Na esquerda, desde sempre se confrontaram posições entre si diferenciadas. Em alguns períodos o confronto atravessou até fases dramáticas, mas mesmo então talvez tenha havido sempre a perspectiva de uma reaproximação futura. E nesses períodos a intensidade da crispação, em regra, subiu mediante forte impulso de grandes dinâmicas e clivagens internacionais.Hoje, não nos chega de fora qualquer estímulo comparável para o encarniçamento dos confrontos, no seio da esquerda. No país a conjuntura política não é dramática, embora a situação económica e as suas sequelas sociais sejam preocupantes. Nada disso, contudo, justificaria, por si só, uma crispação como a que hoje se vive. E pode perguntar-se : se chegasse a um acordo, uma coligação PCP/BE teria, no horizonte de uma década, alguma probabilidade de chegar a uma maioria parlamentar? O PS já conseguiu essa maioria. Qual a probabilidade de a repetir, na próxima década? Parece claro, que é mais provável uma resposta reconfortante para o PS, do que para os outros dois partidos.Mas, se a ruptura entre estes dois campos for realmente irrecuperável, pode estar tranquila a direita, durante muitos e muitos anos. E não deixo de estranhar que, sendo um dos grandes desígnios estratégicos da direita portuguesa inviabilizar coligações do PS com o PCP e o BE, estes dois partidos, sabendo disso, aceitem ser actores estrategicamente subalternos da grande cruzada contra Sócrates e o PS que a direita está a protagonizar. Estranho, porque, como tenho dito, se essa cruzada dizimar realmente o PS em termos políticos e eleitorais, entre as vítimas duradouras desse hipotético desastre estaria sempre a esmagadora maioria dos eleitores desses dois partidos de esquerda.Compreendo que no ambiente de crispação já instalado seja difícil, a cada um de nós, medir com rigor, até que ponto está a passar os limites politicamente aceitáveis, à luz dos seus próprios desígnios estratégicos. Talvez nos pudéssemos ajudar a nós próprios, se cada um de nós conseguisse tomar apenas as posições públicas, susceptíveis de se traduzirem em acções ou em processos políticos realistas, em cujos objectivos cada um se reconhecesse.As metáforas são expressões imperfeitas na descrição da realidade, mas quase sempre sugestivas. Dentro desses limites, podemos comparar a convivência política, no seio da esquerda, a uma jarra de cristal. Uma vez quebrada , não mais se recomporá. E que não haja ilusões , se isso vier a acontecer, de pouco adiantará encontrar culpados. O que aliás será difícil, pois cada um há-de, convictamente, imputar todas as culpas aos outros lados. Aliás, de um modo ou de outro, mesmo que se viesse a apurar um culpado, o que seria improvável, a jarra não voltaria a ficar inteira.
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Na esquerda, desde sempre se confrontaram posições entre si diferenciadas. Em alguns períodos o confronto atravessou até fases dramáticas, mas mesmo então talvez tenha havido sempre a perspectiva de uma reaproximação futura. E nesses períodos a intensidade da crispação, em regra, subiu mediante forte impulso de grandes dinâmicas e clivagens internacionais.Hoje, não nos chega de fora qualquer estímulo comparável para o encarniçamento dos confrontos, no seio da esquerda. No país a conjuntura política não é dramática, embora a situação económica e as suas sequelas sociais sejam preocupantes. Nada disso, contudo, justificaria, por si só, uma crispação como a que hoje se vive. E pode perguntar-se : se chegasse a um acordo, uma coligação PCP/BE teria, no horizonte de uma década, alguma probabilidade de chegar a uma maioria parlamentar? O PS já conseguiu essa maioria. Qual a probabilidade de a repetir, na próxima década? Parece claro, que é mais provável uma resposta reconfortante para o PS, do que para os outros dois partidos.Mas, se a ruptura entre estes dois campos for realmente irrecuperável, pode estar tranquila a direita, durante muitos e muitos anos. E não deixo de estranhar que, sendo um dos grandes desígnios estratégicos da direita portuguesa inviabilizar coligações do PS com o PCP e o BE, estes dois partidos, sabendo disso, aceitem ser actores estrategicamente subalternos da grande cruzada contra Sócrates e o PS que a direita está a protagonizar. Estranho, porque, como tenho dito, se essa cruzada dizimar realmente o PS em termos políticos e eleitorais, entre as vítimas duradouras desse hipotético desastre estaria sempre a esmagadora maioria dos eleitores desses dois partidos de esquerda.Compreendo que no ambiente de crispação já instalado seja difícil, a cada um de nós, medir com rigor, até que ponto está a passar os limites politicamente aceitáveis, à luz dos seus próprios desígnios estratégicos. Talvez nos pudéssemos ajudar a nós próprios, se cada um de nós conseguisse tomar apenas as posições públicas, susceptíveis de se traduzirem em acções ou em processos políticos realistas, em cujos objectivos cada um se reconhecesse.As metáforas são expressões imperfeitas na descrição da realidade, mas quase sempre sugestivas. Dentro desses limites, podemos comparar a convivência política, no seio da esquerda, a uma jarra de cristal. Uma vez quebrada , não mais se recomporá. E que não haja ilusões , se isso vier a acontecer, de pouco adiantará encontrar culpados. O que aliás será difícil, pois cada um há-de, convictamente, imputar todas as culpas aos outros lados. Aliás, de um modo ou de outro, mesmo que se viesse a apurar um culpado, o que seria improvável, a jarra não voltaria a ficar inteira.