O Cachimbo de Magritte: Lumpenministeriat

29-05-2010
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Podia deixar o post assim. O título e a "espirituosa" frase do ministro. Estaria tudo dito. Mas, às vezes, vale a pena desenrolar-se o que fica dito. A frase é interessante: 'O que eu creio é que Paulo Rangel tem de... comer muita papa Maizena para chegar aos calcanhares do dr. Basílio Horta.' Porquê papa, porquê Maizena? Alude o ministro à idade de Rangel? Como quem diz 'cala-te, puto, que tu ainda nem carne comes!' Aquela frase é um belo retrato do interior da cabeça daquele ministro. (E, quem sabe, um trauma recalcado de Maizena?...) Quem diz uma coisa destas de alguém, está, desgraçadamente, a traçar uma imagem penosa de si mesmo. Que triste é que alguém, num momento de fúria (e as fúrias de Pinho são assim - fúrias dormentes) só seja capaz de dizer uma coisa daquelas...Por outro lado, repare-se: um, o puto da papa, é apenas um nome, 'Paulo Rangel', em contraste com o outro que é adornado com um título: dr. Ora, tanto quanto sei, são ambos licenciados. E Portugal ainda é uma república. Então o que procura o ministro com a diferença de tratamento? Precisamente, destratar Rangel. Destratamento saloio, o do ministro. Pobre ministro. Pobre, porque, para ele, coitado, um título de licenciado vale mais do que a própria licenciatura. 'A ti não te chamo dr., toma, toma!' Tipicamente saloio. E, depois, aquela imagem vulgar, para não dizer ordinária, de 'chegar aos calcanhares'... O homem não é capaz de alinhavar um argumentozinho que seja. É capaz, não fosse ele deste governo, de ser malcriado para com um adversário.Mas o que é que torna possível que um ministro diga uma coisa como esta impavidamente? O ministro di-lo impavidamente, porque o diz impunemente. Por outras palavras, a resposta é: José Sócrates. Isto é apenas mais um exemplo da linguagem usada por este governo quando se dirige ou quando se refere aos adversários. Tem-se dado uma crescente contaminação "estilística" dentro do executivo. A contaminação é centrífuga: parte de Sócrates e vai-se instalando pelos ministros e propagando pelo grupo parlamentar do PS. Neste episódio, B. Adolfo Horta ['What's in a name?'], já exibe também os tiques "socráticos": lá chamou ele 'ignorante' e 'arrogante' a Rangel... Comporta-se assim mais como um comissário político do governo, um prolongamento da propaganda "socrática", do que como um funcionário. Para mais, um como que comissário que adoptou o estilo deselegante do chefe.Um ministro da Agricultura que, perante o protesto de pescadores a uma qualquer opção do governo, lhes atira um 'se não gostam, vão-se embora, deixem a União Europeia', que, a respeito de uma preocupação sobre o preço do leite, diz, enfadado, 'os Portugueses estão mal habituados', que, a uma observação crítica de Paulo Portas sobre a utilização de subsídios, responde com uma alusão ordinária ao branqueamento dos dentes do outro. Uma ministra da Educação que troça descaradamente das preocupações dos responsáveis do Conservatório Nacional, que diz, ufana, 'perdi os professores, mas ganhei os pais', que chama aos professores preguiçosos, incompetentes e chantagistas, um secretário de estado da educação que chama aos docentes 'professorzecos', um outro que não se coíbe de os considerar como ratos mal habituados a queijo, ainda um outro secretário que sugere serem os aposentados débeis mentais incapazes de gerir o seu dinheiro e mais um que ameaça os funcionários públicos de serem 'trucidados', caso não se "adaptem" à Nova Ordem "socrática" para o funcionalismo. Uma directora regional da educação que processa disciplinarmente um funcionário, denunciado por uma conversa privada, a mesma directora que se gaba de perseguir subordinados, que produz afirmações contrárias a um ambiente sadio nas escolas e que manifesta ser analfabeta. Um ministro da saúde que, para além de se soltar em comentários de gosto muito duvidoso, pune uma funcionária superior por esta, por sua vez, não ter punido um médico que se limitou a afixar uma citação do próprio ministro. Um ministro dos assuntos parlamentares que parece achar normal usar o verbo 'malhar' para descrever o tipo de relação a ter com os adversários políticos. Um Alberto Martins que, no parlamento, se ri quando Rangel ou Portas tocam nalgum ponto socialmente mais sensível e, pelo menos uma vez em que Jerónimo de Sousa tinha apenas começado a referir-se ao recente aumento do desemprego, rindo, larga para o lado 'lá vem o pai dos pobres!'. Um José Lello que, pura e simplesmente, sentencia que Manuel Alegre 'tem falta de carácter'. Etc.Tudo isto, por um lado, são mimetismos, reproduções do linguajar do próprio primeiro-ministro. Por outro lado, às primeiras manifestações desta miséria, Sócrates nunca reagiu com uma admoestação ou mesmo com uma demissão. O que é, até certo ponto, compreensível: é ele o modelo da vulgaridade. Não é dele a troça descarada, as caretas, o 'tenha tento na língua!', o 'não lhe caem os parentes parlamentares na lama!', o 'o tempo da facilidade acabou!', a respeito de funcionários não colocados, o tom regateiro, a insolência mal educada em entrevistas? Por outro lado, porque nunca mostrou Sócrates o mínimo desagrado por comportamentos persecutórios de sobas da província?... Toda esta gente - a começar pelo chefe - sabem, ou deviam saber, que "o exemplo vem de cima". Eles têm mostrado, por todos os meios, que a arrogância, o insulto, a desconsideração pelo adversário são modos aceitáveis na contraposição política. Repiso: estas coisas nunca se ficam pela linguagem.Depois, queixem-se.


Podia deixar o post assim. O título e a "espirituosa" frase do ministro. Estaria tudo dito. Mas, às vezes, vale a pena desenrolar-se o que fica dito. A frase é interessante: 'O que eu creio é que Paulo Rangel tem de... comer muita papa Maizena para chegar aos calcanhares do dr. Basílio Horta.' Porquê papa, porquê Maizena? Alude o ministro à idade de Rangel? Como quem diz 'cala-te, puto, que tu ainda nem carne comes!' Aquela frase é um belo retrato do interior da cabeça daquele ministro. (E, quem sabe, um trauma recalcado de Maizena?...) Quem diz uma coisa destas de alguém, está, desgraçadamente, a traçar uma imagem penosa de si mesmo. Que triste é que alguém, num momento de fúria (e as fúrias de Pinho são assim - fúrias dormentes) só seja capaz de dizer uma coisa daquelas...Por outro lado, repare-se: um, o puto da papa, é apenas um nome, 'Paulo Rangel', em contraste com o outro que é adornado com um título: dr. Ora, tanto quanto sei, são ambos licenciados. E Portugal ainda é uma república. Então o que procura o ministro com a diferença de tratamento? Precisamente, destratar Rangel. Destratamento saloio, o do ministro. Pobre ministro. Pobre, porque, para ele, coitado, um título de licenciado vale mais do que a própria licenciatura. 'A ti não te chamo dr., toma, toma!' Tipicamente saloio. E, depois, aquela imagem vulgar, para não dizer ordinária, de 'chegar aos calcanhares'... O homem não é capaz de alinhavar um argumentozinho que seja. É capaz, não fosse ele deste governo, de ser malcriado para com um adversário.Mas o que é que torna possível que um ministro diga uma coisa como esta impavidamente? O ministro di-lo impavidamente, porque o diz impunemente. Por outras palavras, a resposta é: José Sócrates. Isto é apenas mais um exemplo da linguagem usada por este governo quando se dirige ou quando se refere aos adversários. Tem-se dado uma crescente contaminação "estilística" dentro do executivo. A contaminação é centrífuga: parte de Sócrates e vai-se instalando pelos ministros e propagando pelo grupo parlamentar do PS. Neste episódio, B. Adolfo Horta ['What's in a name?'], já exibe também os tiques "socráticos": lá chamou ele 'ignorante' e 'arrogante' a Rangel... Comporta-se assim mais como um comissário político do governo, um prolongamento da propaganda "socrática", do que como um funcionário. Para mais, um como que comissário que adoptou o estilo deselegante do chefe.Um ministro da Agricultura que, perante o protesto de pescadores a uma qualquer opção do governo, lhes atira um 'se não gostam, vão-se embora, deixem a União Europeia', que, a respeito de uma preocupação sobre o preço do leite, diz, enfadado, 'os Portugueses estão mal habituados', que, a uma observação crítica de Paulo Portas sobre a utilização de subsídios, responde com uma alusão ordinária ao branqueamento dos dentes do outro. Uma ministra da Educação que troça descaradamente das preocupações dos responsáveis do Conservatório Nacional, que diz, ufana, 'perdi os professores, mas ganhei os pais', que chama aos professores preguiçosos, incompetentes e chantagistas, um secretário de estado da educação que chama aos docentes 'professorzecos', um outro que não se coíbe de os considerar como ratos mal habituados a queijo, ainda um outro secretário que sugere serem os aposentados débeis mentais incapazes de gerir o seu dinheiro e mais um que ameaça os funcionários públicos de serem 'trucidados', caso não se "adaptem" à Nova Ordem "socrática" para o funcionalismo. Uma directora regional da educação que processa disciplinarmente um funcionário, denunciado por uma conversa privada, a mesma directora que se gaba de perseguir subordinados, que produz afirmações contrárias a um ambiente sadio nas escolas e que manifesta ser analfabeta. Um ministro da saúde que, para além de se soltar em comentários de gosto muito duvidoso, pune uma funcionária superior por esta, por sua vez, não ter punido um médico que se limitou a afixar uma citação do próprio ministro. Um ministro dos assuntos parlamentares que parece achar normal usar o verbo 'malhar' para descrever o tipo de relação a ter com os adversários políticos. Um Alberto Martins que, no parlamento, se ri quando Rangel ou Portas tocam nalgum ponto socialmente mais sensível e, pelo menos uma vez em que Jerónimo de Sousa tinha apenas começado a referir-se ao recente aumento do desemprego, rindo, larga para o lado 'lá vem o pai dos pobres!'. Um José Lello que, pura e simplesmente, sentencia que Manuel Alegre 'tem falta de carácter'. Etc.Tudo isto, por um lado, são mimetismos, reproduções do linguajar do próprio primeiro-ministro. Por outro lado, às primeiras manifestações desta miséria, Sócrates nunca reagiu com uma admoestação ou mesmo com uma demissão. O que é, até certo ponto, compreensível: é ele o modelo da vulgaridade. Não é dele a troça descarada, as caretas, o 'tenha tento na língua!', o 'não lhe caem os parentes parlamentares na lama!', o 'o tempo da facilidade acabou!', a respeito de funcionários não colocados, o tom regateiro, a insolência mal educada em entrevistas? Por outro lado, porque nunca mostrou Sócrates o mínimo desagrado por comportamentos persecutórios de sobas da província?... Toda esta gente - a começar pelo chefe - sabem, ou deviam saber, que "o exemplo vem de cima". Eles têm mostrado, por todos os meios, que a arrogância, o insulto, a desconsideração pelo adversário são modos aceitáveis na contraposição política. Repiso: estas coisas nunca se ficam pela linguagem.Depois, queixem-se.

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