Da Literatura: CITAÇÃO, 328

20-05-2011
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Vasco Pulido Valente, Um espectáculo triste, hoje no Público. Sublinhados meus:

«Custa a compreender como qualquer pessoa com QI acima de 50 pode votar ou apoiar o Bloco de Esquerda. O Bloco foi um produto da televisão. Tinha quatro ou cinco caras bem falantes e não tinha mais nada. Era suposto ser uma aliança do radicalismo que ficava para além (ou para aquém?) do PC ou, por outras palavras, de trotskistas e de leninistas. Mas Trotsky, o único verdadeiro intelectual e o único verdadeiro escritor do bolchevismo (basta ler A Revolução Russa e A Minha Vida) com certeza que os desprezaria. E Lenine, um primitivo e um terrorista, se não os matasse logo, também não os levaria a sério. Aquelas criaturas que por ali andavam traziam por toda a bagagem ideológica e programática a sua raiva ao PC, que não os queria, e ao PS, que não precisava deles.

Ao princípio, o Bloco ainda trouxe ao Parlamento algumas causas, as “questões fracturantes”, que, embora por si não chegassem para fazer um partido, eram meritórias e profícuas. Principalmente, porque, nesse capítulo, o catolicismo militante de Guterres deixara o PS paralisado e mudo. Só que Sócrates, para quem a Igreja não contava, tornou desnecessária a retórica de Louçã, resolvendo ele o que havia para resolver. E o Bloco, de repente vazio e sem destino, sem organização e sem dinheiro, resolveu concorrer com o PC, como autêntico representante dos “trabalhadores”. Não percebeu, porque pouco percebe, que existe em Portugal uma velha e forte cultura comunista, em que ele não podia penetrar e que, de facto, não penetrou. Subsiste agora num limbo de irrelevância e de frustração.

Mas, por isso mesmo, se começou a agitar como um desesperado, ou como um louco. Primeiro veio a campanha de Alegre, uma jornada sentimental absurda, que previsivelmente acabou num vexame. E, depois, quinta-feira, foi o melodrama da moção de censura, que a direita, se não endoideceu (o que não é garantido), rejeitará; e que o próprio Louçã declarara na véspera “sem utilidade prática”. Não vale a pena discutir os meandros tácticos desta fantochada. Vale a pena constatar que o Bloco de Esquerda não hesita em comprometer a vida ao país, com o fim faccioso e estúpido de embaraçar o PC, até quando o exercício manifestamente beneficia e fortalece Sócrates. Raras vezes se viu na política portuguesa um espectáculo tão triste.»

[Na imagem, activistas do Pumpkin Run junto à estátua de Lenine em Seattle. A estátua foi trazida em 1996 de um ferro-velho da cidade eslovaca de Poprad e colocada numa praceta ajardinada do distrito financeiro de Seattle. Foto de Marcus Donner, 2010. Clique para ver detalhes.]Etiquetas: BE, Citações

Vasco Pulido Valente, Um espectáculo triste, hoje no Público. Sublinhados meus:

«Custa a compreender como qualquer pessoa com QI acima de 50 pode votar ou apoiar o Bloco de Esquerda. O Bloco foi um produto da televisão. Tinha quatro ou cinco caras bem falantes e não tinha mais nada. Era suposto ser uma aliança do radicalismo que ficava para além (ou para aquém?) do PC ou, por outras palavras, de trotskistas e de leninistas. Mas Trotsky, o único verdadeiro intelectual e o único verdadeiro escritor do bolchevismo (basta ler A Revolução Russa e A Minha Vida) com certeza que os desprezaria. E Lenine, um primitivo e um terrorista, se não os matasse logo, também não os levaria a sério. Aquelas criaturas que por ali andavam traziam por toda a bagagem ideológica e programática a sua raiva ao PC, que não os queria, e ao PS, que não precisava deles.

Ao princípio, o Bloco ainda trouxe ao Parlamento algumas causas, as “questões fracturantes”, que, embora por si não chegassem para fazer um partido, eram meritórias e profícuas. Principalmente, porque, nesse capítulo, o catolicismo militante de Guterres deixara o PS paralisado e mudo. Só que Sócrates, para quem a Igreja não contava, tornou desnecessária a retórica de Louçã, resolvendo ele o que havia para resolver. E o Bloco, de repente vazio e sem destino, sem organização e sem dinheiro, resolveu concorrer com o PC, como autêntico representante dos “trabalhadores”. Não percebeu, porque pouco percebe, que existe em Portugal uma velha e forte cultura comunista, em que ele não podia penetrar e que, de facto, não penetrou. Subsiste agora num limbo de irrelevância e de frustração.

Mas, por isso mesmo, se começou a agitar como um desesperado, ou como um louco. Primeiro veio a campanha de Alegre, uma jornada sentimental absurda, que previsivelmente acabou num vexame. E, depois, quinta-feira, foi o melodrama da moção de censura, que a direita, se não endoideceu (o que não é garantido), rejeitará; e que o próprio Louçã declarara na véspera “sem utilidade prática”. Não vale a pena discutir os meandros tácticos desta fantochada. Vale a pena constatar que o Bloco de Esquerda não hesita em comprometer a vida ao país, com o fim faccioso e estúpido de embaraçar o PC, até quando o exercício manifestamente beneficia e fortalece Sócrates. Raras vezes se viu na política portuguesa um espectáculo tão triste.»

[Na imagem, activistas do Pumpkin Run junto à estátua de Lenine em Seattle. A estátua foi trazida em 1996 de um ferro-velho da cidade eslovaca de Poprad e colocada numa praceta ajardinada do distrito financeiro de Seattle. Foto de Marcus Donner, 2010. Clique para ver detalhes.]Etiquetas: BE, Citações

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