No número 79 da Avenida Infante D. Henrique, em Ovar, moram 17 militantes do PSD com quotas em dia. É o que consta dos cadernos eleitorais que serão usados na eleição interna de hoje. Nas diretas podem votar essas 17 pessoas — dez homens e sete mulheres com sobrenomes tão variados como Silva, Carapuço, Ferreira, Oliveira, Dias, Marques, Rodrigues ou Moreira —, que vivem na mesma modesta moradia de azulejos. Bate-se à porta e na casa há oito residentes e nem um é filiado no PSD.
DR
Percorrendo o caderno eleitoral de Ovar, vão-se sucedendo casos suspeitos. Como a quantidade de militantes do PSD com quotas pagas na Rua dos Pescadores — são seis, sete, oito em cada casa. Mesmo onde, como o Expresso confirmou, não há casa alguma. Confrontado com o facto de muitos militantes não viverem onde os cadernos eleitorais dizem viver, Salvador Malheiro, o social-democrata que preside à Câmara de Ovar, nega irregularidades, alegando mudança de residência. Não é a primeira vez que se levantam suspeitas de militantes-fantasmas em Ovar. Oriundo de Esmoriz, preside à autarquia desde 2013, foi líder da concelhia laranja e é o atual presidente da distrital de Aveiro. No passado, as suspeitas ficaram a nível local, quando Malheiro conquistou a distrital, em 2016. Mas agora é diretor de campanha de Rui Rio nas diretas. Andou ao lado de Rio enquanto este defendia um “banho de ética” no PSD. Nem 17 nem do PSD
Paulo Pinto estaciona à porta do número 79 da avenida Infante D. Henrique, próximo da praia de Esmoriz. Fica surpreendido com os dois desconhecidos, um deles de máquina fotográfica ao peito, em frente da sua casa. Sim, mora ali, mas de passagem, porque é emigrante na Suíça, de visita à mãe. Ali nem vivem 17 pessoas nem há simpatizantes de qualquer partido. “Deve ser um engano. Ninguém é do PSD ou de partido algum.” Matilde, a mãe, vem acudir, curiosa. “De que eleições se trata? Só pode haver engano. Somos oito, com o meu filho que se veio divorciar, nove. Eu, a minha filha, o marido e os netos. E lá atrás, no anexo, outra filha e neta”, conta. Dos habitantes-fantasmas daquela casa, nenhum partilha o apelido Pinto dos verdadeiros moradores.
Rui Duarte Silva
A menos de 500 metros, na esconsa Travessa Clube de Campismo do Porto, número 28, habitam numa ‘ilha’, sob três velhos tetos, sete pessoas. Duas delas, Arminda Dias Silva e Rui Miguel Vieira, são filiadas no PSD e habilitadas a votar hoje. Ninguém está em casa, mas uma vizinha, que pede anonimato, confidencia ser “esquisita” essa militância de uma idosa que frequenta um centro de dia e só vem a casa dormir, e de Rui, o sobrinho, que terá 30 anos, anda ao cartão para vender e tem dificuldades cognitivas. Quinta-feira, pelas 14 horas, chegam à entrada da ‘ilha’, puxando uma carroça de lenha, Carlos Vieira, desempregado da construção civil, 40 anos, e a mãe, Maria de Fátima da Silva. A cena repete-se. Ali não há militantes do PSD. “Somos todos socialistas com quotas pagas por um amigo”, afirma Carlos. O mal-entendido não os apanha, contudo, de surpresa, pois o Vítor, “o homem do PSD da praia de Esmoriz”, tentou “para aí há dois anos” que trocassem de partido. “Foi quando o presidente da Câmara de Ovar foi para um cargo em Aveiro [líder da distrital do PSD]. Pediram-nos o B.I., eu e os meus irmão não demos, mas sei que alguns deram porque lhes disseram que era para terem umas ajudas”, refere Carlos. A mãe revela que apareceram uns cartões lá em casa, mas não ligou, pois não quer saber do PSD. Na ampla vivenda, paredes-meias, Arcelina Rodrigues e o marido confirmam que são ambos do PSD, “por convicção e militância, há dois anos, quando Salvador Malheiro concorreu à distrital”. Os próprios pagam as quotas, depois de um amigo lhes ter levado as fichas de inscrição.
Oito militantes num descampado
Na Rua dos Pescadores, número 379, junto às dunas, o mistério do fervor laranja adensa-se. Numa só morada são oito os filiados com quotas em dia. Percorre-se a rua, outrora habitada sobretudo por pescadores, e da casa 379 não há sinal. No lado ímpar, há um descampado entre o 337 e o 431. Olívia Carapuça, residente no número 404, desfaz o enigma: “Neste baldio havia três casas, que foram deitadas abaixo antes do natal do ano passado.” A vizinha estranha que quem lá vivia fosse do PSD e não se recorda que no número 379 morassem oito pessoas. “Numa das casas eram três, noutra duas, e na última vivia um casal e os dois filhos”, conta Olívia, interrompida pelo marido. “Se aparecem filiados nesta zona da praia é porque alguém paga as quotas. Aqui, tomara dinheiro para um galão”, remata Adriano, reformado metalúrgico e pescador a meio tempo. O presidente da Câmara de Ovar e líder da campanha de Rui Rio acha “esquisito” que se volte a levantar “esta situação”. Recorda que as alegadas irregularidades dos militantes de Esmoriz foram alvo de denúncia por parte do seu adversário à distrital de Aveiro, Ulisses Pereira, há dois anos, tendo o Conselho de Jurisdição Nacional “chamado a Comissão Política da concelhia de Ovar e esclarecido cabalmente que não houve irregularidades”.
Rui Duarte Silva
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No número 79 da Avenida Infante D. Henrique, em Ovar, moram 17 militantes do PSD com quotas em dia. É o que consta dos cadernos eleitorais que serão usados na eleição interna de hoje. Nas diretas podem votar essas 17 pessoas — dez homens e sete mulheres com sobrenomes tão variados como Silva, Carapuço, Ferreira, Oliveira, Dias, Marques, Rodrigues ou Moreira —, que vivem na mesma modesta moradia de azulejos. Bate-se à porta e na casa há oito residentes e nem um é filiado no PSD.
DR
Percorrendo o caderno eleitoral de Ovar, vão-se sucedendo casos suspeitos. Como a quantidade de militantes do PSD com quotas pagas na Rua dos Pescadores — são seis, sete, oito em cada casa. Mesmo onde, como o Expresso confirmou, não há casa alguma. Confrontado com o facto de muitos militantes não viverem onde os cadernos eleitorais dizem viver, Salvador Malheiro, o social-democrata que preside à Câmara de Ovar, nega irregularidades, alegando mudança de residência. Não é a primeira vez que se levantam suspeitas de militantes-fantasmas em Ovar. Oriundo de Esmoriz, preside à autarquia desde 2013, foi líder da concelhia laranja e é o atual presidente da distrital de Aveiro. No passado, as suspeitas ficaram a nível local, quando Malheiro conquistou a distrital, em 2016. Mas agora é diretor de campanha de Rui Rio nas diretas. Andou ao lado de Rio enquanto este defendia um “banho de ética” no PSD. Nem 17 nem do PSD
Paulo Pinto estaciona à porta do número 79 da avenida Infante D. Henrique, próximo da praia de Esmoriz. Fica surpreendido com os dois desconhecidos, um deles de máquina fotográfica ao peito, em frente da sua casa. Sim, mora ali, mas de passagem, porque é emigrante na Suíça, de visita à mãe. Ali nem vivem 17 pessoas nem há simpatizantes de qualquer partido. “Deve ser um engano. Ninguém é do PSD ou de partido algum.” Matilde, a mãe, vem acudir, curiosa. “De que eleições se trata? Só pode haver engano. Somos oito, com o meu filho que se veio divorciar, nove. Eu, a minha filha, o marido e os netos. E lá atrás, no anexo, outra filha e neta”, conta. Dos habitantes-fantasmas daquela casa, nenhum partilha o apelido Pinto dos verdadeiros moradores.
Rui Duarte Silva
A menos de 500 metros, na esconsa Travessa Clube de Campismo do Porto, número 28, habitam numa ‘ilha’, sob três velhos tetos, sete pessoas. Duas delas, Arminda Dias Silva e Rui Miguel Vieira, são filiadas no PSD e habilitadas a votar hoje. Ninguém está em casa, mas uma vizinha, que pede anonimato, confidencia ser “esquisita” essa militância de uma idosa que frequenta um centro de dia e só vem a casa dormir, e de Rui, o sobrinho, que terá 30 anos, anda ao cartão para vender e tem dificuldades cognitivas. Quinta-feira, pelas 14 horas, chegam à entrada da ‘ilha’, puxando uma carroça de lenha, Carlos Vieira, desempregado da construção civil, 40 anos, e a mãe, Maria de Fátima da Silva. A cena repete-se. Ali não há militantes do PSD. “Somos todos socialistas com quotas pagas por um amigo”, afirma Carlos. O mal-entendido não os apanha, contudo, de surpresa, pois o Vítor, “o homem do PSD da praia de Esmoriz”, tentou “para aí há dois anos” que trocassem de partido. “Foi quando o presidente da Câmara de Ovar foi para um cargo em Aveiro [líder da distrital do PSD]. Pediram-nos o B.I., eu e os meus irmão não demos, mas sei que alguns deram porque lhes disseram que era para terem umas ajudas”, refere Carlos. A mãe revela que apareceram uns cartões lá em casa, mas não ligou, pois não quer saber do PSD. Na ampla vivenda, paredes-meias, Arcelina Rodrigues e o marido confirmam que são ambos do PSD, “por convicção e militância, há dois anos, quando Salvador Malheiro concorreu à distrital”. Os próprios pagam as quotas, depois de um amigo lhes ter levado as fichas de inscrição.
Oito militantes num descampado
Na Rua dos Pescadores, número 379, junto às dunas, o mistério do fervor laranja adensa-se. Numa só morada são oito os filiados com quotas em dia. Percorre-se a rua, outrora habitada sobretudo por pescadores, e da casa 379 não há sinal. No lado ímpar, há um descampado entre o 337 e o 431. Olívia Carapuça, residente no número 404, desfaz o enigma: “Neste baldio havia três casas, que foram deitadas abaixo antes do natal do ano passado.” A vizinha estranha que quem lá vivia fosse do PSD e não se recorda que no número 379 morassem oito pessoas. “Numa das casas eram três, noutra duas, e na última vivia um casal e os dois filhos”, conta Olívia, interrompida pelo marido. “Se aparecem filiados nesta zona da praia é porque alguém paga as quotas. Aqui, tomara dinheiro para um galão”, remata Adriano, reformado metalúrgico e pescador a meio tempo. O presidente da Câmara de Ovar e líder da campanha de Rui Rio acha “esquisito” que se volte a levantar “esta situação”. Recorda que as alegadas irregularidades dos militantes de Esmoriz foram alvo de denúncia por parte do seu adversário à distrital de Aveiro, Ulisses Pereira, há dois anos, tendo o Conselho de Jurisdição Nacional “chamado a Comissão Política da concelhia de Ovar e esclarecido cabalmente que não houve irregularidades”.
Rui Duarte Silva