O Cachimbo de Magritte: Em Bruxelas (I)

29-05-2010
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Esta noite sonhei que estava outra vez em Bruxelas. O quarto de hotel tinha sido decorado por uma designer escocesa com direito a curriculum vitae eternizado numa parede fugaz (as paredes dos hotéis são sempre fugazes). Havia uma máquina de café que foi poupada a trabalhos pelo meu receio provinciano de causar prejuízos a um hotel tão simpático e europeu. Lá fora, o sol brilhava com um fulgor mediterrânico inapropriado à dignidade política de uma cidade onde tantas e tão graves decisões são tomadas. Muito longe do espaço aéreo nacional até as nuvens têm as formas civilizadas das sociedades sobre as quais pairam. Todos conhecem a injustamente celebrada nuvem portuguesa, atarracada e de feições grosseiras, que tanto nos deveria envergonhar. Nas ruas encontrei vestígios da cultura portuguesa: dejectos de cão, graffitis em zonas nobres e pedintes. É como se um pedaço da Amadora tivesse aterrado sem autorização no centro da Europa. Havia fruta à venda na rua e não apenas em centros de venda com higiene de laboratório. Comecei a acreditar no projecto europeu: uma sociedade livre é aquela que não consegue erradicar as gastroenterites. Entrei na Pierre Marcolini, uma joalharia do chocolate, onde tudo tinha um aspecto luxuoso e minimal. O excesso de requinte fez-me sentir periférico e pobre. Sai à procura de Ferrero Rocher. Regressei ao hotel, cansado de deambulações apressadas, fotografias ao ritmo nipónico e cheio de uma suave melancolia turística.


Esta noite sonhei que estava outra vez em Bruxelas. O quarto de hotel tinha sido decorado por uma designer escocesa com direito a curriculum vitae eternizado numa parede fugaz (as paredes dos hotéis são sempre fugazes). Havia uma máquina de café que foi poupada a trabalhos pelo meu receio provinciano de causar prejuízos a um hotel tão simpático e europeu. Lá fora, o sol brilhava com um fulgor mediterrânico inapropriado à dignidade política de uma cidade onde tantas e tão graves decisões são tomadas. Muito longe do espaço aéreo nacional até as nuvens têm as formas civilizadas das sociedades sobre as quais pairam. Todos conhecem a injustamente celebrada nuvem portuguesa, atarracada e de feições grosseiras, que tanto nos deveria envergonhar. Nas ruas encontrei vestígios da cultura portuguesa: dejectos de cão, graffitis em zonas nobres e pedintes. É como se um pedaço da Amadora tivesse aterrado sem autorização no centro da Europa. Havia fruta à venda na rua e não apenas em centros de venda com higiene de laboratório. Comecei a acreditar no projecto europeu: uma sociedade livre é aquela que não consegue erradicar as gastroenterites. Entrei na Pierre Marcolini, uma joalharia do chocolate, onde tudo tinha um aspecto luxuoso e minimal. O excesso de requinte fez-me sentir periférico e pobre. Sai à procura de Ferrero Rocher. Regressei ao hotel, cansado de deambulações apressadas, fotografias ao ritmo nipónico e cheio de uma suave melancolia turística.

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