Tempo Político: A estratégia da tesoura

20-01-2012
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Há mais de trinta anos, em 1978, o PS formou governo com três ministros do CDS. Não era exactamente um governo de coligação: a escassos anos do Verão Quente de 1975, tanto Mário Soares como Freitas do Amaral terão considerado que era mais prudente não empreender tamanho compromisso público. Chamou-se ao entendimento um Acordo de Incidência Parlamentar. Esse governo acabou por durar apenas seis meses, tendo terminado com a apresentação da demissão por parte dos democratas-cristãos. Os desentendimentos entre estes parceiros tiveram origem, em parte, na implementação da chamada Lei Barreto. Aprovada no anterior governo do PS, o novo ministro da Agricultura, Luís Saias, tardava em implementar aspectos chave desta Lei. Apesar de ter sido um governo de curta duração, a participação no governo foi particularmente benéfica para o CDS. Ao ser, ainda que informalmente, integrado num governo constitucional, dois anos depois de ter votado contra a Constituição democrática portuguesa, este partido conseguiu limpar a sua imagem anti-sistémica que os partidos mais à esquerda lhe imputavam. Pelo contrário, para o PS, o fim deste governo significou o início de um período de cinco anos na oposição.Fast-forward para 2009. Na semana passada, José Sócrates e o seu executivo apresentaram um programa de governo. No debate na Assembleia da República assistiu-se a muitos sinais de hostilidade do PS para com o PSD e mesmo para com os partidos à sua esquerda. Mas pareceu haver indícios de que poderá haver uma aproximação entre o primeiro-ministro e o CDS-PP de Paulo Portas em dossiês urgentes e cruciais tal como a Educação. Desta vez não será sequer um Acordo de Incidência Parlamentar, mas a acontecer não deixa de ser um fenómeno que é uma idiossincrasia recorrente do nosso sistema partidário em geral e do comportamento dos governos minoritário do PS em particular.Há obviamente diferenças fundamentais entre os dois períodos. Enquanto em 1978 o mandato daquele governo era o de implementar um acordo assinado com o FMI, que impunha políticas económicas e financeiras para o País, em 2009 não existe nada de semelhante. Isto é, não existe um compromisso de governo com vinculação externa que credibilize as políticas deste governo minoritário com o pormenor do programa proposto pelo FMI em 1978. O que o PS apresentou foi um conjunto de políticas, umas supostamente para aprovar com os partidos da esquerda do Parlamento (TGV, impostos, casamentos homossexuais) e outras com a direita (tudo o que disser respeito ao Estado providência e funções sociais do Estado). A necessária flexibilidade negocial será tanto mais difícil de manter quanto maior for a degradação do ambiente político. Nesse aspecto fundamental, o evoluir de processos como a "Face Oculta" poderão minar a força deste executivo.Também não poderemos esperar muito apoio por parte de Cavaco Silva, ao contrário do que sucedeu, pelo menos inicialmente, com Eanes. Depois da vulnerabilidade política do primeiro governo do PS, Eanes benzeu este governo sui generis que era, apesar de tudo, composto por membros de dois dos três partidos que tinham apoiado a sua candidatura à Presidência da República em 1976. Cavaco Silva, não está, evidentemente, na mesma situação.Com tantos óbices, porquê empreender esta aproximação ao CDS? Em primeiro lugar, por razões de posicionamento ideológico. Medindo quer através da codificação dos programas eleitorais, quer através de inquéritos à opinião pública, verifica-se que o PS está mais próximo do CDS do que do PCP ou do BE quando consideramos temas de cariz socioeconómico.E depois, porque estes dois partidos têm um inimigo comum: o PSD. Quase quinze anos depois do fim do Cavaquismo, o principal partido da direita portuguesa encontra-se mais uma vez seriamente debilitado e sofrendo uma crise de liderança. Momento excelente então para PS e CDS ensaiarem novamente, três décadas depois, a estratégia da tesoura. Resta saber se, tal como em 1978, é o PS quem terá mais custos nesta jogada.(Do jornal de negócios de 12 de Novembro)


Há mais de trinta anos, em 1978, o PS formou governo com três ministros do CDS. Não era exactamente um governo de coligação: a escassos anos do Verão Quente de 1975, tanto Mário Soares como Freitas do Amaral terão considerado que era mais prudente não empreender tamanho compromisso público. Chamou-se ao entendimento um Acordo de Incidência Parlamentar. Esse governo acabou por durar apenas seis meses, tendo terminado com a apresentação da demissão por parte dos democratas-cristãos. Os desentendimentos entre estes parceiros tiveram origem, em parte, na implementação da chamada Lei Barreto. Aprovada no anterior governo do PS, o novo ministro da Agricultura, Luís Saias, tardava em implementar aspectos chave desta Lei. Apesar de ter sido um governo de curta duração, a participação no governo foi particularmente benéfica para o CDS. Ao ser, ainda que informalmente, integrado num governo constitucional, dois anos depois de ter votado contra a Constituição democrática portuguesa, este partido conseguiu limpar a sua imagem anti-sistémica que os partidos mais à esquerda lhe imputavam. Pelo contrário, para o PS, o fim deste governo significou o início de um período de cinco anos na oposição.Fast-forward para 2009. Na semana passada, José Sócrates e o seu executivo apresentaram um programa de governo. No debate na Assembleia da República assistiu-se a muitos sinais de hostilidade do PS para com o PSD e mesmo para com os partidos à sua esquerda. Mas pareceu haver indícios de que poderá haver uma aproximação entre o primeiro-ministro e o CDS-PP de Paulo Portas em dossiês urgentes e cruciais tal como a Educação. Desta vez não será sequer um Acordo de Incidência Parlamentar, mas a acontecer não deixa de ser um fenómeno que é uma idiossincrasia recorrente do nosso sistema partidário em geral e do comportamento dos governos minoritário do PS em particular.Há obviamente diferenças fundamentais entre os dois períodos. Enquanto em 1978 o mandato daquele governo era o de implementar um acordo assinado com o FMI, que impunha políticas económicas e financeiras para o País, em 2009 não existe nada de semelhante. Isto é, não existe um compromisso de governo com vinculação externa que credibilize as políticas deste governo minoritário com o pormenor do programa proposto pelo FMI em 1978. O que o PS apresentou foi um conjunto de políticas, umas supostamente para aprovar com os partidos da esquerda do Parlamento (TGV, impostos, casamentos homossexuais) e outras com a direita (tudo o que disser respeito ao Estado providência e funções sociais do Estado). A necessária flexibilidade negocial será tanto mais difícil de manter quanto maior for a degradação do ambiente político. Nesse aspecto fundamental, o evoluir de processos como a "Face Oculta" poderão minar a força deste executivo.Também não poderemos esperar muito apoio por parte de Cavaco Silva, ao contrário do que sucedeu, pelo menos inicialmente, com Eanes. Depois da vulnerabilidade política do primeiro governo do PS, Eanes benzeu este governo sui generis que era, apesar de tudo, composto por membros de dois dos três partidos que tinham apoiado a sua candidatura à Presidência da República em 1976. Cavaco Silva, não está, evidentemente, na mesma situação.Com tantos óbices, porquê empreender esta aproximação ao CDS? Em primeiro lugar, por razões de posicionamento ideológico. Medindo quer através da codificação dos programas eleitorais, quer através de inquéritos à opinião pública, verifica-se que o PS está mais próximo do CDS do que do PCP ou do BE quando consideramos temas de cariz socioeconómico.E depois, porque estes dois partidos têm um inimigo comum: o PSD. Quase quinze anos depois do fim do Cavaquismo, o principal partido da direita portuguesa encontra-se mais uma vez seriamente debilitado e sofrendo uma crise de liderança. Momento excelente então para PS e CDS ensaiarem novamente, três décadas depois, a estratégia da tesoura. Resta saber se, tal como em 1978, é o PS quem terá mais custos nesta jogada.(Do jornal de negócios de 12 de Novembro)

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