Admirável Mundo Novo: viveremos sempre assim?

28-05-2010
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“O desenvolvimento económico destruiu as estruturas tradicionais, os saberes-fazer, os valores, etc.” - Serge Latouche in “Decrescimento e África”, Fevereiro de 2008.***Há algo comum a praticamente todas as correntes ecologistas modernas: a crença de que não viveremos eternamente dentro dos actuais moldes, estas dividem-se entre as mais politicamente correctas, que alguns apodam inclusivamente de “capitalismo verde” (as correntes que defendem o crescimento sustentável, a reciclagem e toda uma série de reformas que, na prática, servem a antiga máxima de que é preciso mudar algo para que tudo fique na mesma) e as politicamente incorrectas, que em vez de tentarem preservar a actual sociedade individualista, consumista e egoísta, pensam já na estruturação de uma sociedade mais sã, uma sociedade futura que na verdade retratará um retrocesso aos modos de vida dos nossos antepassados.Das várias correntes gostaria de destacar aqui duas das mais elaboradas, qualquer uma delas surgiu na década dos anos 70 mas só nos anos mais recentes têm vindo a crescer tanto em popularidade como em adeptos: o biorregionalismo e o decrescimento. Estas destacam-se essencialmente por fugirem à lógica do crescimento económico perpétuo - tão caro tanto aos marxistas quanto aos capitalistas e o único padrão tido como “sério” pelos economistas, elevado inclusive ao estatuto de único modelo aceitável e até único modelo possível (o que, claramente, não é) - e por não defenderem um modo de vida totalmente primitivista, propõem somente uma espécie de “simplicidade voluntária”, parafraseando Henry David Thoreau (1817-1862) em “Walden ou a Vida nos Bosques” (Antígona, 2009).Crescer Eternamente?Não é muito difícil compreender a teoria do decrescimento se pensarmos que o crescimento anual do PIB, visto como algo positivo, depende de um aumento de produção constante, um crescimento económico perpétuo. Tal crescimento depende, naturalmente, da utilização dos recursos naturais, do aumento populacional e do crescimento dos grandes centros urbanos, fatalmente os recursos do planeta não são eternos, quanto maior a população maior a necessidade de aumentar a produção para a alimentar, quanto maiores os centros urbanos, maior a necessidade de ocupar a terra livre com prédios habitacionais e moradias, algumas já construídas sob solo fértil, outrora utilizado para cultivo (no distrito de Lisboa temos dois exemplos perfeitos: as zonas de Benfica e da Amadora, outrora ricas em quintas, devido à fertilidade do terreno, actualmente não passam de um gigantesco aglomerado de prédios habitacionais, verdadeiros dormitórios para os cidadãos do distrito, salvo duas ou três quintas ainda existentes, embora já em ruínas, ninguém diria que esta zona se evidenciou outrora pelas suas quintas e campos de cultivo).Sendo a matéria-prima finita, sendo esta necessária para um crescimento real, logo algures no futuro – mais ou menos longínquo – o crescimento será obrigatoriamente travado pela escassez de recursos, ou seja: o crescimento não pode ser infinito uma vez que depende de recursos finitos, é uma equação simples.Tendo isto assente, é fácil responder às duas questões anteriormente colocadas: não, não será possível manter o actual nível de vida (por mais degradado que este já se encontre pela crise artificialmente criada pela banca internacional) e nem será possível um crescimento infinito.Regresso à TerraO biorregionalismo pressupõe uma organização social estratificada em pequenas comunidades autónomas enraizadas não só nos ecossistemas locais mas também na história natural e cultural, ou seja, assimila numa só entidade (a bioregião) a identidade não só da flora característica existente mas também a dos povos que nela habitam. Parte do princípio de que as populações locais possuem uma cultura e uma sabedoria próprias que lhes permite solucionar os problemas que possam eventualmente surgir na bioregião.Esta teoria pouco mais faz que recuperar o modo de vida dos nossos antepassados não assim tão remotos, dado que os nossos avós e bisavós viviam de modo semelhante – alguns ainda vivem, e apresentá-lo como uma solução quer imediata (que sirva para evitar o total colapso económico e/ou as guerras que surgirão como consequência da necessidade de obter mais recursos naturais que permitam manter durante mais algum tempo o mitológico crescimento económico infinito) quer posterior (quando a civilização se tenha arruinado e desacreditado de tal modo que não haverá outro remédio senão o de regressar às florestas, campos e montanhas para matar a fome).O biorregionalismo, ao contrário da teoria do decrescimento, considera como sendo insustentável não só o crescimento económico no qual se baseia a sociedade moderna, mas também a sociedade moderna como um todo, a sociedade do ‘homo-economicus’, que já não consegue pensar-se fora do âmbito económico, identificar-se com o seu meio ambiente natural. Numa era em que as noções de Comunidade, Pátria ou Nação desapareceram quase por completo do pensamento ocidental, o biorregionalismo tenta apresentar como solução a recuperação das micro-nações, das tribos, da vida aldeã comunitária como alternativa à alienante vida citadina.Utopia Apocalíptica?Ao contrário das muitas correntes ecologistas altermundialistas, mais preocupadas em preservar o meio-ambiente por uma mera questão de preservação dos actuais modos de vida ocidentais, reféns ainda de uma visão industrial do mundo, partilhada quer por marxistas quer por capitalistas – o que explica porque razão organizações de inclinações marxistas, como a Greenpeace, são financiadas por hiper-capitalistas, como os Rockfeller – que tentam perpetuar o modo de vida moderno, correntes como o biorregionalismo e o primitivismo preocupam-se já em pensar o mundo que poderá surgir quando este, tal qual o conhecemos, tiver ruído sobre os falsos alicerces em que se ergue: especulação, usura, exploração e ilusão. Convencidos que nada há que valha a pena salvar, pensam já num mundo para o Homem que “permanecer de pé entre as ruínas"...O Diabo, Semanário Independente18 de Maio, 2010


“O desenvolvimento económico destruiu as estruturas tradicionais, os saberes-fazer, os valores, etc.” - Serge Latouche in “Decrescimento e África”, Fevereiro de 2008.***Há algo comum a praticamente todas as correntes ecologistas modernas: a crença de que não viveremos eternamente dentro dos actuais moldes, estas dividem-se entre as mais politicamente correctas, que alguns apodam inclusivamente de “capitalismo verde” (as correntes que defendem o crescimento sustentável, a reciclagem e toda uma série de reformas que, na prática, servem a antiga máxima de que é preciso mudar algo para que tudo fique na mesma) e as politicamente incorrectas, que em vez de tentarem preservar a actual sociedade individualista, consumista e egoísta, pensam já na estruturação de uma sociedade mais sã, uma sociedade futura que na verdade retratará um retrocesso aos modos de vida dos nossos antepassados.Das várias correntes gostaria de destacar aqui duas das mais elaboradas, qualquer uma delas surgiu na década dos anos 70 mas só nos anos mais recentes têm vindo a crescer tanto em popularidade como em adeptos: o biorregionalismo e o decrescimento. Estas destacam-se essencialmente por fugirem à lógica do crescimento económico perpétuo - tão caro tanto aos marxistas quanto aos capitalistas e o único padrão tido como “sério” pelos economistas, elevado inclusive ao estatuto de único modelo aceitável e até único modelo possível (o que, claramente, não é) - e por não defenderem um modo de vida totalmente primitivista, propõem somente uma espécie de “simplicidade voluntária”, parafraseando Henry David Thoreau (1817-1862) em “Walden ou a Vida nos Bosques” (Antígona, 2009).Crescer Eternamente?Não é muito difícil compreender a teoria do decrescimento se pensarmos que o crescimento anual do PIB, visto como algo positivo, depende de um aumento de produção constante, um crescimento económico perpétuo. Tal crescimento depende, naturalmente, da utilização dos recursos naturais, do aumento populacional e do crescimento dos grandes centros urbanos, fatalmente os recursos do planeta não são eternos, quanto maior a população maior a necessidade de aumentar a produção para a alimentar, quanto maiores os centros urbanos, maior a necessidade de ocupar a terra livre com prédios habitacionais e moradias, algumas já construídas sob solo fértil, outrora utilizado para cultivo (no distrito de Lisboa temos dois exemplos perfeitos: as zonas de Benfica e da Amadora, outrora ricas em quintas, devido à fertilidade do terreno, actualmente não passam de um gigantesco aglomerado de prédios habitacionais, verdadeiros dormitórios para os cidadãos do distrito, salvo duas ou três quintas ainda existentes, embora já em ruínas, ninguém diria que esta zona se evidenciou outrora pelas suas quintas e campos de cultivo).Sendo a matéria-prima finita, sendo esta necessária para um crescimento real, logo algures no futuro – mais ou menos longínquo – o crescimento será obrigatoriamente travado pela escassez de recursos, ou seja: o crescimento não pode ser infinito uma vez que depende de recursos finitos, é uma equação simples.Tendo isto assente, é fácil responder às duas questões anteriormente colocadas: não, não será possível manter o actual nível de vida (por mais degradado que este já se encontre pela crise artificialmente criada pela banca internacional) e nem será possível um crescimento infinito.Regresso à TerraO biorregionalismo pressupõe uma organização social estratificada em pequenas comunidades autónomas enraizadas não só nos ecossistemas locais mas também na história natural e cultural, ou seja, assimila numa só entidade (a bioregião) a identidade não só da flora característica existente mas também a dos povos que nela habitam. Parte do princípio de que as populações locais possuem uma cultura e uma sabedoria próprias que lhes permite solucionar os problemas que possam eventualmente surgir na bioregião.Esta teoria pouco mais faz que recuperar o modo de vida dos nossos antepassados não assim tão remotos, dado que os nossos avós e bisavós viviam de modo semelhante – alguns ainda vivem, e apresentá-lo como uma solução quer imediata (que sirva para evitar o total colapso económico e/ou as guerras que surgirão como consequência da necessidade de obter mais recursos naturais que permitam manter durante mais algum tempo o mitológico crescimento económico infinito) quer posterior (quando a civilização se tenha arruinado e desacreditado de tal modo que não haverá outro remédio senão o de regressar às florestas, campos e montanhas para matar a fome).O biorregionalismo, ao contrário da teoria do decrescimento, considera como sendo insustentável não só o crescimento económico no qual se baseia a sociedade moderna, mas também a sociedade moderna como um todo, a sociedade do ‘homo-economicus’, que já não consegue pensar-se fora do âmbito económico, identificar-se com o seu meio ambiente natural. Numa era em que as noções de Comunidade, Pátria ou Nação desapareceram quase por completo do pensamento ocidental, o biorregionalismo tenta apresentar como solução a recuperação das micro-nações, das tribos, da vida aldeã comunitária como alternativa à alienante vida citadina.Utopia Apocalíptica?Ao contrário das muitas correntes ecologistas altermundialistas, mais preocupadas em preservar o meio-ambiente por uma mera questão de preservação dos actuais modos de vida ocidentais, reféns ainda de uma visão industrial do mundo, partilhada quer por marxistas quer por capitalistas – o que explica porque razão organizações de inclinações marxistas, como a Greenpeace, são financiadas por hiper-capitalistas, como os Rockfeller – que tentam perpetuar o modo de vida moderno, correntes como o biorregionalismo e o primitivismo preocupam-se já em pensar o mundo que poderá surgir quando este, tal qual o conhecemos, tiver ruído sobre os falsos alicerces em que se ergue: especulação, usura, exploração e ilusão. Convencidos que nada há que valha a pena salvar, pensam já num mundo para o Homem que “permanecer de pé entre as ruínas"...O Diabo, Semanário Independente18 de Maio, 2010

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