As arruadas na sociologia eleitoral

03-06-2011
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São frequentes as críticas às arruadas dos partidos em tempo de eleições. Em 2009 defini-as aqui como "espectáculos encenados para os telejornais, variando de cenário a cada dia". Falta referir o que têm de útil e a ausência de alternativas.

A arruada é a ocupação do espaço público pela política em tempo de campanha. Visa colocar os políticos junto das pessoas, por ser a campanha um tempo liminar, entre a política exercida nos espaços próprios (Parlamento, municípios) e o dia do escrutínio pelo povo. Ouve-se nas arruadas: "eles" só se lembram de nós nesta altura. Os políticos poderiam responder que muitos cidadãos, infelizmente, só se lembram da política na mesma altura. O distanciamento pode ser mútuo.

Neste sentido, as arruadas acrescentam a vida política. Obrigam os políticos a contactar com gente de quem estão distantes e com ideias que o povo exprime, entre o banal e o genial. Mesmo se encenadas, as arruadas podem tem um lado real forte. É um risco encenar de mais. Os comícios de Sócrates com figurantes pagos e espaços circunscritos para encher ecrãs de TV são exemplares pela negativa: são casulos distantes do povo real, são ficção televisiva. A mostração da falsidade do comício de Évora nas TV deve ter custado ao PS muitos votos.

Os críticos das arruadas deveriam sugerir alternativas de acção política para os períodos de campanha. Fazer comícios todo o dia? Acompanhei como jornalista de agência duas campanhas de comícios de manhã à noite nos anos de 1980: os políticos repetiam as mesmas coisas, de terra em terra, e o contacto com os cidadãos era mais distante, excepto quando andavam pelas ruas ou pelas feiras (sim, já se ia às feiras antes de Paulo Portas).

As visitas a empresas, tentadas desde os anos de 1970, são más. Todos estão constrangidos: políticos, patrões, empregados, jornalistas. Anda falsidade no ar; servem apenas para as câmaras fotográficas e de vídeo, nunca para contactar com eleitores, pois as pessoas estão a trabalhar e sob observação do chefe. As visitas a instituições públicas ou de solidariedade sofrem do mesmo.

Como os políticos têm de encontrar pessoas onde elas estejam disponíveis e em liberdade, vão para a rua, que é da gente. O contacto directo em campanha faz parte do ritual político e a arruada garante-o, excepto se o partido criar um cordão sanitário em volta do líder, impedindo o contacto e as críticas de pessoas vulgares, e simulando apoio popular com os militantes pagos em seu redor, como sucedeu durante quase toda a campanha de Sócrates.

O receio de Sócrates em contacto nas ruas espelha-se no que escreveram para o P2 de quarta-feira dois miúdos de uma escola de Espinho, o Frederico e o Jesus, de 12 e 13 anos: "Se eu e o meu amigo fôssemos o primeiro-ministro, fugíamos para longe com medo do povo."

As arruadas denotam o apoio popular dos partidos. Há pequenos partidos como menos gente na rua do que na sua lista de candidatos pelo distrito. Vêem-se imagens confrangedoras, com dois gatos-pingados distribuindo papéis que os passantes rejeitam. As arruadas dão aos eleitores uma noção da capacidade política dos partidos em concretizarem propostas.

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As arruadas também distinguem os partidos maiores entre si, ao revelarem como cidadãos aleatórios se relacionam com os dirigentes. Na campanha, viram-se eleitores por todo o país tratando Passos, Portas, Louçã e Jerónimo afavelmente e Sócrates com rispidez. Os resumos de dezenas de arruadas por dia na TV transmitem sentimentos da "rua" para com os líderes.

Os políticos querem estar com as pessoas nestes dias, mas as pessoas podem ver os políticos 365 dias por ano na televisão, à hora das refeições nos canais generalistas e 24 horas por dia nos de notícias. Ao contrário de outros tempos, não é preciso sair de casa para conhecer as opções, nem ir a um comício para ouvir um líder, basta mudar de canal. À excepção dos militantes e dos miúdos das "jotas", poucos são os que saem de casa para conhecer ideias e líderes.

Em rigor, poderiam fazer-se campanhas eleitorais apenas pelos media, sem qualquer iniciativa de rua. É assim, aliás, em muitas aldeias e vilas, onde nada acontece durante estas semanas de agitação política. Onde vivo não houve um único comício, sessão, arruada, apenas umas buzinas distantes de militantes motorizados. Distribuição de propaganda, só pelo correio, e pouca. E, todavia, ninguém escapa à efervescência da campanha pelos media, das arruadas alhures. São novos rituais da política, mas os rituais são actos verdadeiros e sinceros, se preparados e vividos como tal. Têm pouco conteúdo? Sim. Os políticos assim o querem, os jornalistas também, pois as arruadas tornaram-se o tempero dos telejornais, mas é possível que os espectadores queiram este conteúdo. Têm a chamada "noção de informação suficiente": para os eleitores, saber muito da coisa política é custoso e supérfluo, pelo que os tempos de antena, os debates, a propaganda partidária e as notícias disponíveis são suficientes. Em resumo, as arruadas, rituais da era da televisão, não têm alternativa e complementam outras formas de comunicação política.

São frequentes as críticas às arruadas dos partidos em tempo de eleições. Em 2009 defini-as aqui como "espectáculos encenados para os telejornais, variando de cenário a cada dia". Falta referir o que têm de útil e a ausência de alternativas.

A arruada é a ocupação do espaço público pela política em tempo de campanha. Visa colocar os políticos junto das pessoas, por ser a campanha um tempo liminar, entre a política exercida nos espaços próprios (Parlamento, municípios) e o dia do escrutínio pelo povo. Ouve-se nas arruadas: "eles" só se lembram de nós nesta altura. Os políticos poderiam responder que muitos cidadãos, infelizmente, só se lembram da política na mesma altura. O distanciamento pode ser mútuo.

Neste sentido, as arruadas acrescentam a vida política. Obrigam os políticos a contactar com gente de quem estão distantes e com ideias que o povo exprime, entre o banal e o genial. Mesmo se encenadas, as arruadas podem tem um lado real forte. É um risco encenar de mais. Os comícios de Sócrates com figurantes pagos e espaços circunscritos para encher ecrãs de TV são exemplares pela negativa: são casulos distantes do povo real, são ficção televisiva. A mostração da falsidade do comício de Évora nas TV deve ter custado ao PS muitos votos.

Os críticos das arruadas deveriam sugerir alternativas de acção política para os períodos de campanha. Fazer comícios todo o dia? Acompanhei como jornalista de agência duas campanhas de comícios de manhã à noite nos anos de 1980: os políticos repetiam as mesmas coisas, de terra em terra, e o contacto com os cidadãos era mais distante, excepto quando andavam pelas ruas ou pelas feiras (sim, já se ia às feiras antes de Paulo Portas).

As visitas a empresas, tentadas desde os anos de 1970, são más. Todos estão constrangidos: políticos, patrões, empregados, jornalistas. Anda falsidade no ar; servem apenas para as câmaras fotográficas e de vídeo, nunca para contactar com eleitores, pois as pessoas estão a trabalhar e sob observação do chefe. As visitas a instituições públicas ou de solidariedade sofrem do mesmo.

Como os políticos têm de encontrar pessoas onde elas estejam disponíveis e em liberdade, vão para a rua, que é da gente. O contacto directo em campanha faz parte do ritual político e a arruada garante-o, excepto se o partido criar um cordão sanitário em volta do líder, impedindo o contacto e as críticas de pessoas vulgares, e simulando apoio popular com os militantes pagos em seu redor, como sucedeu durante quase toda a campanha de Sócrates.

O receio de Sócrates em contacto nas ruas espelha-se no que escreveram para o P2 de quarta-feira dois miúdos de uma escola de Espinho, o Frederico e o Jesus, de 12 e 13 anos: "Se eu e o meu amigo fôssemos o primeiro-ministro, fugíamos para longe com medo do povo."

As arruadas denotam o apoio popular dos partidos. Há pequenos partidos como menos gente na rua do que na sua lista de candidatos pelo distrito. Vêem-se imagens confrangedoras, com dois gatos-pingados distribuindo papéis que os passantes rejeitam. As arruadas dão aos eleitores uma noção da capacidade política dos partidos em concretizarem propostas.

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As arruadas também distinguem os partidos maiores entre si, ao revelarem como cidadãos aleatórios se relacionam com os dirigentes. Na campanha, viram-se eleitores por todo o país tratando Passos, Portas, Louçã e Jerónimo afavelmente e Sócrates com rispidez. Os resumos de dezenas de arruadas por dia na TV transmitem sentimentos da "rua" para com os líderes.

Os políticos querem estar com as pessoas nestes dias, mas as pessoas podem ver os políticos 365 dias por ano na televisão, à hora das refeições nos canais generalistas e 24 horas por dia nos de notícias. Ao contrário de outros tempos, não é preciso sair de casa para conhecer as opções, nem ir a um comício para ouvir um líder, basta mudar de canal. À excepção dos militantes e dos miúdos das "jotas", poucos são os que saem de casa para conhecer ideias e líderes.

Em rigor, poderiam fazer-se campanhas eleitorais apenas pelos media, sem qualquer iniciativa de rua. É assim, aliás, em muitas aldeias e vilas, onde nada acontece durante estas semanas de agitação política. Onde vivo não houve um único comício, sessão, arruada, apenas umas buzinas distantes de militantes motorizados. Distribuição de propaganda, só pelo correio, e pouca. E, todavia, ninguém escapa à efervescência da campanha pelos media, das arruadas alhures. São novos rituais da política, mas os rituais são actos verdadeiros e sinceros, se preparados e vividos como tal. Têm pouco conteúdo? Sim. Os políticos assim o querem, os jornalistas também, pois as arruadas tornaram-se o tempero dos telejornais, mas é possível que os espectadores queiram este conteúdo. Têm a chamada "noção de informação suficiente": para os eleitores, saber muito da coisa política é custoso e supérfluo, pelo que os tempos de antena, os debates, a propaganda partidária e as notícias disponíveis são suficientes. Em resumo, as arruadas, rituais da era da televisão, não têm alternativa e complementam outras formas de comunicação política.

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