa resulta de uma evidente incompreensão de qual é a verdadeira natureza do kolkhoz e do que o distingue do menos reputado sovkhoz. Como escreveu Djirivitch, no seu “Précis d’économie rurale soviétique”, a gestão kolkhoziana não comporta, como supõe RAF, a aplicação dos princípios leninistas de organização do Partido, nomeadamente do centralismo democrático que tanto o assusta; Karanine, por seu lado, no seu célebre “Fêtons le vrai esprit kolkhosien !”, refere mesmo a importância formadora da experiência kolkhoziana para a juventude, enquanto Bergutchev, autor de “Le Kolkhoz : hier, aujourd’hui et demain”, salienta a importância desta instituição central da vida soviética na criação e consolidação de laços de sã e sólida camaradagem entre os mais jovens.

Excluída, pois, esta hipótese também, a dúvida persiste, perturbadora: Vamos ter de dizer adeus a RAF para sempre? Não podemos tê-lo connosco, assim a modos que uma ala direita de estimação? Porque insiste ele numa enervante seriedade, tão deslocada do espírito da estação? Tantas perguntas, tão poucas respostas… a ciência confessa-se impotente. (cai o pano)

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Tem a palavra a ciência

Os nossos melhores psicopatologistas descrevem-no como uma charada embrulhada num mistério escondido dentro de um enigma: o caso RAF desafia a ciência, que não encontra explicação para que um jovem na aparência cordato e prazenteiro figure num blogue assanhado e trauliteiro, onde pontifica a Aliança Anticomunista Argentina (ou seja lá o que se acoberta sob as iniciais AAA) e se descreve o jovem e inocente 5dias desta forma lapidar e que já entrou para a história da blogosfera:

“…Cinco Dias, um blogue de extrema-esquerda onde a promoção da agenda LGBT e outras causas fracturantes se combina de forma notavelmente apropriada com a ignorância, o ressentimento marxista e a defesa do totalitarismo”…

Que razões se ocultam por detrás dessa aliança contra-natura? Porquê essa estranha cumplicidade? Aonde procurar a raiz do mal? A referência à sinistra “Triple A” (que nos anos 70 e 80, não o esqueçamos, raptou, torturou, estuprou e matou milhares e milhares de jovens tão inocentes como nós) continha uma inequívoca alusão latino-americana, e essa logo apontou para…

A pista cubana

Porque tudo parece começar e acabar em Cuba: é um informe do camarada xatoo que primeiro despoleta a ira d’O Insurgente e depois RAF regressa ao locus criminis quando refere, com uma casualidade que não ilude o observador mais atento (eu), que é useiro e vezeiro em Bacardi lima. Ora RAF não pode deixar de saber que a horrível Bacardi foi expulsa de Cuba por Castro, Che & Companhia, que decretaram que os mojitos eram do povo, e que agora está feita com os fascistas de Miami, e fabrica a mistela a que chama rum na República Dominicana, em Porto Rico e na p-q-p, mas em Cuba é que não, e que beber Bacardi a julgar que é rum é como fumar Cohibas com tabaco das Canárias ou enganar-se na garrafa e beber Larios no lugar de Gordon’s, é coisa de finalista dos liceus à solta em Benidorme (ainda é para lá que eles vão?), quem quer mesmo beber rum vai à Festa do Avante!, come poeira à brava mas bebe rum a sério. Portanto, Cuba, no.

Os vapores do álcool

Mas se o rum era da corda, os vapores alcoólicos estavam lá na mesma, com a agravante de o potencial ressacante e perturbador do entendimento da mistela reaccionária ser muito mais elevado que o da real thing. De resto, RAF abre o jogo e confessa-se dado à “borracheira” (sic). É certo que, conforme se recorda numa página imorredoura da literatura pátria que todos deveríamos ter presente, todos os homens de gosto e de honra já um dia se embebedaram, na Roma Antiga a bebedeira era uma higiene e um luxo, em Inglaterra era tão chique que os grandes homens públicos não discursavam nos Comuns sem ser aos bordos e pode bem afirmar-se que a história, a literatura e a política fervilham de bêbados; é igualmente certo que a ideia da carraspana como ritual iniciático da juventude se ajusta como uma luva a castiços da espécie que se acoita n’O Insurgente; mas não obstante, o retrato que este blogue faz de nós é muito mais a obra de poderosos alucinogénicos do que de álcoois entorpecedores. Portanto, os copos também não são.

A experiência kolkhoziana

Enfim, RAF fornece uma terceira hipótese, que os estudiosos designam como “a tese rural”. Num passo obscuro da sua obra, ele refere ser um trauma passado com uma experiência kolkhoziana não identificada da sua infância que o leva a acampar sempre do lado dos maus e a recusar a companhia dos bons. Porém, como o incontornável xatoo também já tornou claro, a passagem em causa resulta de uma evidente incompreensão de qual é a verdadeira natureza do kolkhoz e do que o distingue do menos reputado sovkhoz. Como escreveu Djirivitch, no seu “Précis d’économie rurale soviétique”, a gestão kolkhoziana não comporta, como supõe RAF, a aplicação dos princípios leninistas de organização do Partido, nomeadamente do centralismo democrático que tanto o assusta; Karanine, por seu lado, no seu célebre “Fêtons le vrai esprit kolkhosien !”, refere mesmo a importância formadora da experiência kolkhoziana para a juventude, enquanto Bergutchev, autor de “Le Kolkhoz : hier, aujourd’hui et demain”, salienta a importância desta instituição central da vida soviética na criação e consolidação de laços de sã e sólida camaradagem entre os mais jovens.

Excluída, pois, esta hipótese também, a dúvida persiste, perturbadora: Vamos ter de dizer adeus a RAF para sempre? Não podemos tê-lo connosco, assim a modos que uma ala direita de estimação? Porque insiste ele numa enervante seriedade, tão deslocada do espírito da estação? Tantas perguntas, tão poucas respostas… a ciência confessa-se impotente. (cai o pano)

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