Lendo e relendo: Não é decente chefe militar fazer censura fácil e alinhar na intriga

14-04-2019
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A 13 de abril do corrente
ano, o Regimento de Comandos (RC) recebeu, em
cerimónia pública, com a presença do general CEME (Chefe do Estado-Maior
do Exército) Rovisco Duarte, o
estandarte nacional do 2.º contingente chegado da República Centro-Africana.

Uma semana antes, a Assembleia da República tinha
aprovado – com votos contra do BE, do PCP, dos Verdes e a abstenção da
socialista Wanda Guimarães – o voto de pesar apresentado pelo CDS pela morte
de Victor Ribeiro, tenente miliciano falecido a 24 de março deste ano.

Internado na Fundação Champalimaud, recebera, na noite anterior à sua morte, a visita do Presidente da
República, Marcelo Rebelo de Sousa, que não estava acompanhado pelo CEME.

Na aludida cerimónia,
o coronel Pipa Amorim, comandante do RC, proferiu, na parada do quartel, um discurso
cujo teor fora previamente dado a conhecer ao CEME, que, pela cadeia hierárquica, fez
saber que o comandante deveria eliminar as referências a Victor Ribeiro. Porém,
o orador, segundo oficiais próximos dele, retirou algumas frases e manteve – algo
comum em cerimónias militares – a evocação da memória do militar.

A evocação explícita
do militar ligado a Jaime Neves (já falecido), que fora promovido
a major-general estando já na situação de reserva, irritou o chefe máximo do
Exército

Na verdade, Victor Ribeiro fundou a Associação de
Comandos, de que foi o primeiro presidente, e foi um dos homens mais próximos
de Jaime Neves no 25 de novembro.

Pelos vistos, no final da aludida cerimónia, sentiu-se o
visível clima de forte crispação, tendo um
garantido que o CEME qualificara o coronel Pipa Amorim como “político
populista”.

Sobre o caso, fizeram absoluto silêncio tanto as instâncias do Exército
como os departamentos do Ministério da Defesa Nacional.

***

Mas afinal o que disse o coronel comandante do RC? Segundo um dos presentes
na cerimónia, citado pelo DN, Pipa
Amorim referiu: 

“Permitam-me homenagear e prestar o meu público reconhecimento a este
grande português, um dos últimos guerreiros do império, que como militar,
adicionalmente à sua promoção por distinção, foi condecorado com as medalhas de
Valor Militar e da Cruz de Guerra e, como civil, foi agraciado, na véspera do
seu falecimento, ainda consciente, no leito onde agonizava, com a Ordem do
Infante Dom Henrique, pelo Presidente da República”.

E, sobre o seu desempenho na mobilização de Comandos, afirmou:

“A ele muito devemos, como elemento chave na
mobilização de Comandos na situação de disponibilidade, que permitiram a
constituição das companhias de convocados, fundamentais para o sucesso das
operações militares do 25 de novembro de 1975, tendo a sua atuação sido
fundamental para as liberdades, direitos, regras e instituições que formam e
enformam o Estado de Direito que hoje nos orgulhamos de ser”.

É certo que as movimentações de 25 de novembro de
1975 suscitam interpretações diferentes à esquerda e à direita, mas puseram
termo ao PREC (Processo
Revolucionário em Curso), que enformou meses de crescente tensão entre
grupos daquelas áreas ideológicas. Nas Forças Armadas, deu-se,
naquela madrugada, o choque entre revolucionários e moderados quando paraquedistas
ocuparam várias unidades. Mas os ditos
moderados, sob a chefia de Ramalho Eanes e com os comandos liderados por Jaime
Neves (muitos deles
contactados por Victor Ribeiro nos meses anteriores),
acabaram com a revolta e facilitaram o processo constitucional.

Ora, do meu ponto de vista, entendo que não cabe às chefias militares, como
tais, formular juízos públicos sobre a História, mas, sim, assumir a memória militar
e prestar homenagem àqueles e àquelas, que arriscaram a vida – ou até a perderam
– na luta pelos ideais em que acreditavam, supostamente tendo em vista o
engrandecimento da Pátria e o honroso e espinhoso cumprimento das missões
confiadas às Forças Armadas pela direção do poder político.   

O tenente Victor Ribeiro – concorde-se ou não – é
uma personalidade histórica conotada com o 25 de novembro, o que não agrada a certa
orientação política. Uma alta patente terá associado politicamente este caso ao
da presença de alunos homossexuais no Colégio Militar (em 2016), em que o Ministro Azeredo Lopes foi acusado de alegadamente agir sob
pressão do BE.

Ora, aos militares no ativo, muito menos aos chefes, não cabe fazer a
destrinça sobre o posicionamento político de militares, mas fazer sobre eles o juízo
militar que a organização castrense tem obrigação de produzir. Porém, no final
do discurso de Pipa Amorim, o CEME
também lhe terá dito – “de forma quase descontrolada”, segundo um dos presentes
– que se ia embora de imediato do quartel da Carregueira. E, segundo um
dos seus amigos, que falou sem traço de humor, o comandante do RC mantém-se “quieto, calado e voltado para a frente”.

É feio o CEME ter acusado Amorim de político populista. Provavelmente não lhe
terá agradado ouvir que os comandos também foram chamados à ação a partir da
situação de disponibilidade, coisa que se dizia apenas da esquerda que armara
civis e militares já na disponibilidade!   

***

Victor Ribeiro nasceu em Lisboa, a 7 de fevereiro de 1941. Fez o curso de
oficial miliciano em Mafra, em 1965, e o curso de comandos no CIC, em Angola,
também em 1965. Pertencente à 2.ª Companhia de Comandos, serviu em Angola e
Moçambique. E foi promovido, por distinção, a tenente miliciano em 1967. Recebeu
as seguintes condecorações: Cruz de Guerra de 2.ª Classe; Comendador da Ordem
do Infante Dom Henrique; e “Adaga Comando”.

Na vida civil, foi Comandante da TAP (longo curso) e Diretor-Geral de Operação de
Voos.

Ora, o primeiro presidente da Associação de Comandos (independentemente da conotação política), voltaria a ser evocado na Homenagem aos
Combatentes, a 10 de junho deste ano. E o presidente da comissão organizadora, tenente-general Carvalho dos
Reis, “evocou [Victor
Ribeiro] de forma mais política e não veio mal ao mundo”, como lembrou um dos antigos
militares participantes.

***

Para vários oficiais do Exército, a insistência de Pipa Amorim em evocar a
figura de Victor Ribeiro naquela cerimónia – apesar de o CEME lhe ter feito
saber antes que não o deveria fazer –
traçou o seu destino ao fim de um ano à frente dos Comandos.

Não se chegou a saber se o Ministro da Defesa Nacional tivera também prévio
conhecimento do discurso e, sabendo, que posição tomara. Todavia, em julho, no Dia dos Comandos, questionado sobre a polémica em torno da
exoneração de Pipa Amorim, Azeredo Lopes reagiu crispado: “As questões de soalheiro deixo-as para quem as faz. Não tenho que
contar razão nenhuma.”.

Por seu turno, Azeredo Duarte, auditor de Defesa Nacional, citado
pela Lusa, considerando aquele como
um caso do foro interno do ramo, declarou: 

“O responsável político não tem por hábito intervir em questões de
soalheiro e, portanto, deixa as questões de soalheiro para o nível de onde elas
vêm”.

Tenham lá paciência os senhores políticos, mas as
questões militares que envolvem chefias e memórias militares não são questões
de soalheiro. Não sabia que o povo pagava aos políticos e aos chefes militares
para se entreterem ao soalheiro em amena cavaqueira como os idosos e idosas das
nossas aldeias! Às vezes, os políticos falam demais e dizem trivialidades…  

Estava, pelos vistos, na berra um artigo do Observador (e perguntas posteriores do PSD) sobre o alegado desagrado
causado por Pipa Amorim na cerimónia do Dia dos Comandos. A razão apontada era
ter lembrado as mortes dos recrutas em setembro de 2016, pelas quais vão ser
julgados 19 instrutores comandos – que os camaradas de armas consideram
inocentes até sentença em contrário. E Azeredo Lopes, apesar de saber que o coronel não estava autorizado a falar, remeteu
o jornalista para Pipa Amorim:

“Vá perguntar ao senhor comandante ou a quem
quiser, eu ainda não ouvi falar o senhor comandante e, portanto, questões de
soalheiro, que nascem como todos sabemos, com os mesmos intervenientes de
sempre”.

Porém, a verdadeira razão para o desagrado da hierarquia – pelo menos a
militar – com o comandante do RC foi a referência a Victor Ribeiro em abril e
não apenas a relativa à defesa dos instrutores no caso das mortes dos recrutas,
10 semanas depois. Por isso, Pipa
Amorim “esteve para ser exonerado antes [em abril] e, depois, conseguiu-se que o chefe [do Exército] adiasse isso”, como lembrou uma das fontes, um oficial já
fora das fileiras.

Rovisco Duarte “ficou muito desagradado com algumas coisas que ele disse na
altura, tendo ficado praticamente assente que seria agora” substituído, mas que, “pelo menos, o deixavam ficar até ao dia da
unidade”, como acrescentou o mesmo oficial.

É certo que a exoneração de Pipa Amorim, data de 8 de maio, mas só foi
conhecida a 6 de julho – uma semana após Dia dos Comandos, a 29 de junho. O seu
sucessor é o coronel Eduardo Pombo, que ainda não assumiu funções. Ora, a questão
das datas confirmará que a decisão do CEME teve a ver com o discurso de abril (o dia em que de facto houve a exoneração) e não o de junho.

O coronel soube da nomeação do sucessor, a 3 de julho, por um telefonema do
quartel. O seu superior
hierárquico direto e comandante da Brigada de Reação Rápida também soube
por telefone – e pelo próprio Amorim. E o Exército limitou-se a referir que
a saída de Pipa Amorim após cerca de um ano à frente do RC – ao contrário dos
antecessores – resultou do “cumprimento
de aspetos estatutários como, por exemplo, o tempo de comando prescrito na lei” (leia-se mínimo de um ano para poder ir ao curso de promoção ao generalato), bem como da “gestão de
carreiras dos oficiais dos Quadros Permanentes, dos diferentes quadros
especiais” das Armas.

Fontes do ramo observaram que os
oficiais do curso de Pipa Amorim tinham sido apreciados duas vezes para ida ao
curso de promoção a oficial general – e que aquele coronel não foi escolhido em
nenhuma das vezes. Daí que a substituição vise dar a este tempo de comando para
ser avaliado. Neste sentido, uma fonte que trabalhou com Pipa Amorim
garantiu que o coronel “é um excelente militar” – avaliação repetida por outros
oficiais da arma de Infantaria.

O ainda comandante do RC entrou
para o Exército como soldado. E fez, como cabo, o curso de Comandos,
tendo depois entrado na Academia Militar – onde foi o 1.º do seu curso. Nos quadros permanentes, entre outras
funções, foi oficial de operações, segundo comandante em São Jacinto e
comandante do RC (é oficial que junta a tarimba e
a academia!), onde substituiu o coronel Dores Moreira, também preterido no curso para
oficial general num período muito agitado do regimento, que se mantém.

Ora, o coronel “conhece a tropa” o que explica assim a defesa que fez dos
seus homens nos lugares e termos em que o fez – até “porque do outro lado estão muitos”, como frisou um dos
oficiais críticos do silêncio do CEME relativamente aos instrutores comandos. Isso explicará as atitudes de solidariedade e
homenagem – cartas ao Presidente da República, almoços – adotadas por oficiais
na reserva em relação a Pipa Amorim, constituindo apelo ao bom senso dos chefes.

2018.08.11 –
Louro de Carvalho

A 13 de abril do corrente
ano, o Regimento de Comandos (RC) recebeu, em
cerimónia pública, com a presença do general CEME (Chefe do Estado-Maior
do Exército) Rovisco Duarte, o
estandarte nacional do 2.º contingente chegado da República Centro-Africana.

Uma semana antes, a Assembleia da República tinha
aprovado – com votos contra do BE, do PCP, dos Verdes e a abstenção da
socialista Wanda Guimarães – o voto de pesar apresentado pelo CDS pela morte
de Victor Ribeiro, tenente miliciano falecido a 24 de março deste ano.

Internado na Fundação Champalimaud, recebera, na noite anterior à sua morte, a visita do Presidente da
República, Marcelo Rebelo de Sousa, que não estava acompanhado pelo CEME.

Na aludida cerimónia,
o coronel Pipa Amorim, comandante do RC, proferiu, na parada do quartel, um discurso
cujo teor fora previamente dado a conhecer ao CEME, que, pela cadeia hierárquica, fez
saber que o comandante deveria eliminar as referências a Victor Ribeiro. Porém,
o orador, segundo oficiais próximos dele, retirou algumas frases e manteve – algo
comum em cerimónias militares – a evocação da memória do militar.

A evocação explícita
do militar ligado a Jaime Neves (já falecido), que fora promovido
a major-general estando já na situação de reserva, irritou o chefe máximo do
Exército

Na verdade, Victor Ribeiro fundou a Associação de
Comandos, de que foi o primeiro presidente, e foi um dos homens mais próximos
de Jaime Neves no 25 de novembro.

Pelos vistos, no final da aludida cerimónia, sentiu-se o
visível clima de forte crispação, tendo um
garantido que o CEME qualificara o coronel Pipa Amorim como “político
populista”.

Sobre o caso, fizeram absoluto silêncio tanto as instâncias do Exército
como os departamentos do Ministério da Defesa Nacional.

***

Mas afinal o que disse o coronel comandante do RC? Segundo um dos presentes
na cerimónia, citado pelo DN, Pipa
Amorim referiu: 

“Permitam-me homenagear e prestar o meu público reconhecimento a este
grande português, um dos últimos guerreiros do império, que como militar,
adicionalmente à sua promoção por distinção, foi condecorado com as medalhas de
Valor Militar e da Cruz de Guerra e, como civil, foi agraciado, na véspera do
seu falecimento, ainda consciente, no leito onde agonizava, com a Ordem do
Infante Dom Henrique, pelo Presidente da República”.

E, sobre o seu desempenho na mobilização de Comandos, afirmou:

“A ele muito devemos, como elemento chave na
mobilização de Comandos na situação de disponibilidade, que permitiram a
constituição das companhias de convocados, fundamentais para o sucesso das
operações militares do 25 de novembro de 1975, tendo a sua atuação sido
fundamental para as liberdades, direitos, regras e instituições que formam e
enformam o Estado de Direito que hoje nos orgulhamos de ser”.

É certo que as movimentações de 25 de novembro de
1975 suscitam interpretações diferentes à esquerda e à direita, mas puseram
termo ao PREC (Processo
Revolucionário em Curso), que enformou meses de crescente tensão entre
grupos daquelas áreas ideológicas. Nas Forças Armadas, deu-se,
naquela madrugada, o choque entre revolucionários e moderados quando paraquedistas
ocuparam várias unidades. Mas os ditos
moderados, sob a chefia de Ramalho Eanes e com os comandos liderados por Jaime
Neves (muitos deles
contactados por Victor Ribeiro nos meses anteriores),
acabaram com a revolta e facilitaram o processo constitucional.

Ora, do meu ponto de vista, entendo que não cabe às chefias militares, como
tais, formular juízos públicos sobre a História, mas, sim, assumir a memória militar
e prestar homenagem àqueles e àquelas, que arriscaram a vida – ou até a perderam
– na luta pelos ideais em que acreditavam, supostamente tendo em vista o
engrandecimento da Pátria e o honroso e espinhoso cumprimento das missões
confiadas às Forças Armadas pela direção do poder político.   

O tenente Victor Ribeiro – concorde-se ou não – é
uma personalidade histórica conotada com o 25 de novembro, o que não agrada a certa
orientação política. Uma alta patente terá associado politicamente este caso ao
da presença de alunos homossexuais no Colégio Militar (em 2016), em que o Ministro Azeredo Lopes foi acusado de alegadamente agir sob
pressão do BE.

Ora, aos militares no ativo, muito menos aos chefes, não cabe fazer a
destrinça sobre o posicionamento político de militares, mas fazer sobre eles o juízo
militar que a organização castrense tem obrigação de produzir. Porém, no final
do discurso de Pipa Amorim, o CEME
também lhe terá dito – “de forma quase descontrolada”, segundo um dos presentes
– que se ia embora de imediato do quartel da Carregueira. E, segundo um
dos seus amigos, que falou sem traço de humor, o comandante do RC mantém-se “quieto, calado e voltado para a frente”.

É feio o CEME ter acusado Amorim de político populista. Provavelmente não lhe
terá agradado ouvir que os comandos também foram chamados à ação a partir da
situação de disponibilidade, coisa que se dizia apenas da esquerda que armara
civis e militares já na disponibilidade!   

***

Victor Ribeiro nasceu em Lisboa, a 7 de fevereiro de 1941. Fez o curso de
oficial miliciano em Mafra, em 1965, e o curso de comandos no CIC, em Angola,
também em 1965. Pertencente à 2.ª Companhia de Comandos, serviu em Angola e
Moçambique. E foi promovido, por distinção, a tenente miliciano em 1967. Recebeu
as seguintes condecorações: Cruz de Guerra de 2.ª Classe; Comendador da Ordem
do Infante Dom Henrique; e “Adaga Comando”.

Na vida civil, foi Comandante da TAP (longo curso) e Diretor-Geral de Operação de
Voos.

Ora, o primeiro presidente da Associação de Comandos (independentemente da conotação política), voltaria a ser evocado na Homenagem aos
Combatentes, a 10 de junho deste ano. E o presidente da comissão organizadora, tenente-general Carvalho dos
Reis, “evocou [Victor
Ribeiro] de forma mais política e não veio mal ao mundo”, como lembrou um dos antigos
militares participantes.

***

Para vários oficiais do Exército, a insistência de Pipa Amorim em evocar a
figura de Victor Ribeiro naquela cerimónia – apesar de o CEME lhe ter feito
saber antes que não o deveria fazer –
traçou o seu destino ao fim de um ano à frente dos Comandos.

Não se chegou a saber se o Ministro da Defesa Nacional tivera também prévio
conhecimento do discurso e, sabendo, que posição tomara. Todavia, em julho, no Dia dos Comandos, questionado sobre a polémica em torno da
exoneração de Pipa Amorim, Azeredo Lopes reagiu crispado: “As questões de soalheiro deixo-as para quem as faz. Não tenho que
contar razão nenhuma.”.

Por seu turno, Azeredo Duarte, auditor de Defesa Nacional, citado
pela Lusa, considerando aquele como
um caso do foro interno do ramo, declarou: 

“O responsável político não tem por hábito intervir em questões de
soalheiro e, portanto, deixa as questões de soalheiro para o nível de onde elas
vêm”.

Tenham lá paciência os senhores políticos, mas as
questões militares que envolvem chefias e memórias militares não são questões
de soalheiro. Não sabia que o povo pagava aos políticos e aos chefes militares
para se entreterem ao soalheiro em amena cavaqueira como os idosos e idosas das
nossas aldeias! Às vezes, os políticos falam demais e dizem trivialidades…  

Estava, pelos vistos, na berra um artigo do Observador (e perguntas posteriores do PSD) sobre o alegado desagrado
causado por Pipa Amorim na cerimónia do Dia dos Comandos. A razão apontada era
ter lembrado as mortes dos recrutas em setembro de 2016, pelas quais vão ser
julgados 19 instrutores comandos – que os camaradas de armas consideram
inocentes até sentença em contrário. E Azeredo Lopes, apesar de saber que o coronel não estava autorizado a falar, remeteu
o jornalista para Pipa Amorim:

“Vá perguntar ao senhor comandante ou a quem
quiser, eu ainda não ouvi falar o senhor comandante e, portanto, questões de
soalheiro, que nascem como todos sabemos, com os mesmos intervenientes de
sempre”.

Porém, a verdadeira razão para o desagrado da hierarquia – pelo menos a
militar – com o comandante do RC foi a referência a Victor Ribeiro em abril e
não apenas a relativa à defesa dos instrutores no caso das mortes dos recrutas,
10 semanas depois. Por isso, Pipa
Amorim “esteve para ser exonerado antes [em abril] e, depois, conseguiu-se que o chefe [do Exército] adiasse isso”, como lembrou uma das fontes, um oficial já
fora das fileiras.

Rovisco Duarte “ficou muito desagradado com algumas coisas que ele disse na
altura, tendo ficado praticamente assente que seria agora” substituído, mas que, “pelo menos, o deixavam ficar até ao dia da
unidade”, como acrescentou o mesmo oficial.

É certo que a exoneração de Pipa Amorim, data de 8 de maio, mas só foi
conhecida a 6 de julho – uma semana após Dia dos Comandos, a 29 de junho. O seu
sucessor é o coronel Eduardo Pombo, que ainda não assumiu funções. Ora, a questão
das datas confirmará que a decisão do CEME teve a ver com o discurso de abril (o dia em que de facto houve a exoneração) e não o de junho.

O coronel soube da nomeação do sucessor, a 3 de julho, por um telefonema do
quartel. O seu superior
hierárquico direto e comandante da Brigada de Reação Rápida também soube
por telefone – e pelo próprio Amorim. E o Exército limitou-se a referir que
a saída de Pipa Amorim após cerca de um ano à frente do RC – ao contrário dos
antecessores – resultou do “cumprimento
de aspetos estatutários como, por exemplo, o tempo de comando prescrito na lei” (leia-se mínimo de um ano para poder ir ao curso de promoção ao generalato), bem como da “gestão de
carreiras dos oficiais dos Quadros Permanentes, dos diferentes quadros
especiais” das Armas.

Fontes do ramo observaram que os
oficiais do curso de Pipa Amorim tinham sido apreciados duas vezes para ida ao
curso de promoção a oficial general – e que aquele coronel não foi escolhido em
nenhuma das vezes. Daí que a substituição vise dar a este tempo de comando para
ser avaliado. Neste sentido, uma fonte que trabalhou com Pipa Amorim
garantiu que o coronel “é um excelente militar” – avaliação repetida por outros
oficiais da arma de Infantaria.

O ainda comandante do RC entrou
para o Exército como soldado. E fez, como cabo, o curso de Comandos,
tendo depois entrado na Academia Militar – onde foi o 1.º do seu curso. Nos quadros permanentes, entre outras
funções, foi oficial de operações, segundo comandante em São Jacinto e
comandante do RC (é oficial que junta a tarimba e
a academia!), onde substituiu o coronel Dores Moreira, também preterido no curso para
oficial general num período muito agitado do regimento, que se mantém.

Ora, o coronel “conhece a tropa” o que explica assim a defesa que fez dos
seus homens nos lugares e termos em que o fez – até “porque do outro lado estão muitos”, como frisou um dos
oficiais críticos do silêncio do CEME relativamente aos instrutores comandos. Isso explicará as atitudes de solidariedade e
homenagem – cartas ao Presidente da República, almoços – adotadas por oficiais
na reserva em relação a Pipa Amorim, constituindo apelo ao bom senso dos chefes.

2018.08.11 –
Louro de Carvalho

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