O valor das ideias: O contributo dos países exportadores para uma economia do pós crise: importem mais, no vosso interesse! O exemplo germânico

19-12-2009
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Em post anterior apontei a problemática dos modelos de desenvolvimento fortemente exportadores como uma das causas da actual crise, sobretudo no contexto da UE e da China. Para uma análise detalhada desse argumento sugiro a leitura do artigo que, a simpático convite do João Rodrigues, escrevi para a edição Portuguesa do Le Monde Diplomatique deste mês. Contudo, um comentário a esse post acima mencionado torna pungente a necessida de explicar um pouco mais o que está em causa. Dizia esse comentário, qualquer coisa do género: "Então agora vamos viver só das importações?" Obviamente que não. Não foi isso que se pretendeu transmitir. O problema, que tem, por exemplo, ocupado diversos analistas do Financial Times, é o da viabilidade de estratégias económicas em que alguns países acumulam sistematicamente superávites comerciais, enquanto outros acumulam défices. Este desiquilíbrio é nefasto. Mas não no sentido neoliberal do termo: não é nefasto apenas ou principalmente para quem acumula défices. O que a crise demonstrou foi o potencial backlash contra países que se propuseram acumular indefinidamente superávites comerciais com o exterior, nisso tendo assentado as suas opções de desenvolvimento. O que se pretende, por isso, é uma consciencialização não só da maior necessidade exportadora dos países cronicamente deficitários, mas, sobretudo, da maior necessidade de dependência da procura interna dos países superavitários, reduzindo os seus saldos comerciais positivos com o exterior. Algumas das razões apontadas no sentido do fim desta busca permanente do graal dos superávites são desarmantes pela sua simplicidade e clareza. Contudo, importa notar que, na UE, por exemplo, as contracções estimada do PIB em países de vocação eminentemente exportadora como a Alemanha, serão as mais sérias, ainda que o sistema bancário germânico não tenha tido que lidar com bolhas de crédito hipotecário como a Espanha. Isto é, o modelo de desenvolvimento germânico sofreu um revês com a crise que aponta para uma queda do PIB em 2009 de cerca de 6%, praticamente o dobro da queda que se espera em Espanha. Sob o ponto de vista do impacto no produto, o rebentar da bolha do imobilário aparenta ter efeitos menos devastadores que a crise que afecta a Alemanha. No essencial, um país com uma vocação exportadora, como a Alemanha, em que as exportações representavam uma fracção do PIB na casa dos 47% em 2007, por oposição à Espanha em que as exportações eram, no mesmo ano, apenas 26.5% do PIB, está extremamente mais exposto a quebras da procura mundial. A Alemanha tinha na exportação de máquinas e equipamentos industriais a base da sua performance económica. A quebra global da procura induziu uma quebra do investimento privado muito superior (o chamado acelerador keynesiano). Essa quebra do investimento a nível mundial teve um impacto devastador na indústria alemã. No caso espanhol, o colapso imobiliário teve consequências óbivias dado o peso que o sector da construção chegou a ter no PIB. Mas esse peso nunca foi comparável ao das exportações no PIB germânico. Poder-se-á perguntar: mas então porque está a Espanha a experimentar um surto avassalador de desemprego? E isso é outra conversa. O problema é que o sector exportador alemão, dada a sua composição a que aludimos, é muito menos trabalho intensivo do que o sector da construção em Espanha. Por isso, o colapso das empresas de construção teve um efeito maciço na taxa de desemprego. Mas não chgando o peso da construção no PIB nem sequer perto dos valores que as exportações tinham no PIB germânico, torna-se claro que o efeito do colapso imobiliário induz uma retracção menor do produto. Ademais, a nível de estrutura sectorial, os serviços tinham um peso na economia germânica que não pode ser comparado ao usual na UE, por ser demasiado baixo. E os serviços, por natureza, têm maior composição de não transacionáveis, tornando-se menos propensos a sofrer com a quebra da procura externa. O próprio presidente do Bundesbank, Axel Weber, considerou recentemente a necessidade de uma recomposição sectorial germânica, com maior peso dos serviços faça a indústria transformadora, e com menor importância da produção de máquinas e equipamentos nas exportações. Disse mesmo que uma economia como a do Reino Unido poderia recuperar mais rapidamente que a Alemanha precisamente por o sector dos serviços ser bastante mais expressivo. Em síntese, dois argumentos elementares que explicam o problema das economias fortemente dependentes da exportação como a Alemanha passam pela maior exposição a quebras da procura externa, tendo os serviços não transacionáveis um menor efeito de válvula de segurança. Ademais, a composição das próprias exportações pode, dado o acelerador keynesiano, ajudar ao colapso industrial em face de uma quebra global do investimento. A pergunta que se pode colocar é se outra estratégia seria viável na Alemanha. Parece consensual que a procura interna terá de ser mais tida em conta, embora seja duvidoso que a mudança de paradigma de desenvolvimento possa ocorrer durante a crise. Contudo, o problema que a China enfrenta aí é ainda mais complexo, porque apesar do colossal mercado interno, há a necessidade de educar a procura interna para um maior consumo. A vocação exportadora assumida durante anos, associada à elevada propensão à poupança na China, leva a que um arquétipo de crescimento assente na produção para consumo interno não seja tão fácil de levar à prática: é preciso primeiro educar as pessoas a consumirem mais e pouparem menos. Mas a questão de fundo poderá ser outra na mente de muitos: ok, mas e os países cronicamente deficitários? O que podem fazer? A resposta é quase desarmante. É importante que os países superavitários passem a importar mais, fazendo a sua parcela na redução do défice dos seus parceiros. Por alma de quem? Porque enquanto muitos países forem cronicamente deficitários, fundos apreciáveis continuam a fluir para os demais. A consequência poderá ser a aplicação desse excesso de liquidez (no sentido keynesiano: não é um excesso de liquidez pelo qual o governo possa ser responsabilizado, dado que não se trata de criação monetária no sentido que faz tremer os economistas austríacos) vai alimentar algum tipo de produto financeiro podendo gerar bolhas ou riscos sistémicos para a economia. Isto é, os superávites comerciais têm o problema adicional de, no caso de serem contínuos, irem procurar aplicações financeiras que ou encerram risco sistémico, ou, em qualquer caso, podem gerar bolhas especulativas. Quando muitas vezes a gestão desses excessos está nas mãos de um número baixo de operadores do mercado de capitais, a tendência para métodos miméticos de escolhas de investimento, e alguma exuberância irracional, tornam mais prováveis essas crises. Nada disto pretende negar a importância do upgrade qualitativo dos produtos exportados pelos deficitários crónicos. É evidente, que os que forem mais competitivos (no sentido de factores dinâmicos de competitividade) vão exportar com maior facilidade. Mas isso é uma aposta de médio a longo prazo. Neste momento, a saída da crise passa pela revitalização da procura na sua vertente pública. Em síntese, nada do que se disse pretende levar a que os países com défices comerciais crónicos continuem a importar tudo e mais alguma coisa. O que se disse, foi que mais grave que bolhas imobiliárias foram, em países como a Alemanha, a vocação exportadora, que sofreu um revez brutal pela quebra do investimento mundial. A composição das exportações potenciou esse facto, dado que a expectativa de baixa procura tem um efeito desacelerador do investimento. A solução passa pela correcção dos desiquilíbrios crónicos, o que se a prazo implica um upgrade qualitativo das exportações dos países deficitários, passa também por ser do máximo interesse dos superavitários importar mais e exportar menos. Reduzem a exposição ao risco de quebras de procura mundial, e diminuem a probabilidade do surgimento de investimentos maciços em activos de risco sistémico elevado, ou do surgimento de bolhas.No caso específico da Alemanha há também uma recomposição sectorial que fortaleça o peso dos serviços, em particular dos não transacionáveis.Todo o processo descrito é agravado nos países eram beneficiários líquidos de IDE. Porque os ganhos da exportação desapareceram, ao mesmo tempo que os capitais estrangeiros! Irlanda diz alguma coisa? Num certo sentido o modelo neoliberal da busca dos ganhos na balança comercial é um retrocesso mental de mais de 200 e tal anos. A visão do comércio internacional como a acumulação de superávites é uma ideia do mercantilismo, e portanto pré-Adam Smith. Ademais, é uma ideia errada como se vê. O comércio internacional tem de envolver um processo bilateral de compra e venda, para não gerar nova crise. E quem exporta tem nisso um papel crucial.


Em post anterior apontei a problemática dos modelos de desenvolvimento fortemente exportadores como uma das causas da actual crise, sobretudo no contexto da UE e da China. Para uma análise detalhada desse argumento sugiro a leitura do artigo que, a simpático convite do João Rodrigues, escrevi para a edição Portuguesa do Le Monde Diplomatique deste mês. Contudo, um comentário a esse post acima mencionado torna pungente a necessida de explicar um pouco mais o que está em causa. Dizia esse comentário, qualquer coisa do género: "Então agora vamos viver só das importações?" Obviamente que não. Não foi isso que se pretendeu transmitir. O problema, que tem, por exemplo, ocupado diversos analistas do Financial Times, é o da viabilidade de estratégias económicas em que alguns países acumulam sistematicamente superávites comerciais, enquanto outros acumulam défices. Este desiquilíbrio é nefasto. Mas não no sentido neoliberal do termo: não é nefasto apenas ou principalmente para quem acumula défices. O que a crise demonstrou foi o potencial backlash contra países que se propuseram acumular indefinidamente superávites comerciais com o exterior, nisso tendo assentado as suas opções de desenvolvimento. O que se pretende, por isso, é uma consciencialização não só da maior necessidade exportadora dos países cronicamente deficitários, mas, sobretudo, da maior necessidade de dependência da procura interna dos países superavitários, reduzindo os seus saldos comerciais positivos com o exterior. Algumas das razões apontadas no sentido do fim desta busca permanente do graal dos superávites são desarmantes pela sua simplicidade e clareza. Contudo, importa notar que, na UE, por exemplo, as contracções estimada do PIB em países de vocação eminentemente exportadora como a Alemanha, serão as mais sérias, ainda que o sistema bancário germânico não tenha tido que lidar com bolhas de crédito hipotecário como a Espanha. Isto é, o modelo de desenvolvimento germânico sofreu um revês com a crise que aponta para uma queda do PIB em 2009 de cerca de 6%, praticamente o dobro da queda que se espera em Espanha. Sob o ponto de vista do impacto no produto, o rebentar da bolha do imobilário aparenta ter efeitos menos devastadores que a crise que afecta a Alemanha. No essencial, um país com uma vocação exportadora, como a Alemanha, em que as exportações representavam uma fracção do PIB na casa dos 47% em 2007, por oposição à Espanha em que as exportações eram, no mesmo ano, apenas 26.5% do PIB, está extremamente mais exposto a quebras da procura mundial. A Alemanha tinha na exportação de máquinas e equipamentos industriais a base da sua performance económica. A quebra global da procura induziu uma quebra do investimento privado muito superior (o chamado acelerador keynesiano). Essa quebra do investimento a nível mundial teve um impacto devastador na indústria alemã. No caso espanhol, o colapso imobiliário teve consequências óbivias dado o peso que o sector da construção chegou a ter no PIB. Mas esse peso nunca foi comparável ao das exportações no PIB germânico. Poder-se-á perguntar: mas então porque está a Espanha a experimentar um surto avassalador de desemprego? E isso é outra conversa. O problema é que o sector exportador alemão, dada a sua composição a que aludimos, é muito menos trabalho intensivo do que o sector da construção em Espanha. Por isso, o colapso das empresas de construção teve um efeito maciço na taxa de desemprego. Mas não chgando o peso da construção no PIB nem sequer perto dos valores que as exportações tinham no PIB germânico, torna-se claro que o efeito do colapso imobiliário induz uma retracção menor do produto. Ademais, a nível de estrutura sectorial, os serviços tinham um peso na economia germânica que não pode ser comparado ao usual na UE, por ser demasiado baixo. E os serviços, por natureza, têm maior composição de não transacionáveis, tornando-se menos propensos a sofrer com a quebra da procura externa. O próprio presidente do Bundesbank, Axel Weber, considerou recentemente a necessidade de uma recomposição sectorial germânica, com maior peso dos serviços faça a indústria transformadora, e com menor importância da produção de máquinas e equipamentos nas exportações. Disse mesmo que uma economia como a do Reino Unido poderia recuperar mais rapidamente que a Alemanha precisamente por o sector dos serviços ser bastante mais expressivo. Em síntese, dois argumentos elementares que explicam o problema das economias fortemente dependentes da exportação como a Alemanha passam pela maior exposição a quebras da procura externa, tendo os serviços não transacionáveis um menor efeito de válvula de segurança. Ademais, a composição das próprias exportações pode, dado o acelerador keynesiano, ajudar ao colapso industrial em face de uma quebra global do investimento. A pergunta que se pode colocar é se outra estratégia seria viável na Alemanha. Parece consensual que a procura interna terá de ser mais tida em conta, embora seja duvidoso que a mudança de paradigma de desenvolvimento possa ocorrer durante a crise. Contudo, o problema que a China enfrenta aí é ainda mais complexo, porque apesar do colossal mercado interno, há a necessidade de educar a procura interna para um maior consumo. A vocação exportadora assumida durante anos, associada à elevada propensão à poupança na China, leva a que um arquétipo de crescimento assente na produção para consumo interno não seja tão fácil de levar à prática: é preciso primeiro educar as pessoas a consumirem mais e pouparem menos. Mas a questão de fundo poderá ser outra na mente de muitos: ok, mas e os países cronicamente deficitários? O que podem fazer? A resposta é quase desarmante. É importante que os países superavitários passem a importar mais, fazendo a sua parcela na redução do défice dos seus parceiros. Por alma de quem? Porque enquanto muitos países forem cronicamente deficitários, fundos apreciáveis continuam a fluir para os demais. A consequência poderá ser a aplicação desse excesso de liquidez (no sentido keynesiano: não é um excesso de liquidez pelo qual o governo possa ser responsabilizado, dado que não se trata de criação monetária no sentido que faz tremer os economistas austríacos) vai alimentar algum tipo de produto financeiro podendo gerar bolhas ou riscos sistémicos para a economia. Isto é, os superávites comerciais têm o problema adicional de, no caso de serem contínuos, irem procurar aplicações financeiras que ou encerram risco sistémico, ou, em qualquer caso, podem gerar bolhas especulativas. Quando muitas vezes a gestão desses excessos está nas mãos de um número baixo de operadores do mercado de capitais, a tendência para métodos miméticos de escolhas de investimento, e alguma exuberância irracional, tornam mais prováveis essas crises. Nada disto pretende negar a importância do upgrade qualitativo dos produtos exportados pelos deficitários crónicos. É evidente, que os que forem mais competitivos (no sentido de factores dinâmicos de competitividade) vão exportar com maior facilidade. Mas isso é uma aposta de médio a longo prazo. Neste momento, a saída da crise passa pela revitalização da procura na sua vertente pública. Em síntese, nada do que se disse pretende levar a que os países com défices comerciais crónicos continuem a importar tudo e mais alguma coisa. O que se disse, foi que mais grave que bolhas imobiliárias foram, em países como a Alemanha, a vocação exportadora, que sofreu um revez brutal pela quebra do investimento mundial. A composição das exportações potenciou esse facto, dado que a expectativa de baixa procura tem um efeito desacelerador do investimento. A solução passa pela correcção dos desiquilíbrios crónicos, o que se a prazo implica um upgrade qualitativo das exportações dos países deficitários, passa também por ser do máximo interesse dos superavitários importar mais e exportar menos. Reduzem a exposição ao risco de quebras de procura mundial, e diminuem a probabilidade do surgimento de investimentos maciços em activos de risco sistémico elevado, ou do surgimento de bolhas.No caso específico da Alemanha há também uma recomposição sectorial que fortaleça o peso dos serviços, em particular dos não transacionáveis.Todo o processo descrito é agravado nos países eram beneficiários líquidos de IDE. Porque os ganhos da exportação desapareceram, ao mesmo tempo que os capitais estrangeiros! Irlanda diz alguma coisa? Num certo sentido o modelo neoliberal da busca dos ganhos na balança comercial é um retrocesso mental de mais de 200 e tal anos. A visão do comércio internacional como a acumulação de superávites é uma ideia do mercantilismo, e portanto pré-Adam Smith. Ademais, é uma ideia errada como se vê. O comércio internacional tem de envolver um processo bilateral de compra e venda, para não gerar nova crise. E quem exporta tem nisso um papel crucial.

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