Trinta anos perdidos entre duas crises semelhantes nas contas externas

20-06-2010
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Um dos traços comuns às crises de 1983 e 2010 é a crítica à terapia usada para combater os desequilíbrios.

Há quase 30 anos, a maior contestação surgiu à esquerda, pelo facto de os planos de emergência se centrarem nos cortes aos rendimentos mais baixos, na quebra do rendimento disponível da grande generalidade dos portugueses, pelo consequente aperto da actividade económica e desemprego, e nunca pelo contributo dos mais abastados, nomeadamente do sector financeiro.

Mas em 1983 suscitou-se igualmente outro aspecto. O de os programas de ajustamento acabarem por não combater o problema de fundo da economia portuguesa - o seu desquilíbrio estrutural.

Numa interpelação desencadeada pelo PCP - que, nas eleições de Abril de 1983, tivera 18 por cento dos votos - o economista Octávio Teixeira lembrava que "não é com políticas conjunturalistas (...) que se podem resolver os problemas estruturais da economia. Tais políticas podem, transitoriamente, reduzir os défices externos mas não resolvem as suas causas. Podem, temporariamente, reduzir o ritmo de crescimento da dívida externa, mas não a diminuem. E lançam o país num círculo infernal das recessões cada vez mais prolongadas e profundas, de destruição progressiva da base produtiva, de desemprego crescente, de agravamento constante da miséria e da dependência externa económica, financeira e política". E Carlos Carvalhas, igualmente deputado, criticou o objectivo omisso do FMI de reduzir os custos de mão-de-obra como política de fundo para a expansão das exportações.

Na altura, Ernâni Lopes concordou com a crítica, mas explicou-lhes que o Governo tinha outros programas de ajustamento estrutural. Só que, de imediato, importava assegurar o financiamento externo.

Mas a alteração estrutural é uma tarefa mais lenta do que a vontade dos governantes. O governo de bloco central caiu em Fevereiro de 1985, em pleno ajustamento conjuntural.

Os governos Cavaco Silva, de 1985 até 1994, pouco conseguiram também. A política do escudo forte, visando forçar os exportadores a mudanças rápidas, não surtiu o efeito pretendido. O economista João Ferreira do Amaral, antigo conselheiro do Presidente Jorge Sampaio, sugere mesmo que essa política desincentivou o sector exportador e aumentou as apostas nos sectores não sujeitos à competitividade externa, como a construção.

A progressiva integração europeia e a pulsar da economia nacional ao ritmo do batimento europeu pouco tem incentivado alterações de fundo ou permitido sequer crescimentos elevados. Nos últimos dez anos, a economia portuguesa cresceu abaixo da europeia.

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Passados cerca de trinta anos sobre a crise de 1983, a estrutura da balança comercial não sofreu grandes alterações. Olhando para as trocas comerciais (sem combustíveis), a distribuição por ramos de actividade não se alterou muito. As excepções são, em primeiro lugar, a forte subida da importação de bens alimentares. Depois, a queda a pique das exportações de vestuário, fruto da abertura das barreiras alfandegárias a países como China, índia e Paquistão. E em terceiro lugar, o reforço das exportações de máquinas e veículos, provavelmente explicada pela produção da Autoeuropa e actividades conexas. Mas mantêm-se as limitações nacionais ao investimento, ainda dependente da componente importada.

E mantêm-se igualmente as críticas à esquerda ao plano de emergência. Manuel Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, bem como João Proença da UGT, têm frisado os efeitos gravosos nas camadas de menores rendimentos e com a recessão que se aproxima.

"Não aceitamos que sejam os trabalhadores os sacrificados pelos milhões que foram "rapinados" ao Orçamento de Estado para tapar os buracos do sector financeiro", afirmou Carvalho da Silva. "Ou fazemos uma reacção fortissima ou põem-nos a pão e água", afirmou ainda. J.R.A.

Um dos traços comuns às crises de 1983 e 2010 é a crítica à terapia usada para combater os desequilíbrios.

Há quase 30 anos, a maior contestação surgiu à esquerda, pelo facto de os planos de emergência se centrarem nos cortes aos rendimentos mais baixos, na quebra do rendimento disponível da grande generalidade dos portugueses, pelo consequente aperto da actividade económica e desemprego, e nunca pelo contributo dos mais abastados, nomeadamente do sector financeiro.

Mas em 1983 suscitou-se igualmente outro aspecto. O de os programas de ajustamento acabarem por não combater o problema de fundo da economia portuguesa - o seu desquilíbrio estrutural.

Numa interpelação desencadeada pelo PCP - que, nas eleições de Abril de 1983, tivera 18 por cento dos votos - o economista Octávio Teixeira lembrava que "não é com políticas conjunturalistas (...) que se podem resolver os problemas estruturais da economia. Tais políticas podem, transitoriamente, reduzir os défices externos mas não resolvem as suas causas. Podem, temporariamente, reduzir o ritmo de crescimento da dívida externa, mas não a diminuem. E lançam o país num círculo infernal das recessões cada vez mais prolongadas e profundas, de destruição progressiva da base produtiva, de desemprego crescente, de agravamento constante da miséria e da dependência externa económica, financeira e política". E Carlos Carvalhas, igualmente deputado, criticou o objectivo omisso do FMI de reduzir os custos de mão-de-obra como política de fundo para a expansão das exportações.

Na altura, Ernâni Lopes concordou com a crítica, mas explicou-lhes que o Governo tinha outros programas de ajustamento estrutural. Só que, de imediato, importava assegurar o financiamento externo.

Mas a alteração estrutural é uma tarefa mais lenta do que a vontade dos governantes. O governo de bloco central caiu em Fevereiro de 1985, em pleno ajustamento conjuntural.

Os governos Cavaco Silva, de 1985 até 1994, pouco conseguiram também. A política do escudo forte, visando forçar os exportadores a mudanças rápidas, não surtiu o efeito pretendido. O economista João Ferreira do Amaral, antigo conselheiro do Presidente Jorge Sampaio, sugere mesmo que essa política desincentivou o sector exportador e aumentou as apostas nos sectores não sujeitos à competitividade externa, como a construção.

A progressiva integração europeia e a pulsar da economia nacional ao ritmo do batimento europeu pouco tem incentivado alterações de fundo ou permitido sequer crescimentos elevados. Nos últimos dez anos, a economia portuguesa cresceu abaixo da europeia.

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Passados cerca de trinta anos sobre a crise de 1983, a estrutura da balança comercial não sofreu grandes alterações. Olhando para as trocas comerciais (sem combustíveis), a distribuição por ramos de actividade não se alterou muito. As excepções são, em primeiro lugar, a forte subida da importação de bens alimentares. Depois, a queda a pique das exportações de vestuário, fruto da abertura das barreiras alfandegárias a países como China, índia e Paquistão. E em terceiro lugar, o reforço das exportações de máquinas e veículos, provavelmente explicada pela produção da Autoeuropa e actividades conexas. Mas mantêm-se as limitações nacionais ao investimento, ainda dependente da componente importada.

E mantêm-se igualmente as críticas à esquerda ao plano de emergência. Manuel Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, bem como João Proença da UGT, têm frisado os efeitos gravosos nas camadas de menores rendimentos e com a recessão que se aproxima.

"Não aceitamos que sejam os trabalhadores os sacrificados pelos milhões que foram "rapinados" ao Orçamento de Estado para tapar os buracos do sector financeiro", afirmou Carvalho da Silva. "Ou fazemos uma reacção fortissima ou põem-nos a pão e água", afirmou ainda. J.R.A.

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