"Se outrora me tivessem dito que, um dia, em 2011, Portugal iria a votos com o FMI instalado no país, a convite do PS, numa total reviravolta do Primeiro-ministro, eu responderia “grande resultado para o Bloco”. O mesmo diriam os dirigentes do Bloco que, valha a verdade, fizeram uma boa campanha, acertando em cheio no tema principal da renegociação."
"Qualquer expectativa de esquerda ingénua que conceba a crise como abrindo necessariamente mais espaço à esquerda radical é, por isso e sem dúvida, perigosamente curta de vistas. O efeito primário imediato da crise não será o reforço de uma política da emancipação radical, mas antes o do populismo racista, novas guerras, maior pobreza nos países mais pobres do Terceiro Mundo, bem como maiores divisões entre os ricos e os pobres em todas as sociedades actuais. Embora as crises arranquem as pessoas à sua complacência, forçando-as a interrogar os aspectos fundamentais das suas vidas, a primeira reacção mais espontânea é o pânico, e o pânico conduz a um regresso «aos primeiros princípios»: as premissas fundamentais da ideologia dominante, longe de serem postas em dúvida, são reafirmadas ainda mais violentamente (Da Tragédia Farsa, p. 26, 27)."
Pouco tenho a acrescentar ao óbvio: cometeram-se erros relativamente graves no período pré-eleitoral, cometeu-se um erro muito grave em prefigurar a esquerda grande em torno de Manuel Alegre. A meu ver não era o momento nem a pessoa. No entanto, não acho que o mau resultado do Bloco decorra grandemente de sucessivas decisões erradas - mais pareceram exercícios de auto-sabotagem. A situação estrutural criada pela discurso dominante da austeridade configurou, a mer ver, um quadro que fazia adivinhar a catástrofe eleitoral. Nesse sentido, acho que o Rui Tavares tem pouca razão quando afirma:O elemento que Rui Tavares desconsidera é o avassolador sentimento de inevitabilidade que se criou em torno da austeridade. Esta hegemonia, fortemente forjada pelos media, pela esmagadora maioria dos economistas com presença na opinião pública, pela obediente política indígena do arco do poder, fez com que a ideia da renegoaciação da dívida chegasse à data das eleições enquanto um devaneio escapista de uns tantos lunáticos. Num momento de singular clarividência, Slavoj Žižek explica o paradoxo que a crise pode impor à esquerda:No demais, concordo com uma avaliação dos erros do BE e dos seus fautores e concordo com a necessidade de uma renovação (serena). Mas, retomando as palavras de Žižek, creio que nenhum processo de reflexão deve partir de uma confiança excessiva nas veleidades da esquerda para afirmar um novo projecto de sociedade em tempos de crise. É da matriz do voluntarismo excessivo acreditar que os nossos erros e virtudes tudo podem.
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"Se outrora me tivessem dito que, um dia, em 2011, Portugal iria a votos com o FMI instalado no país, a convite do PS, numa total reviravolta do Primeiro-ministro, eu responderia “grande resultado para o Bloco”. O mesmo diriam os dirigentes do Bloco que, valha a verdade, fizeram uma boa campanha, acertando em cheio no tema principal da renegociação."
"Qualquer expectativa de esquerda ingénua que conceba a crise como abrindo necessariamente mais espaço à esquerda radical é, por isso e sem dúvida, perigosamente curta de vistas. O efeito primário imediato da crise não será o reforço de uma política da emancipação radical, mas antes o do populismo racista, novas guerras, maior pobreza nos países mais pobres do Terceiro Mundo, bem como maiores divisões entre os ricos e os pobres em todas as sociedades actuais. Embora as crises arranquem as pessoas à sua complacência, forçando-as a interrogar os aspectos fundamentais das suas vidas, a primeira reacção mais espontânea é o pânico, e o pânico conduz a um regresso «aos primeiros princípios»: as premissas fundamentais da ideologia dominante, longe de serem postas em dúvida, são reafirmadas ainda mais violentamente (Da Tragédia Farsa, p. 26, 27)."
Pouco tenho a acrescentar ao óbvio: cometeram-se erros relativamente graves no período pré-eleitoral, cometeu-se um erro muito grave em prefigurar a esquerda grande em torno de Manuel Alegre. A meu ver não era o momento nem a pessoa. No entanto, não acho que o mau resultado do Bloco decorra grandemente de sucessivas decisões erradas - mais pareceram exercícios de auto-sabotagem. A situação estrutural criada pela discurso dominante da austeridade configurou, a mer ver, um quadro que fazia adivinhar a catástrofe eleitoral. Nesse sentido, acho que o Rui Tavares tem pouca razão quando afirma:O elemento que Rui Tavares desconsidera é o avassolador sentimento de inevitabilidade que se criou em torno da austeridade. Esta hegemonia, fortemente forjada pelos media, pela esmagadora maioria dos economistas com presença na opinião pública, pela obediente política indígena do arco do poder, fez com que a ideia da renegoaciação da dívida chegasse à data das eleições enquanto um devaneio escapista de uns tantos lunáticos. Num momento de singular clarividência, Slavoj Žižek explica o paradoxo que a crise pode impor à esquerda:No demais, concordo com uma avaliação dos erros do BE e dos seus fautores e concordo com a necessidade de uma renovação (serena). Mas, retomando as palavras de Žižek, creio que nenhum processo de reflexão deve partir de uma confiança excessiva nas veleidades da esquerda para afirmar um novo projecto de sociedade em tempos de crise. É da matriz do voluntarismo excessivo acreditar que os nossos erros e virtudes tudo podem.