“PS arrisca-se a ficar refém do BE e da CDU”

17-10-2015
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Embora governos sem o partido vencedor sejam comuns na Europa, Marina Costa Lobo considera que, na atual situação, um acordo PS-BE-CDU quebraria uma tradição de boa vontade entre os dois maiores partidos.

Vários países europeus têm governos em que não está representada a força mais votada, sem polémica. A inexistência de precedente em Portugal afeta a legitimidade dessa solução?

Não existe ilegitimidade do ponto de vista constitucional, mas esses casos europeus são em regimes parlamentares. Portugal, sendo um regime semipresidencial, confere poderes importantes ao Presidente na formação do Governo. Acresce a nossa tradição de formação de governos minoritários, que têm dependido da boa vontade do principal partido da oposição, seja o PS ou o PSD. Essa boa vontade é essencial para a governabilidade a prazo num regime como o nosso, onde o sistema eleitoral dificulta as maiorias absolutas. Se António Costa rejeitar um governo minoritário do PàF, estará criado um precedente para a não-cooperação no futuro, ficando o PS refém, em futuros governos, de acordos com a CDU e o BE. Isso só faria sentido se houvesse grande diferença ideológica nos temas centrais, que são os económicos, entre o PS e o PSD, e uma grande proximidade do PS à CDU e ao BE. Que simplesmente não existe.

Tem um eleitor do PS razão para se sentir enganado pelo comportamento pós-eleitoral de António Costa?

O PS é um grande partido. Recolheu 32% dos votos, por isso inclui eleitores de vários tipos. Estando as negociações ainda em curso, avaliar o comportamento pós-eleitoral de Costa é prematuro. Olhando para os programas eleitorais, e em particular para o grupo de trabalho liderado por Mário Centeno — que poderá ter sido central para a credibilização do PS, sobretudo junto do eleitorado que ainda não tinha totalmente esquecido que foi um governo socialista que trouxe a troika para Portugal —, a aproximação pós-eleitoral à CDU e ao BE contradiz o que o PS representa.

As inúmeras cedências que os partidos têm anunciado espelham abertura democrática ou sede de poder?

As cedências são positivas em qualquer negociação, desde que não ponham em causa a essência de cada partido, que não é imutável. Por isso considero um acordo PS-BE-CDU pouco credível. No dia 4 de outubro, discordavam em temas cruciais, como o Estado social, a economia de mercado ou a integração europeia. O PS assinou o memorando da troika e aprovou o Tratado Orçamental. Não são minudências, mas pontos fulcrais a que o BE e a CDU sempre se opuseram. Tendo em conta o documento do PàF, o que se vislumbra é que, governe quem governar, haverá muito pouca capacidade de efetuar certas reformas estruturais de que o país precisa. O ponto central parece ser quem cede mais no abrandamento da austeridade. É pena que não transpareça a exigência do PS, que tem liderado as negociações, naquelas reformas.

O que pode fazer Cavaco, que deu indícios de rejeitar a solução de esquerda?

Deve indigitar Passos Coelho, que ganhou as eleições. De seguida — se o PS assim entender, por ter acordo com CDU e BE —, veremos o PS rejeitar o programa de governo de Passos. Os portugueses têm de conhecer de forma objetiva e transparente as razões do PàF, PS e demais partidos, assumindo cada partido e cada deputado as suas responsabilidades. Isto é permitir comprometimento e negociação com responsabilidade perante o eleitorado. E sem deixar de seguir precedentes eleitorais que ditam procedimentos do funcionamento normal da democracia portuguesa.

Arrisca uma previsão sobre o governo que vamos ter?

Não. As negociações estão em curso e o PS está dividido. Mas considero que o Presidente deve, caso o Governo PàF seja rejeitado no Parlamento e havendo acordo formal à esquerda, mesmo que de incidência parlamentar, dar posse a um governo do PS com apoio do BE e CDU, dentro ou fora do executivo. Devem ser os eleitores, depois, a aferir da coerência, e capacidade de governação dessa aliança. Sou contra leituras presidencialistas da Constituição.

Investigação

Politóloga no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Marina Costa Lobo é especialista em Instituições e Comportamentos Políticos Comparados. Nos últimos tempos tem estudado as escolhas dos eleitores e o poder do Chefe de Estado nos regimes semipresidenciais, como o nosso. A sua tese de doutoramento abordou a importância crescente do cargo de primeiro-ministro em Portugal.

Participa, ainda, no Estudo das Eleições Portuguesas, um projeto que analisa as idas às urnas desde 2002.

Embora governos sem o partido vencedor sejam comuns na Europa, Marina Costa Lobo considera que, na atual situação, um acordo PS-BE-CDU quebraria uma tradição de boa vontade entre os dois maiores partidos.

Vários países europeus têm governos em que não está representada a força mais votada, sem polémica. A inexistência de precedente em Portugal afeta a legitimidade dessa solução?

Não existe ilegitimidade do ponto de vista constitucional, mas esses casos europeus são em regimes parlamentares. Portugal, sendo um regime semipresidencial, confere poderes importantes ao Presidente na formação do Governo. Acresce a nossa tradição de formação de governos minoritários, que têm dependido da boa vontade do principal partido da oposição, seja o PS ou o PSD. Essa boa vontade é essencial para a governabilidade a prazo num regime como o nosso, onde o sistema eleitoral dificulta as maiorias absolutas. Se António Costa rejeitar um governo minoritário do PàF, estará criado um precedente para a não-cooperação no futuro, ficando o PS refém, em futuros governos, de acordos com a CDU e o BE. Isso só faria sentido se houvesse grande diferença ideológica nos temas centrais, que são os económicos, entre o PS e o PSD, e uma grande proximidade do PS à CDU e ao BE. Que simplesmente não existe.

Tem um eleitor do PS razão para se sentir enganado pelo comportamento pós-eleitoral de António Costa?

O PS é um grande partido. Recolheu 32% dos votos, por isso inclui eleitores de vários tipos. Estando as negociações ainda em curso, avaliar o comportamento pós-eleitoral de Costa é prematuro. Olhando para os programas eleitorais, e em particular para o grupo de trabalho liderado por Mário Centeno — que poderá ter sido central para a credibilização do PS, sobretudo junto do eleitorado que ainda não tinha totalmente esquecido que foi um governo socialista que trouxe a troika para Portugal —, a aproximação pós-eleitoral à CDU e ao BE contradiz o que o PS representa.

As inúmeras cedências que os partidos têm anunciado espelham abertura democrática ou sede de poder?

As cedências são positivas em qualquer negociação, desde que não ponham em causa a essência de cada partido, que não é imutável. Por isso considero um acordo PS-BE-CDU pouco credível. No dia 4 de outubro, discordavam em temas cruciais, como o Estado social, a economia de mercado ou a integração europeia. O PS assinou o memorando da troika e aprovou o Tratado Orçamental. Não são minudências, mas pontos fulcrais a que o BE e a CDU sempre se opuseram. Tendo em conta o documento do PàF, o que se vislumbra é que, governe quem governar, haverá muito pouca capacidade de efetuar certas reformas estruturais de que o país precisa. O ponto central parece ser quem cede mais no abrandamento da austeridade. É pena que não transpareça a exigência do PS, que tem liderado as negociações, naquelas reformas.

O que pode fazer Cavaco, que deu indícios de rejeitar a solução de esquerda?

Deve indigitar Passos Coelho, que ganhou as eleições. De seguida — se o PS assim entender, por ter acordo com CDU e BE —, veremos o PS rejeitar o programa de governo de Passos. Os portugueses têm de conhecer de forma objetiva e transparente as razões do PàF, PS e demais partidos, assumindo cada partido e cada deputado as suas responsabilidades. Isto é permitir comprometimento e negociação com responsabilidade perante o eleitorado. E sem deixar de seguir precedentes eleitorais que ditam procedimentos do funcionamento normal da democracia portuguesa.

Arrisca uma previsão sobre o governo que vamos ter?

Não. As negociações estão em curso e o PS está dividido. Mas considero que o Presidente deve, caso o Governo PàF seja rejeitado no Parlamento e havendo acordo formal à esquerda, mesmo que de incidência parlamentar, dar posse a um governo do PS com apoio do BE e CDU, dentro ou fora do executivo. Devem ser os eleitores, depois, a aferir da coerência, e capacidade de governação dessa aliança. Sou contra leituras presidencialistas da Constituição.

Investigação

Politóloga no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Marina Costa Lobo é especialista em Instituições e Comportamentos Políticos Comparados. Nos últimos tempos tem estudado as escolhas dos eleitores e o poder do Chefe de Estado nos regimes semipresidenciais, como o nosso. A sua tese de doutoramento abordou a importância crescente do cargo de primeiro-ministro em Portugal.

Participa, ainda, no Estudo das Eleições Portuguesas, um projeto que analisa as idas às urnas desde 2002.

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