Canhoto: Público e privado

19-12-2009
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1. Imaginemos um professor universitário que, um dia, aceita fazer parte de um governo, em Portugal, sendo que as funções que exerce incluem a tutela do ensino superior. Acabado o mandato regressa à sua universidade. Vai uma aposta que ninguém interpretará esse regresso como problema moral? (Aposta ganha, já aconteceu…)2. A “indignação” moralista dos louçãs deste mundo, ultimamente manifestada a propósito de Jorge Coelho, é selectiva: o problema está na passagem do público (o governo) para o privado (uma qualquer empresa), no sector que o ex-governante tiver tutelado, mesmo quando entre o fim dessa tutela e o ingresso no privado se passaram sete anos. Ou seja, há no privado interesses particulares em detrimento do interesse público que não há no sector público. Verdade? Não, demagogia pura e simples.3. O sector público é composto por pessoas e organizações que prosseguem, também, interesses particulares em competição, umas vezes de base mais localizada, outras de forte carga corporativa. A possibilidade de alguém usar recursos relacionais obtidos na acção política para reforçar a sua posição competitiva e reforçar o seu poder e influência particulares não está reservada ao privado. Por isso, quando se invoca com horror o carácter “privado” do privado que se opõe ao carácter público do “público”, confundem-se as características dos sectores de que se fala com as orientações e acções dos agentes concretos que lhes dão vida. À reificação de público e privado corresponde a diabolização dos actores no privado e a santificação dos actores no público.4. Em rigor, e para além do seu moralismo irritante, os que se auto-santificam como Louçã demonstram ter uma radical aversão ao mercado e às empresas, a par de uma (perigosa) sacralização do Estado (com maiúscula, claro), reflexo perfeito das ideologias neoliberais. Bem como uma orientação totalitária que pretende substituir o controlo democrático de actos concretos praticados por actores concretos pela presunção de suspeição generalizada em relação a tipos abstractos de actores.


1. Imaginemos um professor universitário que, um dia, aceita fazer parte de um governo, em Portugal, sendo que as funções que exerce incluem a tutela do ensino superior. Acabado o mandato regressa à sua universidade. Vai uma aposta que ninguém interpretará esse regresso como problema moral? (Aposta ganha, já aconteceu…)2. A “indignação” moralista dos louçãs deste mundo, ultimamente manifestada a propósito de Jorge Coelho, é selectiva: o problema está na passagem do público (o governo) para o privado (uma qualquer empresa), no sector que o ex-governante tiver tutelado, mesmo quando entre o fim dessa tutela e o ingresso no privado se passaram sete anos. Ou seja, há no privado interesses particulares em detrimento do interesse público que não há no sector público. Verdade? Não, demagogia pura e simples.3. O sector público é composto por pessoas e organizações que prosseguem, também, interesses particulares em competição, umas vezes de base mais localizada, outras de forte carga corporativa. A possibilidade de alguém usar recursos relacionais obtidos na acção política para reforçar a sua posição competitiva e reforçar o seu poder e influência particulares não está reservada ao privado. Por isso, quando se invoca com horror o carácter “privado” do privado que se opõe ao carácter público do “público”, confundem-se as características dos sectores de que se fala com as orientações e acções dos agentes concretos que lhes dão vida. À reificação de público e privado corresponde a diabolização dos actores no privado e a santificação dos actores no público.4. Em rigor, e para além do seu moralismo irritante, os que se auto-santificam como Louçã demonstram ter uma radical aversão ao mercado e às empresas, a par de uma (perigosa) sacralização do Estado (com maiúscula, claro), reflexo perfeito das ideologias neoliberais. Bem como uma orientação totalitária que pretende substituir o controlo democrático de actos concretos praticados por actores concretos pela presunção de suspeição generalizada em relação a tipos abstractos de actores.

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